Educação

“Weintraub está chamando de demagogo o próprio presidente Bolsonaro”

Deputada Professora Dorinha critica o anúncio do ministro de começar do zero a tramitação do Fundeb

Professora Dorinha, relatora do Fundeb na Câmara dos Deputados.
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O ministro da Educação Abraham Weintraub anunciou esta semana que o governo quer começar do zero a tramitação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Faz parte da estratégia apresentar uma nova PEC aumentando a complementação da União ao fundo de 10% para 15%. Cálculo feito com “muita responsabilidade”, segundo Weintraub. Também está nos planos do ministro a constituição de uma nova comissão especial para avaliar o tema.

O anúncio colide com a avançada tramitação do tema no Congresso Nacional e com as propostas apresentadas pela Câmara e Senado que preveem maior participação orçamentária da União ao fundo que financia a Educação Básica. Desconsiderando o processo, Weintraub se limitou a dizer que “não faltou [do governo] a tentativa de tentar criar critérios técnicos e objetivos para a proposta do Fundeb”, mas que “infelizmente prevaleceu a demagogia”. “A proposta que está no Congresso aumenta quatro vezes o volume. E aí quem vai pagar por tudo isso? Eu, você, com mais impostos, crise fiscal, recessão e inflação. Chega! Você concorda comigo?”, questionou.

A relatora do Fundeb na Câmara, a deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) não concorda e entende que a postura do ministro é “irresponsável”. Segundo a parlamentar, o governo despreza as mais de 50 audiências públicas feitas sobre o tema e coloca em risco a renovação do Fundo que, por lei, tem validade até 31 de dezembro deste ano. “É uma questão política e também de gestão, porque estamos falando da educação básica de mais de 48 milhões de alunos.” Dorinha afirma que caminhar para um novo Fundeb é fundamental para corrigir distorções na educação, além de garantir que escolas continuem funcionando e professores recebam seus salários.

CartaCapital: Como a senhora recebe o anúncio feito pelo ministro Abraham Weintraub de que o governo vai encaminhar uma nova PEC para tramitar o Fundeb?
Professora Dorinha:
Recebo com estranheza porque o tema é urgente, está em tramitação na Câmara já há algum tempo, esteve também em tramitação em outra gestão e legislatura, mas nesse último ano fizemos um ritmo muito acelerado de debate, com mais de 50 audiências públicas, com entidades das mais variadas que lidam com o tema da educação, além de pesquisadores, representações de professores, prefeitos, governadores, secretários. O próprio governo foi chamado e esteve presente com diferentes ministérios como o de Planejamento, Economia e Educação. A última reunião aconteceu no início de novembro com o MEC e ficou acertado que assim que eu tivesse o texto substitutivo, antes de apresentá-lo publicamente, faria apresentação ao ministério. Então, como o ministro pode dizer que não concorda com o texto, se ele nem tomou conhecimento dele? O relatório deve ser apresentado em fevereiro, com o texto, então ele não tem conhecimento, assim como ninguém tem. Por fim, eu não entendi e nem sei do que ele está falando. Eu tenho em meu planejamento o dever de cumprir o que acordamos nessa última reunião.

CC: Na Câmara e Senado tramitavam diferentes propostas acerca da complementação da União ao Fundeb. Fale um pouco sobre elas e sobre o caminho de proposição que se alinhava.
PD: A proposta da Câmara (PEC 15-A/2015) trabalha com percentual de complementação da União de 15%, inicialmente, chegando a 30% em 11 anos. No senado, há a PEC 33/2019, de autoria do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), que prevê complementação da ordem de 30% a partir do terceiro ano; e a PEC 65/19, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-Ap), juntamente com o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado e do Congresso Nacional, que prevê complementação da União de 20 a 40%.

Procuramos juntas Câmara e Senado, eu como relatora na Câmara, trabalhei em conjunto o senador Flavio Arns, que é o relator no Senado, para construir um único texto e ganhar tempo na tramitação. O último texto produzido em conjunto trabalha com um percentual de 15% até 40%, gradativo em 11 anos. Foi uma construção que incorporou alguns dos principais pontos da PEC 65. Aí passamos pelas audiências públicas, eu me reuni com a mesa diretora da comissão especial, ouvimos diferentes atores, estamos finalizando a questão dos percentuais, mas o texto está praticamente fechado.

CC: O que ainda há para alinhar em relação aos percentuais de complementação? O que está em jogo?
PD:
A complementação financeira é uma questão política e também de gestão, porque estamos falando da educação básica de mais de 48 milhões de alunos. É um financiamento importante, ele virá para o texto da Constituição de maneira permanente, hoje ele aparece nas disposições transitórias. Ele é muito importante para manter escolas funcionando, pagamento de professores. O Fundeb é responsável por 63% do financiamento da educação. E ele não é um fundo da União, 90% do Fundeb é mantido por Estados e municípios, com as suas arrecadações. A União coloca 10% desse fundo. Em 2019, numa estimativa de 159 bilhões, a União reverteu 14, ou seja, ela não é dona do fundo. Isso se dá dentro de um desenho de pacto federativo, mas a verdade é que a União complementa muito pouco.

CC: Como avalia a proposta do governo de aumentar a complementação da União para 15%?
PD:
Não significa quase nada. Veja, 10% a gente já tem e no formato de hoje ele está distribuído para nove Estados – sete do Nordeste e dois da região Norte. A proposta é que esses 5% a mais sejam alcançados em 11 anos. Quais Estados e municípios eu vou conseguir atender com 5% a mais nesse tempo? Isso vai dar o que 0,5% a cada ano? Temos condição de usar outros recursos orçamentários para complementação, como o do petróleo, que está carimbado para a educação. Há vários estudos que mostram que o nosso gasto aluno por ano é baixo para garantir um mínimo a esses estudantes, que é diferente da educação ideal ainda. O per capita do Fundeb hoje é de 3800 mil por ano. Imagine um município com esse valor, por ano, para pagar tudo? A média dos países da OCDE é de quase dez mil dólares.

CC: O ministro da Educação afirmou que demagogos tensionaram o aumento do repasse da União ao Fundo e questionou de onde sairia a verba. Como a senhora vê essa afirmação?
PD:
É irresponsável. Ele está chamando de demagogo o próprio presidente Bolsonaro que, em um vídeo, apoiou a PEC 33 do senador Kajuru? Ou o presidente Davi, que apresentou uma PEC e teve apoio dos governadores? É isso? Eu não sei quem ele está chamando de demagogo. É um debate legítimo e que, em qualquer situação, é viável e possível que pessoas e instituições apresentem suas propostas.

CC: Weintraub também afirmou que vai criar uma nova comissão para a tramitação da proposta do governo…
PD: Mas ele não cria nada. Quem cria a comissão? Não é o presidente da Casa? Ele não pode falar pelo Rodrigo Maia [presidente da Câmara] e nem pelo Davi Alcolumbre [presidente dio Senado] que inclusive é autor de uma PEC sobre o Fundeb. Ele não pode dizer isso. E suponhamos que ele pudesse fazer isso, a representação na comissão é partidária, os mesmos partidos terão participação.

 

CC: Essa estratégia pode colocar em risco a tramitação do Fundeb, que vence este ano?
PD:
Coloca em risco sim, porque nossos prazos são curtos para votar uma PEC em duas casas e ainda ter a lei de regulamentação. A gente não tem até dezembro, só quem imagina isso é quem não conhece o desenho que vai ter que ser formatado. Por isso, em vez de ficar falando em novo texto, a estratégia é debater o texto que eu ainda nem apresentei.

CC: O novo Fundeb traria avanços em relação ao de hoje?
PD:
Estamos trabalhando alguns pontos. Primeiro, queremos que o novo Fundeb corrija algumas distorções do atual, sendo mais redistributivo. No atual, a complementação da União chega a sete estados do Nordeste e dois da região Norte. Nesses estados, tem municípios que não precisariam receber complementação e que recebem porque estão inseridos nessas unidades federativas. O novo desenho não trabalha mais com a unidade federada Estado, mas com municípios. Isso vai permitir que Estados que nunca receberam complementação, mas que têm municípios pobres, possam ter apoio nesse sentido. A proposta é que a complementação da União suba gradativamente com base em propostas como a da Reforma da Previdência, que anunciou mais recursos para a saúde e educação, a proposta de usar recursos de vários fundos, como a receita do petróleo e do gás que é carimbada para a educação. Só o ano passado foram 11 bilhões e a partir do próximo ano o crescimento será muito significativo, ou seja, dinheiro novo que pode ser utilizado nessa complementação. Queremos também um maior monitoramento. Hoje, o Fundeb é acompanhado pelos tribunais, mas queremos mais do que isso. Saber quanto dinheiro estamos colocando, como ele está sendo usado e quais resultados estão sendo produzidos. Queremos mais dinheiro, mas também melhores resultados na educação.

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