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A milionária cadeia da pirataria na Somália

Estudo mostra que sequestro de navios no Chifre da África rendeu até US$ 400 milhões entre 2005 e 2012, e passou a ter investidores. Por Gabriel Bonis, de Londres

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De Londres

A pirataria teve sua era de ouro nos mares internacionais entre os séculos 16 e 17. Era uma atividade extremamente lucrativa e, em grande parte ilegal, já que apenas os corsários tinham autorização de seus governos para atacar e saquear navios de nações inimigas. Quatro séculos depois, os piratas ainda parecem capazes de ganhar grandes quantias em dinheiro. Entre abril de 2005 e dezembro de 2012, eles lucraram entre 339 e 413 milhões de dólares em resgates na costa da Somália e no Chifre da África. Os dados estão em um relatório lançado na sexta-feira 1 pela UNODC, escritório da ONU para drogas e crime, o Banco Mundial e a Interpol.

O estudo foi feito a partir de dados e evidências de entrevistas com ex-piratas, autoridades governamentais, banqueiros e outros envolvidos no combate à pirataria. Ao menos 179 barcos foram sequestrados no período, com cerca de 85% deles liberados após pagamento de resgates, que alimentaram uma vasta cadeia de atividades criminais em escala global. O relatório analisou a situação do Djibouti, Etiópia, Quênia, Seychelles e Somália.

Segundo o levantamento, o dinheiro dos resgates foi investido em outras atividades como tráfico, financiamento de milícias, tráfico de pessoas, novas atividades de pirataria e aumento das capacidades militares  da Somália. Além do comércio da erva estimulante khat, que é uma droga legal na Somália, para lavar parte dos recursos e dar “aparência legal” a essas quantias.

Descobriu-se com o estudo que essa cadeia econômica é uma opção atrativa para “investidores”. As atividades analisadas foram apoiadas financeiramente por uma amostra de 59 “financiadores”. E os dados mostram que os mais ricos financiam as atividades criminosas em troca de lucros entre 30% e 75% dos valores dos resgates, enquanto os piratas que abordam os navios ficam com menos de 0.1% do total. Eles costumam receber uma taxa entre 30 mil e 75 mil dólares por navio invadido.

A economia da pirataria movimenta um mercado por alimentos, prostitutas, advogados e até mesmo verificadores de notas que podem identificar falsificações. Da mesma forma que as comunidades locais se “beneficiam” com o comércio de produtos e serviços aos piratas, as milícias também lucram com taxas cobradas pelo controle dos portos. Em um dos portos de Mogadíscio, capital da Somália, os piratas têm um acordo para pagar um imposto de 20% para o grupo terrorista al-Shabab, ligado à al-Qaeda, que assumiu a autoria do ataque que matou dezenas de pessoas em um shopping center no Quênia em 21 de setembro deste ano.

O grupo controla diversas parte da Somália, um país que há décadas lida com ausência de um governo central forte e enfrenta conflitos internos severos entre senhores da guerra e outros grupos armados. Entre 1991 e 2012, o país ficou sem um Parlamento e um governo central articulado, o que contribuiu para que regiões inteiras fossem ao caos da insegurança e falta de estrutura.

No cenário internacional, a Somália é classificada por diversos teóricos como um “rogue state” (algo como um Estado desonesto, em tradução livre), pois sua instabilidade interna ameaçaria a paz mundial. Outros analistas também enquadram o país como “estado falido”, cuja a definição não é clara, mas envolve a total ou parcial incapacidade de um estado em manter princípios básicos de sua soberania como garantir a segurança da população, manter suas fronteiras protegidas, oferecer serviços básicos e garantir a aplicação interna das leis e da ordem. Sem esses requisitos, a Somália se transformou em um dos paraísos da pirataria.

E esse fato tem grande impacto global, pois representa um risco para a segurança internacional e, principalmente, porque ameaça as atividades comerciais em uma rota marítima valiosa. Segundo o relatório, a pirataria custa à economia global cerca de 18 bilhões de dólares por ano em aumento dos custos em comércio. O surto de pirataria também reduziu a atividade marítima no Chifre da África, prejudicando o turismo e a pesca nos países do leste africano desde 2006.

Devido à complexidade do problema, e os interesses comerciais europeus e dos EUA em uma das rotas marítimas comerciais mais importantes do mundo – a de entrada e saída para o Canal de Suez -, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) mantém, desde 2008, a Operação Escudo do Oceano (em tradução livre) para combater a pirataria no Chifre da África, no Golfo de Aden e no Oceano Índico. A organização faz a segurança de navios cargueiros e conduz patrulhas de dissuasão para evitar que barcos sejam sequestrados e suas tripulações feitas reféns.

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