Educação

Mudança no Fundeb ameaça oferta de merenda escolar no Ensino Fundamental

“A mágica é fazer o povo acreditar que houve avanço, enquanto se congelam os gastos”, denuncia o especialista Salomão Ximenes

Foto: Alexandre Battibugli/Prefeitura Municipal de Valinhos/Divulgação
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A educação no governo Bolsonaro vive entre a cruz e a caldeirinha. Por um lado, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, opera um desmonte das políticas educacionais baseado em cortes orçamentários e discursos beligerantes. Por outro, surgem, em suposta contraposição, os arautos da “racionalidade econômica” e defensores “dos valores republicanos”, caso do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Pior para os estudantes.

O capítulo mais recente dessa dualidade tem ao centro a tramitação do Fundeb, o fundo de financiamento da educação básica. A principal discussão se dá em torno do aumento de sua composição orçamentária, sobretudo por parte da União, hoje obrigada a completar em 10% a receita do Fundeb, cerca de 15 bilhões de reais ao ano. O fundo subsidia 40 milhões de matrículas nas escolas públicas, da creche ao Ensino Médio, e conta com quase 156 bilhões de reais.

O valor, garantem especialistas, é insuficiente para ampliar o número de matrículas nas redes estaduais e municipais do País, e a consequente universalização do atendimento escolar nas diversas etapas da educação. A demanda mínima seria de R$ 500 bilhões de reais, sendo R$ 268 bilhões de recursos novos, segundo determina o Plano Nacional de Educação 2014-2024.

Durante a tramitação na Câmara, após entendimento com o Senado, a deputada Professora Dorinha Seabra Rezende, do DEM de Tocantins, chegou a propor um aumento gradativo de repasse da União ao fundo, de 15% para 40%, no intervalo de 11 anos. A proposta desagradou a Weintraub e à equipe econômica do governo Bolsonaro, que apontou o risco de desequilíbrio fiscal. À época, o ministro da Educação acusou os parlamentares de “demagogia” e ameaçou apresentar uma nova proposta que recomeçaria a tramitação do fundo e se limitaria a ampliar a participação da União a 15%, em uma escala progressiva de um ponto porcentual ao ano, até atingir o valor máximo, em 2026. A ameaça não foi adiante.

O relatório de Professora Dorinha que seguiria para votação da comissão especial da Câmara no dia 4 deste mês não escapou, porém, da atuação oportunista e impiedosa de Maia. Um dia antes da data de votação, posteriormente cancelada, o presidente da Câmara reabriu a negociação dos termos do relatório. Maia propôs que a complementação da União suba, em seis anos, para 20%. O ponto é: a aparente duplicação de aporte não trará novos recursos e ainda reduzirá a participação do governo federal nos investimentos obrigatórios.

Uma nova alteração no texto permite à União utilizar a parcela do salário-educação, recurso existente, para aumentar sua complementação ao Fundeb. O salário-educação é uma contribuição empresarial cujo saldo é destinado a suplementar despesas, como programas federais de alimentação, transporte e livros didáticos, entre outros. Do total, 60% são repassados a estados e municípios, 30% compõem a cota federal e 10% são direcionados ao custeio de programas nacionais.

O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, explica os riscos da proposta de Maia: “Ao incorporar o salário-educação à participação do governo federal no Fundeb, a alimentação escolar, que é a principal despesa paga com esse orçamento, ficará sem recursos”.

Uma nota técnica divulgada pela Campanha, baseada em cálculos feitos pela Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, estima uma redução de 75% do total investido nos programas suplementares, com base nos 8,5 bilhões de reais utilizados em 2019. “Com isso, restariam apenas 2,1 bilhões para todos os programas. Esse valor é quase metade dos 3,98 bilhões utilizados no ano passado para custear o Programa Nacional de Alimentação Escolar”, resume o texto.

“A mágica é fazer o povo acreditar que houve avanço, enquanto se congelam os gastos”, denuncia o especialista Salomão Ximenes

Uma simulação aponta que, caso a União utilize os recursos do salário-educação para o Fundeb, sua complementação efetiva ficaria em torno de 15,8% – praticamente o mesmo patamar defendido pelo governo Bolsonaro – e não 20%, conforme anunciado pelo relatório negociado pelo presidente da Câmara. “O Congresso Nacional está sendo levado a cometer um erro histórico, prejudicando a alimentação das crianças, adolescentes e jovens que estudam. Perceba, não é só uma questão de educação, é também de saúde pública e até de sobrevivência”, avalia Cara.

O professor Salomão Ximenes, da Universidade Federal do ABC e doutor em Direito pela USP, entende que a atuação de Maia ajusta o novo Fundeb ao “estado de sítio fiscal” imposto desde a Emenda Constitucional no 95, do teto de gastos. “A mágica é fazer o povo acreditar que houve avanço, que se elevou a participação da União no financiamento da educação básica, quando se está, na prática, eternizando os patamares atuais de indigno financiamento, ao mesmo tempo que se dissemina a ideologia da aprendizagem e sua barbárie pedagógica”, avalia o especialista.

E há outros perigos, aponta Ximenes. Hoje, a União tem a prerrogativa de contabilizar em suas despesas obrigatórias destinadas à manutenção e desenvolvimento do ensino 30% do valor da complementação ao Fundeb. O relatório de Professora Dorinha propõe aumentar a contribuição ao Fundo para 20%, mas manter os mesmos 30% de dedução sobre as despesas obrigatórias. “O objetivo é reduzir o impacto fiscal e ainda ter como resultado a diminuição do restante do orçamento da União para a educação”, explica Ximenes, que defende o corte da dedução para 15%, a partir do patamar de 20% de complementação da União.

O impacto desse mecanismo, garante o especialista, extrapola a educação básica e coloca em risco os recursos para o Ensino Superior, “maior parcela do gasto obrigatório da União”. O Fundeb, avalia, teria como efeito colateral a desidratação ainda maior do financiamento dos institutos e universidades federais.

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