Entrevistas

Forças Armadas precisam parar de atender chamados golpistas da elite, diz Celso Amorim

Para o ex-ministro da Defesa, Lula não deve fazer aceno aos militares, pois eles foram ‘muito bem tratados’ nos governos petistas

Celso Amorim
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O ex-ministro da Defesa Celso Amorim, que ocupou o cargo durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016), diz não acreditar que, em caso de vitória de Lula nas eleições de 2022, as Forças Armadas reagirão com radicalismo.

Em entrevista a CartaCapital na quinta-feira 26, o ex-ministro afirmou que, embora haja ressentimentos com o PT devido à Comissão Nacional da Verdade, a relação do partido com as Forças sempre foi cordial.

Na conversa, Amorim disse ainda que Lula não deve fazer qualquer tipo de aceno aos militares. “O Lula sempre tratou com respeito as Forças Armadas e a Dilma também. As Forças Armadas nos governos petistas foram muito bem tratadas para o que elas são realmente destinadas, que é a defesa do País, e não contra inimigos imaginários internos”, apontou.

“Cito como exemplos o submarino de propulsão nuclear,  a renovação da aviação, principalmente a compra dos caças suecos, a vigilância das fronteiras e o aumento das forças na Amazônia. Nós criamos o Comando do Norte. Até na questão salarial eles foram tratados com dignidade, mesmo com as dificuldades que o País tinha”, acrescentou.

As declarações de Amorim foram dadas na mesma semana em que o ex-presidente Lula, em visita ao Nordeste, reforçou que  só conversará com as Forças Armadas se vencer as eleições, na condição de chefe supremo.

Leia a entrevista completa:

CartaCapital: Como o senhor avalia que as Forças Armadas reagirão em caso de vitória do Lula?

Celso Amorim: Eu acho que elas vão aceitar. O sentimento de grande parte das Forças Armadas, principalmente os que chegam ao Alto Comando, não é agressivo contra o Lula. Há uma série de circunstâncias e eu não tenho ingenuidade sobre isso. Sei que havia algumas resistências e a Comissão da Verdade, da qual eu participei ativamente, fez com que ressurgissem ressentimentos antigos, mas, ao contrário do que se pensa, o que a gente tem vivido hoje não foi algo iniciado pelos militares. Na verdade, eles embarcaram de maneira oportunista. Talvez até tenha tido, dentro desse oportunismo, um elemento ideológico. Mas estou confiante de que eles aceitarão uma vitória do Lula.

CC: Que tipo de oportunismo?

CA: Houve  uma mistura de coisas, uma ideia de que poderiam ter maior presença, além do chamamento da elite brasileira. Os que deram um golpe contra a Dilma e depois queriam prender o Lula praticamente convocaram as Forças para fazerem isso. Essa é a fraqueza da elite brasileira, porque toda vez que ela se sente descontente, ela apela para os militares. Aí, eles vêm e isso está errado. Eles deixaram de vir poucas vezes. O general [Henrique Teixeira] Lott se recusou a participar do golpe contra Juscelino [Kubitschek em 1955].

Em geral, quem chama é a elite econômica brasileira e os generais, seduzidos com a possibilidade de exercerem cargos, acabam vindo

CC: Para quebrar a resistência, o senhor acha que o Lula precisa fazer algum tipo de aceno?

CA: Não acho, pois o aceno é o histórico. O Lula sempre tratou com respeito as Forças Armadas e a Dilma também. A Comissão da Verdade era algo necessário e passou pelo Congresso, onde foi estabelecida uma votação amplíssima em que só dois deputados votaram contra, o Bolsonaro e a [Luiza] Erundina, que não aceitava a ideia de reafirmação da Lei da Anistia. Portanto, teve amplo apoio nacional.

As Forças Armadas nos governos petistas foram muito bem tratadas para o que elas são realmente destinadas, que é a defesa do País, e não contra inimigos imaginários internos, mas contra qualquer um que venha aqui disputar as nossas riquezas ou impor suas vontades pela força. Cito como exemplos o submarino de propulsão nuclear,  a renovação da aviação, principalmente a compra dos caças suecos, a vigilância das fronteiras e o aumento das forças na Amazônia. Nós criamos o Comando do Norte. Até na questão salarial eles foram tratados com dignidade, mesmo com as dificuldades que o País tinha.

Há alguns militares que têm a nostalgia da influência política e tem que acabar. Eu acredito que a mídia poderia ajudar se parasse de ficar perguntando aos militares se eles são a favor do voto impresso ou de qualquer outra coisa. Eles não têm que ser contra ou a favor. Individualmente, cada um terá a sua opinião naturalmente, mas como corporação não. A mesma coisa é perguntar o que os diplomatas acham. A diferença é que os militares têm as armas. Não é bom ficar incitando um grupo a se manifestar sobre um tema que não é da competência deles.

CC: No governo Bolsonaro são mais de 6 mil militares em cargos civis. Como o Lula deve lidar com isso?

CA: Eu não conversei com o Lula a respeito e não sei o que ele pretende fazer, mas acho que não tem cabimento esses acúmulos de cargos que tem havido. Eu fui ministro da Defesa, tive a minha aposentadoria de embaixador e, na realidade, o que eu recebia no Ministério era um valor de dois mil reais que estava condicionado ao teto. Eu ouso dizer que com os militares não está e isso é um absurdo, pois tudo deve estar sujeito ao teto, para começar.  Segundo que há funções [ocupadas] que não têm nada a ver, até aquelas que eles sempre foram tidos como competentes, com a logística, e não foram bem na Saúde.

Mas eu não pensaria nisso em termo de uma limpeza, tem que ir indo pontualmente, como aconteceu com o fim do governo militar. Eu fui presidente da Embrafilme, no governo [João] Figueiredo, e tinham muitos militares nos postos, mas eles foram saindo. Agora, tem que ir tirando normalmente. Quem for competente e estiver na reserva fica, pois não estar na ativa e, ao mesmo tempo, ocupar um cargo político.

CC: O senhor acha que em algum momento a democracia correu risco no governo Bolsonaro?

CA: Bolsonaro não tem nenhuma força institucional, mas ele anda sim com uma massa de adeptos e provocadores que ameaçam. Ameaça de uso de violência já é violência. É como a lei internacional: a ameaça do uso da força já é o  uso da força. E isso ele faz o tempo inteiro e está querendo fazer agora para o 7 de Setembro. Eu não tenho elementos para dizer qual é a profundidade do apoio dele nas policias militares, mas considero que as Forças Armadas, especialmente o Exército, não vão entrar em uma aventura.

O Bolsonaro vai continuar fazendo a sua agitação. O objetivo dele é chegar ao segundo turno na eleição de 2022 com essas ameaças constantes de golpe. É claro que nessas ameaças há os riscos. Vá que se cause um conflito e ele recorre à GLO [Garantia da Lei e da Ordem]. Diferente de um governante normal, que trabalha para apaziguar, o Bolsonaro trabalha para o caos sempre.

O plano dele é chegar ao segundo turno, ser a única opção contra o Lula e explorar tudo aquilo que o Lula representa: os índios, os negros, os pobres, os nordestinos. E tem muita gente que é contra isso. É uma massa de classe média e do empresariado.

A mídia e os políticos devem parar de tratar isso como uma crise institucional, dizendo que é preciso haver diálogo. Eu sou sempre a favor do diálogo, mas não é uma crise institucional. Não é um choque de Poderes. Tem um Poder que está consequentemente extravasando, provocando e ameaçando. É natural que os outros Poderes se defendam.

CC:  A que o senhor atribui o apoio das Forças Armadas ao presidente?

CA: Há uma mistura, pois há oficiais que apoiam e há aqueles que estão aproveitando tanto em cargos como em vantagens para o conjunto da corporação.

Enfrentar o presidente da República também não é uma coisa fácil. O [ex-comandate do Exército, general Edson] Pujol e o ex-ministro da Defesa [general Fernando Azevedo e Silva] enfrentaram. Uma resistência moral e ética foi quando o Bolsonaro, ainda no início da pandemia, estendeu a mão para o Pujol e ele deu o cotovelo. Aquilo foi um recado de que ali se cumpria a lei. Ele quis mostrar uma atitude.

A mesma atitude ele revelou quando Bolsonaro participava daqueles atos pedindo o AI-5 e intervenção militar. Ele sempre manteve um afastamento.

CC: Quando o senhor foi ministro da Defesa, havia reclamações e insatisfações com o PT ou a convivência foi harmoniosa?

CA: Eu senti um convívio muito positivo do Alto Comando, de muito boas relações com os comandantes. Eu me lembro da festa que foi feita na Aeronáutica quando a presidenta Dilma decidiu pela compra dos caças suecos. O esforço que também foi feito pela continuação do submarino nuclear. Os três chefes de comando [Aeronática, Exército e Marinha] compareceram junto comigo à sessão do Congresso Nacional que anulou a decisão do Auro de Moura Andrade declarando a vacância do cargo de presidente [em 1964]. Eu não sei o que cada um pensava pessoalmente, mas não vi uma reação.

A Comissão da Verdade despertava reações em alguns setores que foram sendo contornadas, com raríssimas exceções. Tanto que o próprio relatório da Comissão foi feito na presidência com a presença dos comandantes. Se bateram palma ou não, eu não sei, mas não houve nenhuma ameaça.

CC: Como o senhor acha que será daqui para frente?

CA: Acredito que haja hoje um impacto negativo na imagem das Forças Armadas. As pessoas do alto comando, que não são manipuladas e veem as coisas a longo prazo, estão percebendo. Tanto que o Bolsonaro parou de falar ‘meu Exército’. Agora, ele diz que o seu Exército é o povo.

O Brasil é um País muito influente no mundo e vai superar essa fase atual. Sou otimista e acredito que os militares vão acabar se adequando à essa função fundamental que não é contra um inimigo específico. Submarino nuclear não é para reprimir manifestação na Cinelândia, é para defender o País.

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