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“A Síria está em colapso. As pessoas não fazem mais nada, só se escondem”, diz médico

Segundo chefe dos Médicos Sem Fronteira no país, ajuda humanitária não pode esperar uma solução política para a Síria

Sírios carregam corpos de homens mortos na cidade de Aleppo em 29 de janeiro. Foto: ©afp.com / Jm Lopez
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Ao chegar à Síria, John Tzanos testemunhou um cenário surreal. Por toda a parte via-se cápsulas de foguetes espalhas pelo chão, construções ao pedaços e uma população em desespero em busca de ajuda humanitária. “É uma sociedade em colapso. As pessoas simplesmente não fazem mais nada, apenas se escondem”, conta o chefe de operações dos Médicos Sem Fronteira no país, a CartaCapital. 

No mês em que a guerra civil entre as tropas do presidente Bashar al-Assad e os rebeldes, reconhecidos pela Liga Árabe como o governo legítimo do país, completou dois anos, o número de mortes foi recorde. Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, ONG baseada em Londres, mais de 6 mil pessoas morreram em confrontos em março.

Destas, 291 eram mulheres, 298 crianças, 1.486 rebeldes e desertores do Exército sírio, e 1.464 soldados do regime. Ao todo, estima a ONU, os mortos chegam a 70 mil desde o início dos conflitos.

Conforme a guerra se intensifica, aumentam os casos graves nos hospitais montados pelo MSF. “Recordo de uma história da nossa unidade médica, em que recebemos um grupo massivo de crianças atingidas por bombas. Enquanto tratávamos os graves ferimentos, no fundo do hospital ouvíamos um dos primeiros choros de recém-nascidos. O contraste entre o começo da vida e as pessoas que tentávamos ajudar a sobreviver é forte, surreal”, conta o médico.

Também em março, o número de refugiados sírios chegou a 1 milhão. O fluxo de fuga do país é tamanho que o ACNUR, agência da ONU para refugiados, teme que o número atinja 3 milhões até o final do ano. Caso isso aconteça, a Síria será o maior gerador de refugiados do mundo, superando o Afeganistão e o Iraque.

           

Os países vizinhos estão pressionados, somente no Líbano a população aumentou em 10%. No Iraque, há mais de 106 mil refugiados sírio, na Turquia, 185,2 mil, no Líbano, 332,3 mil, e na Jordânia, 324,5 mil. Além disso, estimativas mostram ao menos 3,6 milhões de deslocados internos na Síria.

Os dois anos do conflito se refletem na população, que necessita de alimentos, água potável e atendimento médico. A estrutura de saúde do país, no entanto, está destruída, segundo Tzanos. “Os profissionais de saúde estão deixando áreas perigosas e a população fica sem ajuda médica. Além disso, não há remédios e suplementos médicos.”

O chefe da missão do MSF na Síria, que opera clandestinamente no país por não ter a autorização do governo de Assad, reclama do fraco suporte internacional. O ACNUR, por outro lado, constantemente pede aos grupos em combate que garantam a passagem segura de comboios com ajuda humanitária. Ainda assim, conseguiu acesso à poucas cidades, como Deir Ezzor, Dara’a, Raqqah, Idlib e Hama, Damasco, Aleppo e Homs.

“Nos hospitais, o que se vê são pessoas sofrendo. A comunidade internacional precisa de uma solução política, mas até lá precisamos ajuda humanitária imediata, que não deve ser adiada ou colocada em espera de soluções politicas”, diz o médico.

O ACNUR quer entregar, com a ajuda de ONGs, itens emergenciais para ao menos um milhão de pessoas até junho, já tendo distribuído kits para 437 mil pessoas nas principais áreas afetadas. Isso inclui camas, material para abrigo, equipamentos domésticos e roupas. Houve ainda quatro caminhões com 5 mil cestas básicas enviados pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA).

Em algumas áreas, tarefas do Estado já recaem sobre os civis. “Fica a cargo dos civis dirigir as ambulância, coletar corpos e feridos. Mas conforme a guerra se prolonga, a capacidade deles enfraquece, seja em termos de combustível ou de água potável, até que no final, vão morrer se não receberem ajuda.”

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