Biologia

A sonda Rosetta sai em busca da origem da vida

Experimentos da sonda Rosetta buscam compreender o processo de formação do Sistema Solar e do surgimento da própria vida na Terra

Rosetta
Imagem da sonda Rosetta mostra robô Philae no cometa sonda rosetta origem da vida cometa
Apoie Siga-nos no

Após uma viagem de dez anos e um percurso de pouco mais de 7 bilhões de quilômetros, a sonda europeia Rosetta entrou em órbita comum com o cometa Tchourioumov-Guerasimenko, largando um robô, o Philae, que pousou na superfície do astro no dia 12 de novembro 2014, fato inédito na história da humanidade.

Qual o interesse dessa expedição espacial? Além do importante desenvolvimento tecnológico requirido para a realização da missão em si, a instrumentação a bordo visa estudar o núcleo cometário, medir as propriedades mecânicas e elétricas da superfície, bem como sua composição química e aquela do material coletado por meio de uma sonda, que deve perfurar o solo do cometa.

Espera-se que as informações coletadas possam contribuir para uma maior compreensão do processo de formação do Sistema Solar, procurar entender a contribuição dos cometas na formação dos oceanos terrestres, bem como sua composição em moléculas orgânicas que poderiam ter contribuído para o surgimento da vida na Terra.

[bs_row class=”row”][bs_col class=”col-xs-2″][/bs_col][bs_col class=”col-xs-10 azul”]
Leia atividade didática inspirada neste texto e baseada na matriz do Enem
Competências: Compreender as ciências naturais e as tecnologias a elas associadas como construções humanas
Habilidades: Confrontar interpretações científicas para compreender o processo de formação do Sistema Solar e da vida na Terra[bs_citem title=”” id=”citem_5422-8f97″ parent=”collapse_e98f-4f2c”]

1)
Recapitular o conceito de moléculas isômeras e, em particular, o conceito de isomeria óptica, distinguindo moléculas dextrógiras e levógiras. Discutir o resultado da experiência de Miller, na qual os aminoácidos produzidos são 50% levógiros e 50% dextrógiros, em função da assimetria observada em aminoácidos presentes em seres vivos.

2) Procurar, nos livros didáticos e científicos, as moléculas interestelares detectadas até o presente e efetuar um histograma descrevendo a distribuição destas moléculas em função do número de átomos que as constituem. Discutir o resultado.

3)Recapitular o conceito de isótopos – discutir a água “pesada” procurando na literatura a abundância relativa D/H na Terra, nos planetas gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno), no Sol, nos cometas e nos asteroides. Comparar as abundâncias, verificando (ou não) a afirmação feita no texto, que a água dos oceanos é de origem extraterrestre. Discutir se em resíduos orgânicos fossilizados a razão isotópica C13/C12 aumenta ou diminui.

4) Recapitular os conceitos de organismos procariotos e eucariotos, inserindo as cianobactérias em uma dessas categorias.[/bs_citem][bs_button size=”md” type=”info” value=”Leia Mais” href=”#citem_5422-8f97″ parent=”collapse_e98f-4f2c” cor=”azul”][/bs_col][/bs_row]

Na realidade, em 2004, a sonda espacial da Nasa, a Stardust, atravessou a cauda do cometa P/Wild e coletou in situ material cometário, que foi trazido de volta à Terra. Análises em diferentes laboratórios desse material mostraram a presença de glicina (NH2-CH2CO2H), aminoácido que entra na composição de proteínas, assim como de aminas e hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAH). A partir de então, sabemos que no material cometário se encontram componentes importantes para que a vida se desenvolva.

Uma questão importante se coloca: tais moléculas orgânicas resistiriam às altas temperaturas e pressões resultantes de um impacto de um cometa (ou de um asteróide) com a Terra? A resposta se encontra na análise química do meteorito que caiu na Austrália, em 28 de setembro de 1969, na localidade de Murchison. Os resultados mostraram um conteúdo orgânico surpreendente: cerca de 70 tipos de aminoácidos, purinas como a adenina e a guanina, pirimidinas como o uracilo, constituintes do RNA e do DNA, estão presentes no material do meteorito de Murchison. Mais ainda, a razão isotópica C13/C12 mostra de forma conclusiva que tais moléculas são de origem extraterrestre, e não o fruto de uma possível contaminação terrestre.

É importante enfatizar que pelo menos quatro dos aminoácidos detectados têm um excesso de moléculas levógiras, exatamente como a matéria orgânica terrestre. O excesso de moléculas levogiras, isto é, capazes de desviar a luz polarizada para a esquerda, pode ser obtido, por exemplo, se o material for submetido à radiação UV interestelar. Isso foi demonstrado pela experiência do astrofísico francês Louis le Sergeant d’Hendecourt, que obteve o aminoácido alanina a partir de uma mistura de moléculas de água, amônia e metanol. Neste caso, um excesso de moléculas levógiras é observado quando a mistura é submetida à radiação UV produzida por um acelerador síncrotron.

Tais fatos nos permitem elaborar um possível cenário para o desenvolvimento da vida na Terra. Em nuvens interestelares densas, onde existe uma importante quantidade de poeira, formam-se moléculas orgânicas de complexidade diversa, com dez ou mais átomos. Entre elas podemos mencionar a butanona (CH3COC2H5), o benzeno (C6H6) e o cianeto de propila (C3H7CN). A formação destas moléculas ocorre necessariamente na presença de grãos de poeira interestelar, com dimensões micrométricas, que atuam como catalizadores das reações químicas entre átomos. As interações ocorrem na superfície dos grãos, uma vez que colisões diretas entre átomos são ineficazes pela longa escala de tempo requerida. Exemplos são a nebulosa escura Cabeça do Cavalo, onde se detectaram hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e a Nebulosa de Órion, onde o telescópio espacial Herschel detectou inúmeros compostos, tais como água, monóxido de carbono, formaldeído, éter metílico, monóxido e dióxido de enxôfre entre outros.

As nuvens moleculares densas são sítios de formação estelar. Assim, deve-se esperar que os discos protoplanetários nelas formados contenham moléculas orgânicas, que servirão de base para a síntese dos compostos necessários ao aparecimento da vida. Tais compostos entram na composição química dos cometas e asteróides que, posteriormente, colidindo com planetas rochosos eventualmente formados no processo, os enriquecem com as bases químicas da vida.

No caso da Terra, aproximadamente 800 milhões de anos após sua formação, ocorreu um importante “bombardeio” de cometas e meteoritos. Tal episódio é conhecido como bombardeamento pesado tardio (late heavy bombardement”, em inglês). As evidências em favor de tal evento estão ligadas às crateras de impacto da Lua, na sua maioria com idades da ordem de 3,8 bilhões de anos e cuja datação foi possível graças às amostras de rochas lunares recuperadas pelas missões Apollo.

O fenômeno é o mesmo que provavelmente produziu o craterismo observado nos planetas Mercúrio, Vênus e Marte. Deve-se mencionar que, na Terra, o processo de erosão deixou poucos traços de tal bombardeamento. As causas de tal bombardeio estão ligadas a uma migração interna dos planetas gigantes devida a interações com o disco protoplanetário (disco composto por gás e poeira ao redor de estrelas recém-formadas). Tal migração produz instabilidades no anel de asteróides e faz com que muitos destes pequenos corpos sejam colocados em trajetórias de colisão com os planetas internos do Sistema Solar.

Uma evidência em favor de tal mecanismo de migração foi a descoberta, pelo telescópio espacial Herschel, da Nasa, de jatos de vapor de água, produzidos por sublimação, emanando da superfície do planeta anão Ceres, o que não é observado em outro planeta anão, Vesta, também situado no cinturão de asteróides localizado entre Marte e Júpiter. A presença de água em Ceres indica que foi formado em regiões mais distantes, portanto mais frias, migrando posteriormente para regiões mais internas do Sistema Solar.

A existência de água na forma líquida é fundamental para o desenvolvimento da vida, pois sendo um solvente “universal”, facilita as reações entre moléculas simples que levam a formação de monômeros e polímeros. A datação recente de cristais de zircão (silicato de zircônio), o mais antigo material conhecido, indica que a crosta terrestre já estava formada há 4,4 bilhões de anos, podendo, portanto, acomodar os oceanos. Simulações numéricas do Sistema Solar efetuadas no Observatório da Côte d’Azur (em Nice, na França) mostram que asteroides e cometas provenientes da região de Júpiter e Saturno foram os contribuintes iniciais para o enriquecimento da Terra em água. Ainda de acordo com tais simulações, a maior parte da água dos oceanos terrestres vem da captura de embriões planetários oriundos do anel externo de asteroides, quando a Terra estava na fase final de sua formação.

Mais tarde, a captura de cometas oriundos da região Urano-Netuno e do Cinturão de Kuiper (anel cometário situado entre 40 e 100 unidades astronômicas, ou UA) contribuiu com aproximadamente 10% da massa total de água presente nos oceanos da Terra. Como consequência desse cenário, deve-se esperar que a razão isotópica entre o deutério e o hidrogênio (D/H), observada nos oceanos, seja similar à dos asteroides, o que de fato é verificado pelas observações.

Atualmente, admite-se que os processos químicos que antecederam o aparecimento dos primeiros organismos unicelulares tenham ocorrido em diferentes etapas, num meio onde existiam ingredientes básicos como metano (CH4), amônia (NH3), sulfeto de hidrogênio (H2S), dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), fosfato (PO4) e água (H2O) na forma líquida.

Primeiramente, a partir desses compostos formaram-se diferentes monômeros como os aminoácidos. De fato, as experiências do biologista americano Stanley Miller nos anos 1950 mostraram que é possível, por exemplo, formar aminoácidos a partir de uma mistura de metano, amônia e hidrogênio submetida a descargas elétricas e radiação ultravioleta. Existem críticas quanto às condições redutoras da experiência de Miller, que diferem do que se esperaria de uma atmosfera primitiva enriquecida em gases como N2, SO2, CO2 e H2S produzidos por um intenso vulcanismo inicial. Mais ainda, a amônia se decompõe devido à radiação solar, numa escala de tempo muito curta (cerca de 30 mil anos). No entanto, Miller e seus colaboradores refizeram tal experiência, cujos resultados foram publicados em 2008, após a morte de Miller, usando uma atmosfera simulada rica em N2 e CO2, obtendo igualmente a produção de aminoácidos.

Em face de tais dificuldades relacionadas às incertezas na composição da atmosfera primitiva, podemos imaginar que aminoácidos, purinas e pirimidinas produzidas no espaço interestelar (nuvens moleculares) e em discos protoplanetários foram introduzidos na Terra através de impactos com cometas e asteroides. Nesse caso, os “tijolos” que constituem o “edificio” da vida seriam de origem extraterrestre e não o fruto de processos químicos ocorridos nos primordios da história de nosso planeta.

Em seguida, tais “tijolos” produziriam nos oceanos primitivos lipídios e fosfolipídios, compostos que constituem a membrana celular. Posteriormente, em fases mais avançadas, moléculas de ácido ribonucleico (RNA) seriam formadas, permitindo a síntese de proteínas. O RNA, quando surge no meio, age como um catalizador enquanto que nas fases mais avançadas do processo vai servir ao genoma e ao processo de autoreprodução.

Para permitir a continuidade dos processos vitais, os primeiros seres unicelulares precisaram desenvolver três capacidades essenciais: o metabolismo, capacidade de absorver e transformar compostos presentes no meio ambiente; a hereditariedade, capacidade de duplicar-se e legar informações aos seus descendentes e a evolução, capacidade de modificar seu material genético para adaptar-se a variações ambientais. A transição de processos puramente químicos para uma estrutura molecular complexa com tais capacidades foi um processo complexo cujas etapas são ainda totalmente desconhecidas.

O que sabemos, graças à descoberta de microfósseis de cianobactérias no Sul da África e na Austrália, é que estas formas primitivas de vida, responsáveis pelo enriquecimento da atmosfera primitiva em oxigênio, através da fotossíntese, já estavam presentes na Terra há 3,5 bilhões de anos. Isto indica que a passagem de uma fase puramente química a estruturas com as capacidades acima mencionadas, ocorreu em uma escala de tempo da ordem de 1 bilhão de anos e que o surgimento de organismos multicelulares, com dimensões pouco superiores a 10 centímetros, necessitou mais 1,5 bilhão de anos.

*José Antônio de Freitas Pacheco é pesquisador Emérito da Universidade de Nice-Sophia Antipolis e do Observatório da Côte d’Azur.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.