Educação

Qual a eficiência das medidas de segurança prometidas para o Enem?

Menos da metade do orçamento reservado para protocolos sanitários foi de fato investido. Epidemiologistas analisam o contexto

Foto: Arquivo
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“Precisamos lembrar que o Enem não se inicia dentro da sala de prova. Os estudantes se deslocam, se aglomeram nos ônibus, nos pontos, na entrada das instituições… Tudo isso favorece o contágio”. O alerta é de Marcio Natividade, professor e epidemiologista do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. Organizações estudantis e a comunidade científica também temem uma explosão nos casos da Covid, e pediram à Justiça que o exame fosse adiado pela segunda vez.

O ‘cabo de guerra político-jurídico’ mobilizou também a Defensoria e o Ministério Público. Na Câmara, há mais de 20 propostas referentes ao adiamento desta edição.

 

De um lado, o Inep (que organiza o exame), diz que a alteração no calendário oferece “risco para políticas públicas” que dependem da prova: a entrada de estudantes no ensino superior e continuidade de programas como o Sisu, o ProUni e o Fies.

Por outro lado, o risco de contágio e a fragilidade das medidas de segurança colocam em risco mais de 5,7 milhões de estudantes inscritos. Em janeiro, conforme dados do do Imperial College, a taxa de transmissão do coronavírus foi de 1,21. É alta. Cem pessoas infectadas contaminam 121; 121 contaminam 242 e assim em diante.

O Exame terá álcool em gel, reedição em fevereiro para casos emergenciais e salas reservadas para grupos de risco

Uma saída, aponta a ex-presidente do Inep Maria Inês Fini, é definir o adiamento em conjunto com o atraso do ano letivo das universidades é do Ministério da Educação. Dessa forma, os jovens ingressantes nas universidades não seriam prejudicados. 

Essa responsabilidade, destaca ela, é do Ministério da Educação. Mas, o MEC, assim como o Inep, defende a realização do exame sob alguns protocolos de sanitária. Essas medidas tornam o Enem 2020 o mais caro os últimos seis anos. O custo total de R$ 679.615.105,00, segundo dados do Portal da Transparência

Quem sai ganhando com a aplicação do Enem?

A pandemia aumentou o abismo na educação. É o que aponta este estudo da Fundação Getúlio Vargas, publicado em outubro do ano passado. A pesquisa mostra que estudantes de 16 e 17 anos mais ricos, das classes A e B passam cerca de 3 horas e 20 min assistindo aulas à distância ou realizando atividades escolares. Na classe C, o tempo de estudo cai para 2 horas e 21 min.

Vários fatores explicam essa diferença. Entre eles, a oferta das atividades escolares – que em muitas regiões precisam ser feitas de forma física –, o acesso à internet e até mesmo a qualidade dos planos estaduais de ensino remoto . 

Informações divulgadas pelas secretarias estaduais de Educação mostram a desvantagem na aplicação das aulas virtuais. Distrito Federal, Tocantins e Rio Grande do Sul, por exemplo ficaram três meses sem aula, retornaram em junho. 

O Acre mostra um cenário mais preocupante: cerca de 38 mil alunos da rede ficaram 6 meses com aulas suspensas. O plano de aulas à distância só foi divulgado em setembro.

Entre uso de vídeo-aula, WhatsApp, e-mail, YouTube e aplicativos locais, escolas professores e alunos tentaram manter alguma forma o ensino. Em muitos casos, contudo, sem uma maneira uniforme de transmitir o conhecimento. As escolas estaduais da Bahia, por exemplo, passaram meses sem um ‘roteiro de estudo online’. 

Apesar dos empecilhos estruturais, a pesquisa da FGV mostra que os estados que menos alunos tiveram acesso às tarefas disponibilizadas pelas escolas foram os que mais realizaram as atividades. O Piauí, por exemplo, foi o que menos recebeu tarefas, mas teve a menor taxa de não-realização dos exercícios.

O perfil médio do participante do Enem 2020, é o mesmo dos mais prejudicados pela falta de políticas públicas: mulher negra, de 21 a 30 anos, da região Nordeste ou Sudeste, que tentou antes o Enem. São 3,4 milhões de mulheres. Entre o total de inscritos confirmados, 3 milhões são negros (pretos e pardos) e o mesmo número de participantes concluíram o Ensino Médio. 

“Esse Enem favorece principalmente aqueles estudantes das escolas privadas onde de alguma forma se deu continuidade ao ensino, diferente das escolas públicas do nosso país. Acredito que o número de abstinência [faltas] esse ano será muito alta”, pontua o professor e epidemiologista Marcio Natividade. E complementa, “os estudantes não se sentem seguros nos que dizem respeito ao conteúdo e não se sentem seguros nos que dizem respeito aos protocolos de segurança”. 

Para onde foi o dinheiro?

O investimento inicial do Enem 2020 era de 544 milhões de reais. Subiu para 679 milhões. Os 134 milhões extras devem cobrir gastos com medidas sanitárias e aumento do número de inscritos. Apesar disso, a verba dispendida oficialmente com as medidas de biossegurança foi de 64 milhões de reais. O que significa que apenas 47% do valor extra do orçamento, foi mesmo gasto em segurança sanitária. 

Os dados obtidos pela reportagem via Lei de Acesso à Informação mostram ainda que 3 milhões de reais serão usados para compra de álcool em gel. E 23,3 milhões empenhados para as despesas das 210 mil salas alugadas. 

Aproximadamente 600 mil pessoas foram contratadas para atuar no Enem 2020, entre elas: coordenadores estaduais, municipais, coordenadores de local, assistentes de aplicação, chefes de sala, aplicadores, agentes de segurança pública, agentes dos Correios e servidores públicos. 

Outras medidas de proteção garantem o distanciamento e menos participantes por sala. A novidade é a separação dos participantes de grupo de risco para salas ainda menores, com ocupação de até 12 pessoas. Segundo o Inep, esses apenas 2.848 pessoas dos 5,7 milhões de inscritos. Além da divisão por risco de contágio, idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, lactantes, bem como os participantes que fazem o Enem Libras, terão outra sala específica e neste caso são seis pessoas por sala. A expectativa é de 20 mil atendimentos nesse contexto. 

Preocupações dos estudantes

Com a hashtag #AdiaEnem os estudantes levantaram outras preocupações que também podem atrapalhar o desempenho no Exame. As condições climáticas são uma delas. Entre as publicações mencionadas do PNE sem respaldo do edital do Enem, outra que causou alarde foi a não utilização de ventiladores e ar-condicionado no dia da prova

No período de verão, as temperaturas no País ficam mais altas, especialmente a partir das 12h, quando o sol atinge seu ponto mais alto. O estado de Cuiabá em Mato Grosso, por exemplo, registrou na semana passada máxima de 38°, a sensação térmica chegou a 40°.

Apesar disso, os ventiladores potencializam o contágio, explica Natividade. “Eu estou sentado em uma cadeira, você está atrás de mim e de repente eu espirro e o ventilador está na minha direção para sua. Essas gotículas de saliva vão todas pra você, eu espirrei pra frente mas com o ventilador essas gotículas vão para trás”. 

Outra perspectiva é o manuseio da máscara por conta do calor e a falta de concentração que os participantes podem ter. “Você vai transpirar, vai ter dificuldade de respirar e ter necessidade de manusear a máscara mais vezes”, o que se torna mais um fator para possível contaminação, pontua o epidemiologista. 

Seis dias de Enem

Os protocolos sanitários servem para os seis dias de aplicação da prova:

  • Dois dias do Enem Impresso (17 e 24 de janeiro)
  • O Enem Digital, que também tem local de prova físico, nos dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro.
  • A reaplicação do Enem, marcada para 23 e 24 de fevereiro. Essa é a prova PPL, originalmente para as pessoas privadas de liberdade, mas também vai ser aplicada para quem tiver problemas na realização do Enem impresso e/ou digital.

A reaplicação poderá ser solicitada cinco dias depois da última prova. Para quem fizer o Enem Impresso, o último dia para fazer o pedido é 29/01 e para quem fizer o digital, o último dia é 12 de fevereiro.

Para participar da reaplicação, o Inep estabelece alguns critérios, como doenças infectocontagiosas e problemas logísticos que prejudiquem o aluno.

Apesar de o Enem garantir o acesso dos estudantes que tiverem empecilhos e problemas de saúde, a sua realização também segue o cenário de incerteza. De acordo com o pedido de Lei de Acesso à Informação respondido pelo Inep as provas só serão impressas após a confirmação da quantidade de estudantes que podem fazer novamente o Exame. A medida parece cabível, no entanto, isso dá um prazo de apenas 12 dias para o Inep distribuir as provas pelo País até a data de realização do Exame. Essa ação geralmente é feita um mês antes. Este ano, por exemplo, foram feitas em 21 de dezembro, 26 dias antes do Exame.

O que causa eliminação?

O Inep não confirma se será verificada a temperatura dos participantes na entrada para as salas. A providência, apesar de confirmada pelo Portal Nacional de Educação não consta no edital de aplicação do exame. A determinação mais destacada é o uso correto das máscaras que precisam cobrir nariz e boca. 

Para Marcelo Burattini, professor e epidemiologista da Universidade Federal de São Paulo, não há como ter medidas totalmente seguras e “o contato direto é a única forma de transmissão da Covid, o restante não tem importância epidemiológica”. O que significa que “vírus em superfícies ou regiões contaminadas não representam risco significativo de infecção”.

“Não são esses ambientes super controlados que levam ao super espalhamento do Covid-19. Segurança absoluta não existe, mas o risco é muito pequeno. O Enem é um risco muito menor que aglomerações em festas, em transportes coletivos, esses sim são os problemas”, pontua. 

Em contrapartida, os governos estaduais ainda não falam em aumento da frota de ônibus para evitar aglomerações e atrasos para o exame. A dependência do transporte público é escancarada em todo País. Em São Paulo, por exemplo, cerca de 45,5% das famílias não possuem automóvel

“É um efeito cascata, são várias possibilidades, aglomeração apenas potencializa a probabilidade de contaminação e adoecimento”, pondera o epidemiologista Márcio Natividade. Ele também relembra que apesar do uso de máscara, “as vias aéreas não são o único meio de infecção”, com as mãos infectadas com o vírus, na barra de ferro do ônibus, no toque das mãos com outras pessoas e posteriormente levada aos olhos, o contágio é estabelecido. Além disso, a subnotificação de casos e portadores assintomáticos do vírus é uma realidade. 

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