Educação

Mães e professoras denunciam assédio em colégio militar do Amazonas

Colégio militar em Manaus acumula casos de denúncias de assédio e violência contra alunas adolescentes e professoras

Escola CMPM1 acumula denúncias de assédio e violência praticados por militares - Foto: Divulgação
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No último dia 17 de setembro, Maria* recebeu uma ligação para comparecer à Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente de Manaus. Quem fazia o pedido era o tenente-coronel Augusto Cesar Paula de Andrade, diretor do Colégio Militar da Polícia Militar do Amazonas I, o CMPM1, onde sua filha de 16 anos estuda há nove meses.

Chegando ao local, a mãe soube que a filha adolescente e mais duas amigas foram à delegacia para prestar queixa de assédio sexual contra um sargento que atuava na escola. As garotas acusam o militar de tocá-las em suas partes íntimas. De acordo com as vítimas, abordagens tendenciosas por parte do policial militar aconteciam há pelo menos dois meses, até que as garotas decidiram levar a denúncia adiante.

A filha de Maria não deixou a escola, mas a mãe viu mudanças em seu comportamento. “Ela está mais retraída, introvertida”, descreve. “Claro que o meu desejo é que o abusador seja punido, mas minha vontade maior é que isso pare de acontecer dentro da escola. É preciso que a PM faça um pente fino de quais militares atuarão ali, porque a função deles é cuidar de nossas crianças e adolescentes”, desabafa.

O caso de violência é mais um entre os 120 que foram encaminhados ao Ministério Público do Amazonas (MP-AM). São denúncias de assédio moral, sexual e violência que recaem sobre nove colégios militares do Amazonas – o CMPM1, no entanto, lidera os casos.

Segundo o órgão, um grupo de trabalho apura as denúncias e as investigações seguem sob sigilo por conta do teor e pelo envolvimento de menores de idade.

Além do caso das três jovens, a reportagem de CartaCapital conversou com outras duas vítimas que encaminharam denúncias contra o colégio.

Uma professora afirma ter sido assediada por um PM, que atua como professor de Matemática dentro da unidade. A entrevistada conta que, em conversa com o militar sobre as notas baixas de sua filha e da chance de reprovação, ouviu: “Ela só reprova se você quiser”. Na sequência, o cabo teria deixado claro que a revisão das notas da aluna dependeria da aceitação ou não do convite para um encontro sexual com ele.

A professora está afastada do colégio desde agosto, quando o policial acusado foi reincorporado às atividades da escola, após afastamento temporário. Segundo ela, a Polícia Militar abriu sindicância para apurar a conduta do militar, sobre quem recai pelo menos mais uma denúncia de assédio.

“Estou tomando remédio controlado e ainda sinto medo, fora a sensação de que a errada sou eu, de que eu provoquei essa situação”, desabafa a professora, que diz ter sido chamada para depor no dia 30 de outubro pela Polícia Militar, já que seu caso também foi registrado na corregedoria da corporação.

Além dela, outra mãe também contou à reportagem ter encaminhado denúncia por conta de uma perseguição sofrida pela filha dentro da escola.

A mãe acusa o mesmo militar denunciado por assédio sexual de ter prejudicado sua filha. Segundo ela, como forma de retaliação a um desentendimento que mãe teve com um integrante da corporação dentro da escola. “De maio para cá, minha filha tem registro de 76 faltas e ela nunca falta à escola”, relata.

As denúncias de violações levadas adiante por mães e professoras acontecem no mesmo ambiente em que o professor de Língua Portuguesa, Anderson Pimenta Rodrigues, foi agredido. O professor acusa o diretor do CMPM1, o tenente-coronel Augusto Cesar Paula de Andrade, de ser o agressor.

Entenda o caso

Cerca de 80 mães registraram denúncias de assédio moral, sexual e violência contra os militares dos colégios geridos pela PM no estado do Amazonas. As violações, que se acumulam pelo menos desde 2015, vieram à tona depois que o deputado Fausto Júnior (PV-AM) convocou uma audiência pública na Assembleia Legislativa para acolher os casos. Muitas vítimas afirmam sofrer ameaças para retirar suas queixas.

O advogado das Associações de Pais, Mestres e Comunitários, Ricardo Gomes, representa algumas destas denúncias e afirma que já são mais de 100 professores afastados por situações de assédio.

Por outro lado, em relação à PM, o que se sabe é que apenas um policial militar foi afastado – um coronel que atuava na direção do CMPM VIII, no bairro Compensa, na Zona Oeste de Manaus, e foi denunciado por convidar estudantes, via mensagem de aplicativo, para participarem de um ménage.

“O que tem prevalecido até o momento é a omissão, prevaricação e o corporativismo que impedem que as situações sejam investigadas com imparcialidade. Como que um militar acusado de assédio pode continuar a frequentar uma escola e conviver com crianças e adolescentes?”, questiona o advogado, que cobra também uma regulamentação mais clara na definição dos papéis da Polícia Militar e das Secretarias de Educação nas escolas militarizadas.

Outro lado

A Polícia Militar do Amazonas instaurou uma sindicância para apurar as denúncias que recaem sobre os colégios, segundo portaria publicada no dia 13 de setembro. De acordo com o documento, as investigações estão sob o comando do coronel Silvio Mouzinho Pereira, subcomandante da PM, e tinham prazo de 30 dias para finalização, período que se completou no último dia 13 de outubro. A reportagem questionou a PM sobre o término da sindicância, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem. A corporação encaminhou à reportagem uma nota assinada em conjunto com a Secretaria de Educação sobre os casos.

Leia a nota na íntegra:

A Secretaria de Estado de Educação (Seduc-AM) e o Comando da Polícia Militar trabalham de forma integrada para manter a boa qualidade de ensino nos colégios do regime militar. A Seduc-AM e a corporação se mantêm receptivas aos pais, alunos e professores, ou quaisquer outros membros do seu quadro de profissionais de educação, para dialogar sobre quaisquer aspectos do processo educacional executados pelas instituições de ensino e que não se abstém de agir diante de denúncias de práticas de assédio ou violência que cheguem ao seu conhecimento.

Toda  e qualquer denúncia de prática ilegal ou imoral, seja de que ordem for, é apurada,  reforçando que a secretaria atua em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente. A secretaria destaca ainda que, na sua nova gestão, em 2019, inaugurou uma medida que pede, quando instaurado um processo sindicante, o afastamento cautelar do professor da sala de aula, para que ele possa responder ao inquérito sem qualquer contato com os alunos. Se ao final do procedimento nada for constatado, o professor retorna à sala de aula. Contudo, caso seja identificado qualquer indício de crime ou má conduta, serão tomadas as sanções administrativas cabíveis.

Do mesmo modo, o Comando Geral da Polícia Militar informa que todas as denúncias relacionadas a policiais lotados em colégios militares da PM, estão sendo apuradas pela Diretoria de Justiça e Disciplina (DJD), que instaurou procedimento administrativo para apuração dos fatos. Todos os elementos colhidos durante a ação investigatória serão apurados da forma transparente que o caso requer.

A Polícia Militar não compactua com abusos, excessos e comportamentos que contrariem a lei e a ordem. A Corporação preza sempre pelo bem comum, com o dever de servir, proteger e preservar os direitos individuais e coletivos.

Ao todo, a Seduc-AM recebeu 19 denúncias e processos relacionados a assédio moral e abuso de poder. Os registros foram recebidos pela Ouvidoria da secretaria e 14 estão sob averiguação e cinco sob apuração. Nos 14 processos, a Seduc-AM adotou as medidas administrativas, encaminhamentos e solicitações aos co-gestores da Polícia Militar do Amazonas (PMAM) que atuam nas escolas da rede de modelo militar. Quanto aos casos que ainda estão em análise, a secretaria tem o compromisso de encaminhar as medidas administrativas que forem necessárias quando constatadas ou não a veracidade das denúncias.

A reportagem de CartaCapital também obteve acesso a um relatório da Ouvidoria da Secretaria de Educação com mais casos tipificados como assédio moral e abuso de poder do que os 19 informados na nota enviada à reportagem. A pasta enviou um novo comunicado alegando que tais casos referem-se somente até o mês de agosto. “Até o momento, no entanto, somam-se nos registros da Ouvidoria somente 28 casos tendo como tipificação abusos de poder e ou assédio moral”, disse a resposta.

*O nome da entrevistada foi alterado por questões de segurança.

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