Educação

‘Não existe uma agenda inovadora para o País que atraia a juventude’

Ex-secretário de Juventude no governo Dilma, Gabriel Medina analisa as principais demandas dos jovens e os desafios que se projetam para a esquerda

(Foto: Arquivo pessoal)
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A menos de um mês para o fim do período para tirar ou regularizar o título de eleitor, o Tribunal Superior Eleitoral lançou a campanha #ate4demaio para incentivar os jovens a votarem nas eleições de outubro. Trata-se de mais uma etapa de um processo de mobilização que começou ainda durante o mês de março, e contou com a participação de movimentos estudantis e de artistas e celebridades, como Anitta, Caetano Veloso, Zeca Pagodinho e Felipe Neto.

Os resultados vieram. Mais de 1 milhão de jovens entre 16 e 17 anos estão aptos a votar. O TSE identificou um aumento de 45,63% na emissão dos títulos de eleitores entre jovens de 15 a 17 anos no mês de março. As emissões chegaram a 290.783, ante 199.667 em fevereiro. O tribunal destacou ainda o aumento da procura entre os jovens de 15 anos: em março, foram emitidos 23.185 novos títulos para esses adolescentes, contra 12.297 documentos feitos em fevereiro, um incremento de 88,5%.

Na faixa etária dos 15 aos 17 anos o voto é facultativo. Os jovens de 15 anos têm direito ao voto se completarem 16 o dia do primeiro turno da eleição, 2 de outubro.

Ainda assim, os números ainda não permitem ao País interromper a queda na participação eleitores jovens de 16 a 17 anos, que se mantem há pelo menos uma década. Em 2010, o contingente de jovens desta faixa etária apto a votar era de cerca de 2,2 milhões; em 2018, o montante já havia reduzido para 1,4 milhão, e caiu ainda mais este ano.

Créditos: Wanezza Soares

O ex-secretário Nacional de Juventude do governo Dilma Rousseff, Gabriel Medina, reconhece como positiva a mobilização em torno dos votos. ‘É necessário tirar Bolsonaro‘, crava. Mas não deixa de notar, entretanto, que a recusa dos jovens às urnas sugere certa ‘desesperança’ com a vida política, que projeta desafios ao campo progressista que vão além das eleições em si .

“As respostas que temos dado às crises são muito semelhantes: o desenvolvimentismo, salvar a Petrobras, a queima de combustíveis fósseis. Não existe uma agenda inovadora para o País que atraia a juventude”, aponta ele que reconhece uma ‘esperança’ nascente na figura de Lula e a retomada de legitimidade política pelo PT. “Precisamos disputar com o shopping, a igreja e o bar. Mas só conseguiremos isso via uma agenda pública que reconstrua a possibilidade do jovem experimentar a cidade.”

Confira os destaques da entrevista.

CartaCapital: Como você avalia a importância das campanhas para que os jovens votem, mesmo fora da faixa de obrigatoriedade?

Gabriel Medina: O direito ao voto é uma conquista dos jovens, de uma juventude que se organizou para, naquele processo de redemocratização do País, dizer que, embora abaixo da maioridade tinham desejo e condições de participar da vida política. Os 16, 17 anos marcam a fase do Ensino Médio, o começo de uma formação de identidade, de opiniões, valores. É um momento essencial para contribuir com a democracia brasileira e os rumos do País.

Esse direito ao voto garantido na Constituição também trouxe avanços do ponto de vista de compreensão de uma juventude mais autônoma. Porque, apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente ser uma peça importante, ainda tem um caráter mais ligado à tutela, à proteção, e não tanto a uma ideia de autonomia, como o Estatuto da Juventude, aprovado só em 2013. Então, há um processo de reconhecimento do jovem como capaz de participar da sociedade com opiniões próprias e de interferir na democracia brasileira.

Além disso, vejo esse voto como uma oportunidade aos jovens de renovarem o processo político, elegerem representantes com ideias que dialoguem com as suas demandas, mais jovens, pessoas com ideias arejadas. Porque não é só ser jovem, tem muito jovem com ideias envelhecidas, assim como velhos com ideias juvenis. É uma oportunidade para os jovens se sentirem mais representados na democracia e nas instituições brasileiras.

Os partidos, de maneira geral, chegam de maneira muito aparelhista nos territórios, em um esquema eleitoral até perverso

CC: Os números do TSE mostram uma queda do eleitorado jovem com títulos ativos na última década, ainda que sob períodos de recuperação. Por que?

GB: Esse fenômeno é composto de algumas variáveis. A primeira é que nós tínhamos, no período do governo Lula, especialmente, até o primeiro mandato de Dilma, um processo de inclusão dos jovens nas políticas públicas e uma visão mais otimista deles sobre o País. A juventude brasileira chegou a ser considerada uma das mais otimistas do mundo. Vivíamos um momento de ampliação de oportunidades, que vinha se consolidando com a estruturação de políticas públicas. Tínhamos 6% da população desempregada, os jovens chegaram a 11% de desemprego. Hoje estamos com 30% de jovens desempregados, a maior taxa das últimas medições.

Depois, fomos marcados por um processo de desesperança, que se fortalece com o impeachment de Dilma. Tínhamos uma crise econômica que começava a se intensificar. Mas após o golpe, vivenciamos a retirada de direitos trabalhistas, previdenciários, corte de investimentos na escolas, universidades, na Ciência, uma diminuição das possibilidades de fruição e oportunidades. A possibilidade de pensar uma ascensão social começa a ser para poucos. Essas várias dimensões começam a criar muita desesperança no jovem e levam a um desencanto com a vida.

Tem uma pesquisa recente da Fundação SM, coordenada pelo professor Paulo Carrano junto a vários outros intelectuais do campo da juventude, que aponta que o jovem não está conseguindo visualizar o futuro, porque ele não o pertence mais. Violência urbana, crise climática, desemprego, falta de perspectiva… os jovens chegam ao Ensino Médio, sem saber o que fazer. Agora, com dois anos de pandemia, também temos questões de saúde mental, jovens dentro de casa, sem a convivência no espaço público. São elementos que pesam sobre esse cenário de desesperança, desilusão.

CC: E em relação à esquerda, os jovens têm dificuldade de se ver representados?

GB: A verdade é que, do ponto de vista do campo progressista, estamos muito envelhecidos. E não falo apenas sobre os candidatos, falo também de um envelhecimento no campo das ideias, no sentido de trazer posições mais inovadoras. As respostas que temos dado às crises são muito semelhantes: o desenvolvimentismo, salvar a Petrobras, a queima de combustíveis fósseis. Não existe uma agenda inovadora que atraia a juventude.

Ainda que, claro, a gente saiba que o Lula tem representado uma esperança e o PT tenha recuperado legitimidade política, as novas gerações têm dificuldade, sobretudo, de se verem contemplados na agenda das identidades, por exemplo, mais restrita ao PSOL, um partido pequeno, com pouca condição de disputar hegemonia na sociedade. Vejo que há uma geração carecendo de ideias de representantes um pouco mais conectados com seus anseios e expectativas. Acho que esse é mais um elemento pra gente pensar sobre a queda da participação dos jovens nas eleições ao longo da última década.

O presidente que venha a ser eleito terá o trabalho gigantesco de reconstruir uma dinâmica política mínima

CC: Como um futuro governo de esquerda pode lidar com as demandas dos jovens negros, pobres e de periferia, os que mais sofrem com a ausência de políticas públicas?

GB: Acho que, em primeiro lugar, é não romantizar a juventude periférica, no sentido de achar que ela espera por uma alternativa de esquerda, super transformadora. Essa juventude vem sendo influenciada pela expansão das igrejas neopentecostais, evangélicas, que trazem essa dimensão do sucesso, a dinâmica de que é preciso prosperar, do empreendedorismo como uma perspectiva organizadora. E essa mesma lógica é movida pelo capitalismo, neoliberalismo, que prega o sucesso, que você será alguém se você tiver coisas, a partir de uma perspectiva individual.

Não é à toa que o shopping é o grande espaço de convívio, a crise dos rolezinhos nos disse muito sobre isso. Você tem a igreja, o shopping e o bar como os principais espaços de convívio do jovem periférico. Temos também a transição do hip hop dos anos 90 para o funk e, sem julgamento de valor, essas letras dizem sobre o consumo, a curtição, o álcool, o carro, a moto, a ‘novinha’. São símbolos incorporados pela juventude. Há  uma disputa cultural posta nessa geração, no campo dos desejos, das necessidades, que não é necessariamente só uma agenda progressista que resolve.

Por outro lado, temos um juventude cuja vida foi marcada por políticas públicas construídas no período do PT, e que reconhece o impacto disso em suas vidas. E, para além da política institucionalizada, os jovens estão organizados, transformando seus territórios, só que não na chave da política do jeito que a gente conhece. Não via partido, sindicato.

Os partidos, de maneira geral, chegam de maneira muito aparelhista nos territórios, em um esquema eleitoral até bastante perverso, por não ser emancipador, não promover os coletivos periféricos, os saraus. Estamos sem instrumentos de organização sólidos da esquerda que tenham essa capacidade de atração e diálogo de forma mais potente com a juventude, e isso é preocupante.

Os evangélicos já somam um quinto da população e exercem mais influência na sociedade do que se imagina, analisa especialista. Foto: Adriana Lorete

CC: Há pouco você falou das altas taxas de desemprego e de jovens sem perspectiva de futuro. Quais os desafios nessa seara?

GB: Temos uma crise do trabalho fabril, que estruturou toda a base da esquerda. O jovem não quer mais só ser ‘convencido’ por um projeto de carteira assinada, que mantém a estrutura do patrão, do bater ponto. Ele também quer mais flexibilidade, poder ser mais criativo, imprimir sua dinâmica no trabalho. O grande problema foi que o que se colocou no lugar dessas demandas: um nível bizarro de precarização. Basta ver o que acontece com os jovens entregadores de fast food, ou nos telemarketings. Salários precários e jornadas extensas. Precisamos falar sobre a alternativa do ’empreendedorismo’ como opção de trabalho decente. Várias manifestações desses trabalhadores jovens, como a paralisação dos entregadores, vão criando fissuras nesse modelo de trabalho proposto pelo neoliberalismo.

A juventude quer trabalho digno, criativo, mais flexível. Uma educação que o considere como sujeito, que reconheça seu conhecimento, sua singularidade e individualidade. Quer também mais segurança, um desenvolvimento mais conectado com o meio ambiente, com outras formas de consumo. Também tem muita força a questão das identidades, a forma com que eles enxergam a sexualidade, suas experiências. O jovem quer ser respeitado pelo que ele é. E quando a gente olha para essas questões, vejo que a esquerda ainda tem dificuldade de incorporá-las. Tudo isso precisa ser observado para quem quer discutir política no Brasil hoje.

Há um trabalho permanente de dizer: ‘Ah, não adianta nada votar, política é tudo igual, eles são corruptos’. Essa despolitização interessa à direita

CC: As estratégias nesse momento se centram em trazer os jovens para as urnas. E depois das eleições?

GB: É a primeira vez que eu vejo um movimento tão intenso de engajamento da sociedade, fora das instituições políticas, para discutir a questão do direito ao voto. Isso reflete o momento que estamos: é necessário tirar Bolsonaro. Agora, qualquer presidente que venha a ser eleito, terá o trabalho gigantesco de reconstruir uma dinâmica política mínima, que foi perdida com a destruição dos órgãos públicos, com o enfraquecimento dos órgãos reguladores.

A campanha até aqui tem sido boa, bem feita. Acho que falta também agregar a consciência de que o voto é apenas uma dimensão da cidadania. E investir numa convocação para uma cidadania permanente, com um chamamento para a política, para a militância, para o ativismo nos territórios.

Também entendo que é preciso mudar a estrutura das organizações políticas. Torná-las mais permeáveis à participação dos jovens, para não gerar frustração futura. Há um trabalho permanente de parte da mídia e setores da sociedade em dizer: ‘Ah, não adianta nada votar, política é tudo igual, eles são todos corruptos’. Essa despolitização interessa à direita e dá margem às falsas saídas, caso da Lava Jato, que nos levou a Bolsonaro.

É fundamental discutir, por exemplo, direito à cidade, garantir mobilidade de qualidade, espaços públicos seguros para convivência. Precisamos disputar com o shopping, a igreja e o bar. Mas só conseguiremos isso via uma agenda pública que reconstrua a possibilidade do jovem experimentar a cidade como espaço educativo, socializador, democrático, que respeita os direitos humanos. Só o espaço público é capaz de produzir isso.

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