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A difícil relação de Hillary Clinton com a imprensa

Candidata à presidência dos EUA não concede entrevista coletiva há mais de 200 dias

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Por Romina Spina, de Washington 

Dois dias depois de Hillary Clinton anunciar que concorreria à presidência dos EUA em 2016, milhões de americanos viram repórteres literalmente caírem uns sobre os outros para perseguir o carro em que a democrata chegou a uma escola em Iowa, para um evento de campanha. Os jornalistas foram criticados e ridicularizados, mas o episódio serviu como um lembrete de como é difícil ter acesso à candidata.

Como alguém que esteve no centro de quatro campanhas presidenciais, Hillary mantém uma distância segura da mídia política nacional. Sua última entrevista coletiva foi no início de dezembro, há mais de 200 dias. Essa relutância gerou inúmeros artigos e comentários questionando os motivos dela.

O jornal Washington Post tem até um placar ao vivo em seu site, para contar os dias e horas que passam sem Hillary falar diretamente com a imprensa.

Até mesmo os jornalistas que viajam com ela sofrem restrições. Logo no início, pouco mais de uma dúzia de organizações noticiosas havia formado um pool de imprensa para cobrir a campanha de Hillary. Ele funciona como o pool de imprensa na Casa Branca, que faz a cobertura sobre o presidente. Nele são divididos custos, e cada organização fornece seus próprios repórteres, que, por sua vez, podem fazer perguntas e depois compartilham as respostas com os demais membros do pool.

Quando questionado sobre por que Hillary não se envolve com repórteres, o secretário de imprensa dela, Brian Fallon, respondeu que ela é abordada regularmente após eventos e responde a perguntas.

No entanto, de acordo com membros do pool, incluindo repórteres da CNN e da ABC News, o acesso à democrata durante a campanha eleitoral é bastante limitado. “Sim, ela responde a perguntas, mas apenas ocasionalmente e por poucos minutos”, escreveram no Twitter. Alguns tentam, gritando suas perguntas para ela antes ou depois de eventos, e muitos são simplesmente ignorados.

Hillary tem sido uma figura pública há quase quatro décadas. Como ex-primeira-dama, senadora e secretária de Estado, ela foi adquirindo desconfiança e aversão à imprensa. Ao longo dos anos, a cobertura midiática sobre ela e sua família tem sido muitas vezes abertamente hostil e incluiu uma série de ataques pessoais, que ela narrou em seu livro de memórias Vivendo a História.

Outras experiências com a mídia também deixaram marca. No início dos anos 70, antes de se casar com Bill Clinton, Hillary trabalhava como advogada com o chefe do inquérito de impeachment que investigava o então presidente Richard Nixon. “Na época, ela viu em primeira mão como a imprensa derrubou Nixon”, lembra James Mueller, professor de Jornalismo da Universidade do Norte do Texas, em entrevista à DW.

“Em parte, a atitude dela com a imprensa vem de sua própria personalidade. Comparada ao marido, ela também pode ser charmosa, mas é menos espontânea e mais cuidadosa do que ele”, acrescenta Mueller, que escreveu um livro sobre como os Clintons lidam com a mídia.

Agora, sempre que a imprensa reclama da falta de vontade dela para falar com os repórteres, a equipe da candidata gosta de salientar que ela já deu centenas de entrevistas na campanha desde janeiro. O que eles fazem pouca questão de destacar é que foram principalmente entrevistas individuais, que Hillary concedeu a jornalistas com quem ela sente que pode lidar. Entrevistas coletivas tirariam da candidata a capacidade de direcionar a conversa e a colocariam numa posição vulnerável.

“As aparições dela são todas cuidadosamente roteirizadas”, diz Aaron Sharockman, chefe da PolitiFact, um projeto que checa fatos em declarações de políticos. Ele compara Hillary ao adversário republicano, Donald Trump. O bilionário de Nova York é mais acessível à imprensa e raramente prepara seus comentários. A democrata é o oposto e escolhe suas palavras com tanto cuidado que é difícil para os fact-checkers encontrar algo que a comprometa, segundo Sharockman.

Pode ser que Hillary se preocupe em ter de responder a perguntas difíceis numa entrevista coletiva, mas, dada sua experiência em fazer declarações em contextos institucionais, é mais provável que ela não veja benefício algum em ficar diante de dezenas de repórteres.

O que causa perplexidade e profunda frustração entre os jornalistas é parte de uma estratégia sofisticada, projetada para ressaltar suas qualidades, minimizando riscos. Hillary e sua equipe sabem que estão no controle e que podem escolher como se conectar com os eleitores. Nesse sentido, a era digital mudou a dinâmica do poder.

“Hillary e políticos como ela não precisam mais dos meios de comunicação tradicionais para divulgar sua mensagem”, frisa Mueller. A influência em declínio de redes de televisão lhe permite escolher que entrevistas concede, no formato e cenário que preferir.

O fato de Hillary não conceder entrevistas coletivas é relevante para os repórteres, mas nem tanto para o público em geral. “Os eleitores ainda a veem em programas como ‘Meet the Press’ ou ‘Saturday Night Live’ e pensam que ela está sempre na mídia”, acrescenta Mueller.

Hillary rapidamente se adaptou às novas tendências e se tornou muito popular nas redes sociais quando era secretária de Estado. Esse período coincidiu com altos e consistentes índices de aprovação. Seu relacionamento com a imprensa melhorou também, quando o grupo de repórteres que a acompanhava era pequeno e estava mais focado nos assuntos específicos a seu cargo do que em política genérica. Havia espaço para interação pessoal, e ela se mostrava uma pessoa envolvente, engraçada e afetuosa.

As pesquisas desta semana mostram que a popularidade de Hillary chegou agora ao nível mais baixo. Ela é vista como desonesta e indigna de confiança.

Um estudo realizado pelo Shorenstein Center da Universidade de Harvard também revelou que ela tem, de longe, a cobertura da imprensa menos favorável quando comparada à dos outros candidatos. E Hillary ainda culpa a mídia pela esmagadora derrota que sofreu para Barack Obama em 2008. Se ela ganhar a eleição em novembro, é improvável que seu relacionamento conturbado com a imprensa mude para melhor.

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