Entrevistas
‘Governadores demoraram agir para evitar participação de policiais em atos bolsonaristas’
Para o major da reserva Luiz Alexandre Souza da Costa, não houve ação preventiva que apontasse as consequências para PMs que forem aos atos
Com a experiência de quem atuou na Polícia Militar do Rio de Janeiro por mais de 20 anos, o major da reserva Luiz Alexandre Souza da Costa afirma que os governadores demoraram a agir para evitar a participação de membros das forças de segurança nas manifestações do 7 de Setembro em favor do presidente Jair Bolsonaro.
No entanto, diz Costa, com os movimentos recentes, já se nota que muitos PMs “colocaram o pé no freio”, pois “ficaram um pouco assustados com possíveis represálias criminais e administrativas”.
Em entrevista a CartaCapital, Costa, que é integrante do Laboratório de Estudos Políticos de Defesa e Segurança Pública do Iesp-Uerj, diz que os atos deste ano servirão como laboratório para mobilizações em 2022, quando ocorrerão as eleições.
Para ele, se o presidente “perceber que vai perder e que pode ser preso, como disse na semana passada, vai entrar no modo desespero e tentar dar um golpe”.
Na conversa, o cientista político esclarece que o apoio dos policiais militares a Bolsonaro é mais de natureza ideológica do que prática.
Em sua análise, o professor mostra que a chamada bolsonarização das PMs foi um movimento anterior à chegada do ex-capitão à presidência, mas quando eles veem o Bolsonaro, “que se vende como militar, defendendo a política do ‘bandido bom é bandido morto’, dizendo que eles precisam ser valorizados e acenando com vantagens, eles compram esse discurso”.
Leia a seguir a entrevista completa:
CartaCapital: Há na história da Polícia Militar um processo de politização tão intenso como agora?
Luiz Alexandre Souza da Costa: A politização das PMs já existe há muito tempo, e isso é provado por números. Há uma pesquisa da Universidade do Rio Grande do Sul que mostra que, entre 2007 e 2017, houve 53 greves das polícias militares no Brasil. Temos tido aumento todo ano de policiais que se candidatam a cargos públicos. Outra questão é em relação à segurança pública, em que as polícias militares não atendem normalmente de maneira técnica, mas de acordo com a vontade do governador.
Isso demonstra que já se tem uma politização grande nas polícias, diferente das Forças Armadas. Nelas, há candidatos, mas em menor número. Até porque a maioria que compõe as Forças Armadas é de conscritos, de militares temporários. Ao todo, são 74% e esses militares ficam muito pouco tempo para se elegerem com alguma ligação.
CC: O que mudou com a ascensão de Bolsonaro?
LA: Primeira coisa que verificamos é o salto de candidatos provenientes das PMs. É um aumento de 391% de 2010, que teve 123 candidatos militares, a 2018, que já tinha 604. Isso falando apenas em Câmara e Senado Federal. A consequência direta do bolsonarismo nisso é que em 2010 só teve um candidato eleito e, em 2018, foram 26.
Os policiais militares finalmente se veem representados pelo presidente. Eu vivi lá por mais de 20 anos e sei que os policiais se sentem muito órfãos por conta de mortes de membros da corporação, dos problemas relacionados a salários e das condições de trabalho. E isso independe de ideologia política, pois esses problemas acontecem com governantes de esquerda e direita.
Daí, quando os policiais veem o Bolsonaro, que se vende como militar, defendendo a política do ‘bandido bom é bandido morto’, dizendo que eles precisam ser valorizados e acenando com vantagens, eles compram esse discurso.
CC: Então, o senhor atribui o apoio ao Bolsonaro mais a uma questão ideológica?
LA: Em geral, não só no Brasil, há uma tendência de que as forças de segurança sejam mais conservadoras. Os policiais veem na figura do Bolsonaro um sujeito conservador, que fala o que eles querem ouvir e eles acreditam que um dia o presidente vai conseguir mudar alguma coisa. Aí entra aquele discurso vitimista do presidente de que não está fazendo o que quer porque os outros não deixam. Ele diz: ‘Por que eu não consegui melhorar as condições dos policiais? Porque o STF não deixa, o Congresso não deixa. Se fosse por mim, estava podendo matar aí e ninguém seria preso’.
É uma questão ideológica mesmo, porque na prática o Bolsonaro, em três anos de governo, não fez praticamente nada para as polícias.
CC: Na hierarquia da PM, há diferentes tipos de apoio ao presidente?
AL: Tenho visto um apoio homogêneo. Praças, soldados e oficiais apoiando o Bolsonaro umbilicalmente. Claro que isso não significa que há 100% de adesão na corporação, mas os PMs são um retrato da sociedade, que tem os bolsonaristas mais radicais, um outro grupo conservador que concorda com várias ideias e os que são contra o presidente.
A diferença é que, na sociedade em geral, nós vemos esses bolsonaristas radicais como uma minoria absoluta, pois a maioria é contra o governo. Nas PMs isso não acontece, porque a minoria é quem é contra o Bolsonaro e o governo.
CC: Há um maior apoio ao presidente na Polícia Militar do que na Polícia Civil ou Federal?
AL: Sim, porque muitos desses policiais se sentiram traídos com a reforma da Previdência. Nessa questão, as polícias civis foram jogadas na vala comum e os únicos que não foram jogados na mesma vala foram os militares das Forças Armadas, que tiveram vantagens de aumento de salários, e os policiais militares, que se veem beneficiados quando olham outras categorias.
CC: A bolsonarização da PM tende a ficar mesmo que o Bolsonaro seja derrotado em 2022?
AL: Eu não vejo essa fase de conservadorismo das polícias desaparecendo tão cedo. Até porque depois da redemocratização nós não tivemos nenhuma restruturação delas.
CC: Como o senhor avalia a participação de policiais no 7 de Setembro?
AL: Quando se analisa a Constituição Federal, que diz que todos podem se manifestar, eu não consigo ver um militar sendo impedido de se manifestar a favor de uma mudança de política pública. O problema é que os atos convocados por Bolsonaro são claramente golpistas, contra a Constituição e contra as instituições democráticas. Portanto, um policial militar que jurou obedecer as autoridades civis querer participar desse tipo de manifestação tem que perder o direito de liberdade de expressão porque estará atentando contra o Estado de Direito. Vai estar cometendo crime militar com transgressões penais gravíssimas.
CC: Quais são os maiores riscos?
AL: O 7 de Setembro de 2021 será uma demonstração de força de alguém que é fraco e um grande laboratório para o 7 de Setembro do ano que vem. Se ele [Bolsonaro] perceber que vai perder as eleições e que pode ser preso, como disse na semana passada, ele vai entrar no modo desespero e tentar dar um golpe.
Eu acho que as policiais só participariam de um golpe caso as Forças Armadas apontassem para uma leniência, como ocorreu na Bolívia em 2019. O golpe que houve lá foi fomentado pelas polícias e as Forças Armadas deixaram acontecer. Isso me preocupa porque aqui a gente vê a leniência das Forças Armadas com o governo federal.
CC: E o que o senhor acha da reação dos governadores ao 7 de Setembro?
AL: Considero que eles demoraram muito para agir. Eles têm que chegar direto nos altos oficiais e falar sobre as consequências das participações nos atos. São os comandantes que devem fazer os alertas. E como eles podem fazer isso para uma tropa de 40, 50, 100 mil homens? Existem boletins públicos diários da Polícia Militar que eles podem usar falando dos crimes, das transgressões e das punições, além de dar entrevistas a jornais regionais alertando a tropa. Isso teria um efeito bom.
Eu já tenho visto, com as movimentações recentes, que nos últimos dois dias alguns policiais já começaram a colocar o pé no freio e ficaram um pouco assustados com possíveis represálias criminais e administrativas.
Tem que mostrar que as consequências são graves para que eles não façam. Se for esperar acontecer, para depois tomar as providências, teremos problema. Imagina 200 policiais militares prontos para a manifestação. Como o comandante vai impedir aquilo, com todo mundo armado? Vai mandar policial prender outro? Tem que agir preventivamente.
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