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Aposta na inteligência

Sem ciência e tecnologia, o Brasil não supera o desmonte, diz Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC

“Na educação, o Brasil erra no começo e no fim”, diz Ribeiro - Imagem: Zé Carlos Barretta/Folhapress
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No domingo 24 começa a mais emblemática reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Em meio ao negacionismo, à destruição das estruturas do Estado, ao desprezo pelo conhecimento e ao corte brutal de recursos para a pesquisa e tecnologia, o encontro da SBPC será, além da tradicional “celebração” do setor e seus protagonistas, um momento de reflexão sobre o papel dos cientistas na reconstrução do Brasil. Não por acaso, o 74° encontro dá-se sob o guarda-chuva “A independência científica e a soberania nacional”. “A pesquisa é um dos fatores principais para aumentar a produção, o PIB” e melhorar a vida dos cidadãos, defende Renato Janine Ribeiro, presidente da entidade, nesta entrevista ao repórter ­Maurício Thuswohl. A íntegra está no canal do YouTube de CartaCapital – assista no fim do texto.

Reunião
É a festa da ciência. A SBPC tem 3 milhões de filiados e mais de 170 sociedades científicas associadas. É a maior sociedade científica do Brasil, formada por amigos da ciência. São muitos estudantes, empresários, gente da cultura. A SBPC tem sido ao longo do tempo decisiva em questões essenciais, entre elas a construção da Constituição de 1988, nos artigos referentes à ciência, e na Emenda Constitucional 85. Foram obras de mobilização da entidade. Com seus principais protagonistas, a sociedade também faz parte de momentos importantes da história nacional, como o fim da ditadura.

O tema deste ano da reunião é “A independência científica e a soberania nacional”. Antes de mais nada, pensamos nos 200 anos do Grito do Ipiranga. Mas não só. Desafiamos todas as áreas da ciência a dizer em que medida elas são decisivas para a soberania do País. Esta é uma das questões que vamos discutir a partir do corte de verbas. O governo chegou a uma dimensão inédita em nossa história, realmente nunca antes vista em nosso Brasil, onde o corte de verbas é extremamente contraproducente. A pesquisa científica é um dos fatores principais para aumentar a produção, o PIB, é um fator essencial para sabermos quais são as políticas de inclusão social adequadas e quais dão errado, entre outros pontos.

Educação: básica e superior
O trabalho do pesquisador, do doutorando, é absurdamente essencial, porque temos de pensar e o nosso futuro não vai existir se o Brasil não existir na inteligência. Só uma coisa: ao contrário da Argentina e da Índia, dois países com os quais tendemos a nos comparar, o Brasil tem historicamente pouca evasão de cérebros. O brasileiro é tinhoso, doutor brasileiro faz o possível para ficar aqui, só vai embora se realmente o desestímulo for muito grande. Mas esse desestímulo tem sido proposital e não faz nenhum sentido.

Quanto à educação básica, ela é um direito humano absolutamente essencial. O Brasil demorou muito para ter uma Educação Básica, mas a universalização deu-se na virada do século, mais ou menos no governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 2009, uma Emenda Constitucional ampliou a escolaridade obrigatória, porque, em 1946, foi fixada no quarto ano, dos 7 aos 10 anos de idade. Em 2009, foi elevado para 14 anos. Foi um salto notável. Ainda hoje não conseguimos, porém, ter escola para todos os anos. Onde o Brasil falha? Ele falha no começo e no fim.

“Não podemos perder a esperança de que o País será capaz de realizar as suas potencialidades”

Universidades
Políticas econômicas erradas levaram o Brasil a ter um atraso na produção e uma falta de senso de prioridades, que acaba por levar não só a UFRJ mas a maior parte das 69 universidades federais a viverem com muita dificuldade financeira. Falta dinheiro para manutenção do pessoal, laboratórios e pesquisadores e na sala de aula, com os alunos. Para construir uma UFRJ houve muito esforço, muita gente suou, foi muito dinheiro colocado, foi muito investimento monetário e não monetário, e de repente tudo isso se torna incerto porque não tem recursos para pagar a conta de luz? Não vai mais poder pagar, vai ter de fechar por uma questão de higiene da instituição. Enquanto isso, o que vai acontecer? Nos meses fechados, como fica a manutenção dos equipamentos? E com o material dos laboratórios, seres vivos? Vai começar tudo de novo? Lutamos para não acontecer. Uma das responsabilidades da SBPC, que agora tenho a honra de presidir, é justamente não deixar a comunidade brasileira perder a esperança de que o Brasil possa realmente realizar suas potencialidades. Ou seja, desenvolver a pesquisa, melhorar a educação, fazer com que toda essa criatividade cultural seja colocada a serviço de todos e tudo o mais que a produção brasileira é capaz de melhorar. Que se reduza a pobreza, se acabe com a miséria etc. Faz parte da nossa obrigação.

Propostas
Temos de revogar a emenda de Teto de Gastos e fortalecer a educação pública, desde a básica, que tem de ser universal e de qualidade, até o ensino superior, que precisa ser qualificado e também expandido. O número de estudantes nas universidades brasileiras subiu de 3 milhões para 8 milhões entre 2013 e 2015, mas ainda precisamos viabilizar a entrada de mais jovens no ensino superior. Queremos ainda fortalecer o SUS, a saúde universal e pública. Entendemos que o meio ambiente deve ser respeitado e estudado. Isso inclui, por sinal, permitir aos povos indígenas receber por aquilo que é devido pelos cuidados com a região onde vivem. Teremos provavelmente de negociar firmemente para que haja um pagamento internacional pela proteção de nossos bens naturais, principalmente para os povos, geralmente muito pobres, que mantêm a floresta e, com isso, captam carbono, sequestram carbono e evitam a poluição. O Brasil precisa realmente utilizar suas potencialidades, a inteligência que tem na ciência, na educação, na cultura, na saúde, no meio ambiente. Tudo isso precisa se somar e multiplicar. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1218 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Aposta na inteligência”

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