Educação

Escola de SP é “orientada” a retirar faixa contra volta às aulas

Secretaria nega participação, mas e-mail enviado por diretor da escola contesta a resposta

A Escola Estadual Fidelino de Figueiredo foi obrigada a retirar faixa contra volta às aulas
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A Escola Estadual Fidelino de Figueiredo, na região central de São Paulo, teve de retirar uma faixa colocada em frente à unidade que comunicava a decisão da comunidade escolar de não retornar às aulas antes da vacina contra a Covid-19. Integrantes da escola ouvidos pela reportagem de CartaCapital afirmam que a ordem para retirada partiu da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP).

A comunicação colocada em frente à unidade na quarta-feira 9 trazia a seguinte mensagem: “Todas as vidas importam. O Conselho Escolar votou contra o retorno das aulas sem vacina”.

A deliberação do conselho – formado por professores, gestores, funcionários, familiares e alunos – teve 29 votos contra o retorno escolar e apenas um favorável.

A ex-professora da unidade Silvana Soares de Assis, que ainda se articula com a comunidade escolar, explicou a decisão de exibir a faixa: “É obrigação do conselho escolar publicizar suas deliberações e, como muitos pais e alunos têm nos procurado para saber a decisão sobre a volta às aulas, resolvemos colocá-la”.

A docente declarou que o diretor da unidade, Rafael Daudt, estava ciente da colocação da faixa e foi pressionado a retirá-la.

A reportagem de CartaCapital procurou o diretor da escola para comentar o caso, mas foi informada, por telefone, que Daudt só falaria com autorização da Seduc-SP.

A Secretaria da Educação também foi procurada e negou que tenha dado ordens para retirar a faixa. Segundo a pasta, a decisão foi tomada pela escola de maneira voluntária.

E-mail contesta versão da secretaria

A reportagem de CartaCapital teve acesso a um e-mail trocado entre o diretor da escola e a avó de um estudante da unidade que sinaliza a interferência da Seduc-SP na retirada da faixa.

Antônia Almeida Barros enviou um e-mail à direção escolar, com cópia para a Secretaria da Educação e a diretoria regional de ensino, no qual questionava o motivo da retirada da faixa e pedia a identificação do responsável pela ordem.

Em um trecho da resposta encaminhada a Antônia, o diretor Rafael Daudt afirma ter sido orientado a retirar a faixa da escola.

“Fui orientado a retirar para não dar a entender que os professores e comunidade não sabem interpretar textos legais, pois não teremos retorno presencial em setembro, como em algumas cidades do interior de SP. Orientei ainda aos professores que o possível retorno será em 07/10, mas não temos nada definido ainda, pois somente se mantivermos, na capital, 28 dias consecutivos na faixa amarela, e que temos que aguardar as orientações da Prefeitura, visto que o governador passou para as prefeituras a decisão de reabertura ou não das Unidades Escolares, e por isso há cidades no Estado de SP com atividades presenciais e outras não, como a nossa”, escreveu Daudt.

Em outro trecho, o diretor demonstra preocupação com possíveis sanções aos professores e gestores da escola. Ele faz referência às proibições previstas no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado (Lei 10.261, de 28 de outubro 1968), em seu artigo 142.

“Ao funcionário é proibido: promover manifestações de apreço ou desapreço dentro da repartição, ou tornar-se solidário com elas, daí  o motivo da retirada da faixa, pois não quero prejudicar ninguém (docentes e gestão) no que diz o Estatuto do funcionário Público, pois podem alegar isso e prejudicar quem o fez, já que todos somos funcionários públicos e estamos sujeitos as sanções”, escreveu o diretor.

“É impossível acreditar na proposta do governo”

Para Antônia, a resposta dada pela escola evidencia a intimidação praticada pelo governo do estado de São Paulo contra os integrantes das escolas para um possível retorno às aulas. As unidades públicas e privadas do estado puderam retornar com atividades de reforço e acolhimento esta semana, e o governador João Doria (PSDB) sinalizou um retorno compulsório para a rede a partir do dia 7 de outubro.

Ela critica a medida e afirma que as escolas não garantirão as condições sanitárias necessárias: “Meu neto não volta de jeito nenhum. Somos grupo de risco [Antônia tem 67 anos e o neto é asmático] e, mesmo que não fôssemos, a escola já não apresentava condições humanas para receber os estudantes antes da pandemia”.

“Estou falando de uma escola que nem oferecia papel higiênico aos meninos, que tinham que passar pelo constrangimento de pedir papel a cada vez que iam ao banheiro. A Fidelino ainda é uma escola central, e as escolas de periferia?”, questiona.

“É impossível acreditar na proposta do governo. Até acho que eles vão oferecer os materiais sanitários e de proteção nas primeiras semanas, como fachada, mas e depois?”, diz Antônia. “O PSDB vem destruindo a educação em São Paulo há 30 anos, mas não vai destruir os sonhos do meu neto”, atesta.

A escola cometeu alguma infração?

A reportagem de CartaCapital consultou o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Salomão Ximenes, doutor em direito do Estado, para checar se os integrantes da escola incorreram em alguma infração ao pendurar a faixa.

Ximenes é categórico ao afirmar que não houve infração.

“A vedação que consta no Estatuto dos Funcionários, Lei de 1968, precisa ser lida à luz do regime democrático constitucional pós-1988”, afirma ele. “Portanto, tem que ser interpretada restritivamente como proibição de partidarização das rotinas administrativas, o que não é o caso, já que a faixa tem como objetivo comunicar a comunidade sobre decisão tomada pelo conselho da escola”.

“Além disso, é incorreto confundir o conselho da escola, instância democrática participativa, com o corpo de servidores públicos que o compõem juntamente com membros da comunidade”, explica Ximenes. “Os membros do conselho são agentes públicos, não servidores públicos, portanto não se enquadram nas eventuais limitações estatutárias. Cercear o direito de comunicação e expressão do conselho da escola é que pode configurar infração por abuso de autoridade”.

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