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Entenda o sucesso de Angela Merkel, a mulher “mais poderosa” do mundo

A chanceler se prepara para um quarto mandato na Alemanha. Ainda não se sabe exatamente que tipo de coalizão será formada após a eleição deste domingo

Merkel se mantém firme no poder, apesar das medidas de austeridade
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A chanceler alemã é um verdadeiro paradoxo. Líder do país mais populoso da Europa, com quase 83 milhões de habitantes, ela pilota como poucos a política internacional. Atravessou com a cabeça erguida uma crise econômica que quase levou o continente à falência – mesmo se para isso teve que impor contestadas medidas de austeridade ao seu povo – e ainda assim se beneficia de índices de popularidade de dar inveja até mesmo a líderes eleitos recentemente.

Angela Dorothea Kasner (que usa o sobrenome de seu primeiro marido) é também o avesso do clichê das personalidades poderosas: discreta, prudente e distante dos holofotes, ela tenta levar uma vida normal, apesar de pilotar a principal economia da Europa, elogiada por sua estabilidade e vigor.

No poder há 12 anos, a chefe do governo sempre se recusou a morar na Chancelaria, e preferiu permanecer no apartamento onde  vivia com seu marido, o químico – e ainda mais discreto – Joachim Sauer. Ela também diz que gosta de cozinhar e quem mora em seu bairro pode encontrá-la nas compras no supermercado vizinho, sozinha e sem ser incomodada por fãs. Sem esquecer o fato de que ela praticamente se camufla atrás de terninhos quase idênticos, que mudam apenas de cor. Algo raro em tempos de um culto à personalidade que se exprime quase sempre pelos adjetivos estéticos.

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Quem a conhece diz que a chanceler tem jeito para lidar com crianças. E apesar de não ter tido filhos, Merkel é acostumada a sair de férias com os sobrinhos, além de ter apoiado a criação dos dois enteados, frutos do primeiro casamento de seu marido. O povo alemão também se sente protegido por essa mãezona, popularmente chamada de “mutti”, um apelido carinhoso para mamãe.

Muitos, inclusive, usam esse lado maternal para justificar sua decisão, em 2015, de abrir as portas da Alemanha para cerca de um milhão de migrantes e refugiados. Uma atitude que suscitou várias críticas e chegou a balançar sua campanha para a reeleição.

Mamãe para alguns, madrasta para outros

Mas alguns veem a chanceler como uma madrasta. Logo após a crise econômica de 2010, Merkel, como piloto da locomotiva da Europa, contribuiu para a imposição de uma política de austeridade que quase estrangulou países como a Grécia. Seu nome foi durante muito tempo um dos principais alvos de pichações nas ruas de Atenas.

Doutora em Física e excelente em matemática, a líder alemã sempre demonstrou frieza quando necessário, como prova a sua ascensão política, em 1999. Protegida de Helmut Kohl, chefe de seu partido CDU e símbolo da reunificação da Alemanha, a jovem ministra aproveitou um momento de fraqueza do ex-chanceler, acusado de corrupção, para derrubá-lo. Em uma tribuna no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, ela denunciou as práticas fraudulentas de seu mentor e pediu abertamente sua saída do partido.

Kohl nunca perdoou sua protegida pelo que qualificou de traição. Em um de seus momentos de fúria, ele chegou a declarar que, antes de entrar em seu governo, primeiro como porta-voz e depois como ministra, Merkel “não sabia nem comer com garfo e faca”. Um comentário esnobe feito na hora da raiva, mas que também traz à tona um certo preconceito latente, ligado ao fato de que sua “criatura política” havia crescido na Alemanha do Leste.

Um ovni político

A jornalista do Le Monde, Marion Van Renterghen, que acaba de lançar uma biografia de Angela Merkel, também defende que boa parte desse paradoxo que envolve a chanceler vem de sua história de vida. No livro, intitulado “O ovni político”, a autora mergulha no passado da chefe de governo, encontra amigos de infância, fala com familiares, entrevista colegas de partido e relembra episódios políticos que permitem entender essa personalidade tão complexa.

Durante seus três mandatos, Merkel viu passar três presidentes norte-americanos, quatro franceses, e quatro primeiros-ministros britânicos. Mas “ela é totalmente diferente”, define a jornalista. “De todos os dirigentes ocidentais, ela é a única que conheceu este outro mundo geográfico, político e psicológico do Leste Europeu, mas do lado errado do muro”.

Isso porque enquanto todos queriam fugir para o lado ocidental da Alemanha, Angela Merkel nasceu no oeste, mas se mudou ainda bebê para o leste, junto com sua mãe professora de inglês e seu pai pastor, que cruzaram a fronteira no sentido oposto de forma voluntária. Dos mais de 30 anos que viveu em um regime sob vigilância, ela teria herdado uma capacidade rara de adaptação.

Sonho de uma aposentadoria californiana

Mesmo assim, quando o Muro de Berlim foi derrubado, em 1989, ela parecia estar apegada a esse outro mundo. Na data histórica, Merkel tinha 35 anos e, ao sair da sauna, se deu conta que os postos de controle estavam abertos. Ela logo entendeu que o muro que dividia leste e oeste havia caído e vai passear por Berlim Ocidental. Enquanto praticamente todos os alemães festejavam a noite inteira o acontecimento, a jovem decidiu, porém, voltar logo para casa, alegando que “tinha que trabalhar cedo no dia seguinte”, relata a biógrafa.

A anedota é apenas um dos paradoxos de Merkel, que fala russo fluentemente, mas que passou uma juventude fascinada pelos Estados Unidos. A tal ponto que ela disse algumas vezes que gostaria de crtiur sua aposentadoria sob o sol da Califórnia. Mas, aos 63 anos, a chanceler não parece disposta a pendurar o terninho. Se as pesquisas se confirmarem, a partir deste domingo 24 ela começa um novo mandato e as praias californianas vão ter de esperar mais um pouco.

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