Educação

Sem bolsas, restaurantes e obras: os impactos dos bloqueios do MEC

A maior universidade do País, a UFRJ, só consegue se manter até o final de junho. A UFSB, a menor do Brasil, até setembro

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3% de um valor parece pouco. Mas não é o caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ, que recebe 3% do orçamento geral do Ministério da Educação – esses 3% representam a maior quantidade de recursos que uma instituição federal recebe no país. Isto porque apenas 4% dos investimentos totais do MEC são destinados a todos os outros 102 institutos e universidades federais do País.

Essa discrepância orçamentária deixa universidades como a Universidade Federal do Sul da Bahia, que é a instituição de ensino federal com o menor investimento, recebendo apenas 8% do orçamento discricionário da UFRJ. A diferença tem explicação: a UFSB, criada em 2011, tem 4 mil alunos de graduação e pós-graduação. Já a UFRJ, fundada em 1920, conta com mais de 52 mil alunos só na graduação. Seus pós-graduandos chegam a mais de 15 mil.

Apesar dos muitos números que dividem a realidade das duas universidades, ambas têm sofrido uma dor comum: os impactos do contingenciamento de 30% dos seus gastos discricionários, anunciado pelo Ministério da Educação no final de abril e que afetam o funcionamento diário das universidades.

O que é o orçamento discricionário?

O Orçamento Geral da União é composto por 3 tipos de gastos: os obrigatórios, os vinculados e os discricionários. Este último refere-se a todas as despesas que não são obrigatórias por lei, mas necessárias para que cada instituição de ensino possa se manter em funcionamento. Usualmente, engloba serviços de água, energia, pagamento de servidores terceirizados, bolsas especiais, serviços de limpeza, frotas de ônibus e restaurantes universitários.

A proposta de contingenciamento de gastos da pasta de Abraham Weintraub, portanto, ameaça a manutenção desses serviços. O contingenciamento de 30% nesse tipo de gasto é referente ao orçamento total discricionário do MEC, afetando cada instituto federal de forma própria, a partir do orçamento que cada universidade dispõe.

Na UFRJ, 114 milhões de reais foram bloqueados, representando 41% dos créditos da universidade para o seu funcionamento. Na UFSB, o índice foi maior, de 54% do total discricionário, representando 17 milhões de reais.

Uma das preocupações dos estudantes é que os institutos federais já estavam sofrendo cortes em seus bloqueios nos últimos anos. A PEC do Teto dos Gastos, aprovada em 2016 no governo Temer, congelou durante 20 anos o orçamento destinado a saúde e educação.

Os impactos na maior do Brasil, a UFRJ

Os cortes nos últimos anos já afetavam dispositivos essenciais para o funcionamento da universidade, como os ônibus de transporte interno dos campi e os ônibus que circulam entre os campi da UFRJ, que dispõe de espaços no Fundão, na Praia Vermelha e no Centro da cidade do Rio de Janeiro. “O intervalo entre os ônibus aumentou e isso prejudicou o dia a dia dos estudantes”, diz Maria Clara Delmonte, estudante de Gestão Pública da universidade.

Antes mesmo do contingenciamento de Weintraub, a UFRJ sofreu um bloqueio especial. Foram 16 milhões de reis da universidade bloqueados desde janeiro, explica Roberto Gambione, pró-reitor de Finanças da UFRJ.

Ele ainda explica que das verbas de custeio foram afetados 11 milhões de reais. Das verbas para investimento em obras e infraestrutura, 5 milhões de reais.

Maria Clara relembra ainda que os investimentos em obras também são de grande preocupação dos estudantes, já que estão paradas há algum tempo. “Elas correm o risco de necessitar de investimentos maiores devido a sua paralisação, o que prejudica ainda mais a faculdade”, explica Gambione.

Para o pró-reitor, é necessário o entendimento de que o caso não se trata de um contingenciamento, mas sim de um bloqueio orçamentário, já que no caso da UFRJ, o MEC criou uma conta financeira específica para que a universidade possa se autoadministrar. Nela, há o suficiente para apenas 2 meses.

Com os bloqueios, os gastos de maior risco da universidade hoje são o pagamento de serviços e servidores terceirizados, equipes de limpeza, energia, água, funcionamento dos ônibus e dos restaurantes universitários. O pró-reitor admite que a universidade tem levado até 2 meses para os pagamentos de cada um desses setores.

Maria Clara teme ainda as consequências caso os servidores fiquem sem seus pagamentos, já que muitos são de origem humilde. “São muitas mulheres, negras e mães. Seria catastrófico”, lamenta.

Para salvar o orçamento, Gambione espera que o MEC libere uma cota de limite de empenho (valor reservado pelo Estado para o pagamento de um serviço) em junho. Sem ela, a universidade não consegue funcionar no segundo semestre de 2019.

Os estudantes da UFRJ se uniram para ir às ruas no 30 de Maio. Um dia antes, uma assembleia de estudantes, servidores e professores decretou paralisação total da universidade para o dia de mobilizações.

No dia 22 de maio, Weintraub decidiu “retornar” às universidades 1,5 bilhão de reais dos 5,4 bilhões que tinha contingenciado no final de Abril. A UFRJ e a UFSB declararam à reportagem não terem tido nenhum desbloqueio.

UFSB, a caçula das federais

Na universidade que foi criada com o objetivo de atender os jovens do Sul e extremo-Sul da Bahia, os 54% bloqueados para gastos discricionários resultaram no bloqueio de 5 milhões de reais para os custos da universidade e 11 milhões para os seus investimentos.

Assim como na UFRJ, o primordial é manter o pagamento de servidores e os itens básicos de funcionamento da instituição, como água e energia. Para isso, a UFSB teve de reduzir 30% dos seus recursos para pesquisa e extensão, que afetam os estudantes da universidade que se mantém a partir de bolsas de iniciação científica.

Lia Valente, do Diretório Central de Estudantes da universidade, expõe a importância dos projetos de extensão, que cumprem uma função social na comunidade: “as pesquisas nas áreas de ciências ambientais, humanidades e artes atendem o território e impactam a população mais carente que é beneficiada a partir dessas atividades”.

Muitos dos estudantes da universidade vêm de famílias carentes e os impactos nos recursos afetam diretamente a permanência desse grupo na instituição. Isso porque desde sua fundação a instituição não possui um sistema de ônibus especial ou restaurantes universitários, como a UFRJ. Os dois recursos ocupariam a maior parte dos gastos, se existentes.

Mais grave ainda é a possibilidade de paralisação de obras da universidade. Isto porque ela não é dona do seu próprio espaço. Os 3 campi que a UFSB possui – nas cidades de Itabuna, Porto Seguro e Teixeira de Freitas – funcionam em espaços provisórios.

Em Itabuna, as unidades acadêmicas funcionam em antigos galpões de armazenamento de sacos de cacau. Em Porto Seguro, elas se encontram em um espaço cedido pelo governo da Bahia que anteriormente funcionava como centro de convenções. E em Teixeira de Freitas, uma escola municipal cedeu seu espaço para a universidade.

A falta de verba para esses investimentos interrompe a construção de quatro obras que a universidade realizava: um núcleo pedagógico no campus de cada cidade e uma obra de infraestrutura no campus de Itabuna. A criação destes núcleos faria com que a universidade triplicasse seu número de estudantes.

Francisco Mesquita, pró-reitor de Planejamento e Administração da universidade, alerta que os sucessivos cortes que a universidade enfrenta aumentam o risco de paralisação do seu funcionamento. Sua data de validade é de 3 meses a mais que na UFRJ: setembro.

“Todo o planejamento foi feito pensando em um custo bastante enxuto e o máximo sustentável possível”, relembra Lia, “o que torna os cortes insustentáveis às atividades da instituição”.

O secretário executivo da Andifes, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, Gustavo Balduino, esclarece que a entidade tem prestado auxílio a instituições que passam por problemas como a UFSB e a UFRJ.

Em nota, a Andifes explica ter mapeado e dimensionado o tamanho do bloqueio em cada universidade para dialogar com o MEC. A entidade defende que a única saída para o problema é a interlocução com vários setores sociais, e por isso, diz estar em contato com parlamentares e atendendo às demandas do Ministério Público e do Judiciário.

“Mostramos como isso irá interferir nas atividades-meio e atividades-fim das universidades, caso não haja solução para os bloqueios”, explica Balduino. Por enquanto, só há de mobilizar e esperar.

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