Glenn Greenwald

Por que Ciro Gomes aposta no antipetismo?

Não é necessário concordar com a estratégia de Ciro para compreendê-la

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Ao longo dos últimos seis meses, uma questão tem confundido a esquerda: o que Ciro Gomes está fazendo? Isso não significa necessariamente que discordem de suas declarações, apesar de frequentemente discordarem, mas que não entendem a lógica de sua estratégia. Não é necessário concordar com a estratégia de Ciro para entendê-la.

Para se falar das ações de Ciro devemos começar pela questão principal: Ciro Gomes quer ser presidente do Brasil. Não duvido que ele creia sinceramente ser a opção mais qualificada para superar tanto as crises estruturais de longa data quanto as novas patologias herdadas do bolsonarismo. Ele acredita que governaria o Brasil melhor do que Lula, Bolsonaro ou qualquer outro.

Ciro foi um prefeito e um governador popular e de prestígio, além de ter ocupado uma cadeira no Congresso. Foi ministro, advogado constitucionalista, professor universitário, pesquisador visitante em Harvard e autor de três livros sobre política, e comandou uma empresa no setor privado.

Parece claro que ele ainda alimenta uma última ambição: ser presidente. Não é uma ambição surpreendente para alguém que foi eleito deputado estadual aos 26 anos de idade, prefeito de uma capital aos 32 e governador aos 33. E que respira política desde então. Para alguém com essa trajetória, a Presidência é apenas o próximo destino, e todo o esforço dos últimos anos é nesse sentido.

Mas existe um obstáculo no caminho de Ciro rumo à Presidência: Lula. E, para Ciro, Lula não é apenas o maior obstáculo para o sucesso em 2022, mas é também quem o impediu de realizar essa ambição até hoje.

Na primeira candidatura de Ciro à Presidência, em 1998, ele disputou o voto anti-FHC com Lula e acabou em terceiro. Em 2002, viu Lula aglutinar a esquerda e ficou em quarto. Em 2010, depois de servir ao governo Lula em vários cargos importantes, acreditava, com bons motivos, que teria o apoio do então presidente, mas foi preterido por Dilma Rousseff. Em 2018, mesmo preso, Lula bloqueou mais uma vez o caminho de Ciro ao apoiar não o seu nome, mas o de Fernando Haddad, amargando mais uma vez o terceiro lugar.

Por que Ciro se convenceria de que ele não deve alienar petistas? Por definição, eles não votarão nele, mesmo que gostem dele

Quando se ouvem as entrevistas de Ciro ao longo dos anos, não é difícil entender a sua visão dos últimos 20 anos: apesar de ter apoiado Lula e até mesmo o PT e criticado ferozmente o impeachment de Dilma em um momento em que essa não era uma posição popular, ele viu suas aspirações presidenciais repetidamente sabotadas. E tanto em 2010 quanto em 2018 foi preterido por candidatos que, na sua visão, eram bem menos experientes e capazes do que ele e, no caso de 2018, com menos chances de vitória.

É, portanto, perfeitamente racional que Ciro conclua que, se quer realmente ser presidente, não pode contar com o PT. Na verdade, é o oposto: ele tem de encontrar uma maneira de superar, ultrapassar ou derrotar o PT. Ele aprendeu a lição de que o Partido dos Trabalhadores não será o veículo que vai levá-lo à Presidência. Ao contrário, é um obstáculo.

Em outras palavras, Ciro não chegará à Presidência apoiando ou apoiado pelo PT ou Lula. Especialmente agora que a candidatura de Lula em 2022 está cada vez mais certa. Assim, quanto mais próximo Ciro estiver do PT, mais distante estará a sua vitória.

A esquerda ainda se surpreende com a retórica anti-PT de Ciro, cada vez mais intensa. Mas que outra escolha ele tem, se quer vencer? Por que Ciro se convenceria de que ele não deve alienar petistas? Por definição, eles não votarão nele, mesmo que gostem dele. Os petistas não votarão em Ciro. Ponto final.

As pesquisas, e o senso comum, sugerem que será muito difícil evitar um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Isso se torna ainda menos provável se houver mais de um candidato se apresentando como terceira via. Essa alternativa só será viável se ela unir o antibolsonarismo de centro-direita e o antipetismo de centro-esquerda. Chave nessa equação são os chamados “centristas pró-democracia” que assinaram um manifesto recentemente, entre eles João Doria, Luiz Henrique Mandetta, Luciano Huck e Eduardo Leite.

Ciro tem um argumento convincente de que é o melhor nome para unir esse campo: todos os outros estão por demais à direita (tendo, inclusive, votado em Bolsonaro) para ser capazes de aglutinar votos da centro-esquerda, ao passo que Ciro pode alcançar esse eleitorado. Mas, se quer alcançar o eleitorado de centro-direita, Ciro precisa se distanciar de Lula e do PT, mesmo que para isso precise se recusar a reconhecer o fato de que Lula seria melhor do que Bolsonaro.

Independentemente de todo o resto, com Lula no páreo, Ciro não tem nenhuma chance de atrair o voto do PT e de seus aliados, não importa o que diga ou faça. É muito difícil imaginar um cenário em que a estratégia de se colocar como o nome de unidade do “Centrão” funcione e lhe dê a vitória, mas, diante da conjuntura, esta é a sua única opção.

Publicado na edição nº 1154 de CartaCapital, em 22 de abril de 2021.

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