Educação

Discurso de ‘aparelhamento’ ameaça autonomia da universidade pública

Reitor da USP reage à CPI que mira universidades paulistas e deputados federais criam Frente pela Valorização das Universidades Federais

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A criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Universidades Públicas, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), para investigar um possível “aparelhamento de esquerda” e gastos públicos excessivos na Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vem impulsionando outras articulações em prol das universidades federais.

Na quarta-feira 24, será criada na Câmara dos Deputados a Frente pela Valorização das Universidades Federais, que contará com uma coordenação colegiada formada pelas deputadas Margarida Salomão (PT-MG), Alice Portugal (PCdoB-BA) e pelos deputados Danilo Cabra (PSB-PE) e Edmilson Rodrigues (PSOL-PA).

Para a deputada Margarida Salomão, o objetivo é atuar na defesa da autonomia universitária e unir forças entre o Parlamento e as instituições de ensino com o objetivo de debater e construir projetos para a defesa do sistema de universidades federais.

A deputada federal Margarida Salomão (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

“Estamos vivendo um processo de ataque não só à autonomia universitária, mas também à sua subsistência, por meio de cortes sistemáticos nos orçamentos”, enfatiza.

USP, Unicamp e Unesp na mira

De autoria do deputado estadual Wellington Moura (PRB) e com apoio da base do governo de João Doria (PSDB), a CPI da Alesp também quer levar para discussão o processo de nomeação dos reitores das universidades e a cobrança de mensalidades por parte das instituições, ideia que vem sendo defendida como forma de diminuir a participação do Estado no orçamento.

Também consta entre as justificativas do requerimento para a investigação o fato de as universidades receberem 9,57% de arrecadação de ICMS do Estado, valor em torno de 9 bilhões de reais, e se declararem em “crise financeira, motivo alegado para deixar de honrar os salários, manutenção das instalações e, pasmem, suspensão de vestibular”. O texto ainda cita possíveis irregularidades no pagamento de salários pelas instituições, o que levaria as três universidades a extrapolarem o teto constitucional.

Para a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL), a CPI serve a dois propósitos, pautados pelo governo Bolsonaro e dos quais coadunam o governador João Doria. “Um é o da privatização das universidades, a ideia de passar o pente fino no orçamento é criar uma narrativa para isso. O outro de interferir na liberdade de cátedra e na autonomia universitária, garantidos na Constituição”, alerta.

“Estamos diante de uma política anti-intelectual, que não reconhece a importância dos centros de excelência, da ciência e da tecnologia que sofreu corte da ordem dos 40%, que pauta o esvaziamento do MEC. Estamos no segundo ministro que não tem a menor relação com a produção acadêmica ou com a gestão de conhecimento na educação”, enfatiza.

O deputado federal Alencar Santana (PT-SP), suplente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, considera a medida uma “forte agressão” não só às universidades de São Paulo, mas de outros Estados, por interferir em todo o processo universitário. “Não há qualquer dado concreto para a criação dessa teoria de que há irregularidade nas universidades. Elas precisam de maiores investimentos, e não de uma CPI como essa que quer perseguir pensamentos livres dentro das instituições públicas.”

Para Alencar, o governo tem usado a vinculação de orçamento via ICMS como uma desculpa para não colocar mais investimentos nas instituições. “Não necessariamente o que está vinculado ao ICMS é o necessário para a universidade, é uma garantia mínima para que ela não fique presa a uma vontade ou não do governo de plantão de alocar recursos, mas não significa por si só necessidade”, explica.

O parlamentar também condena uma possível revisão da nomeação dos reitores nas universidades, hoje feita pelo governador após ter acesso a uma lista tríplice, gerada a partir da participação de estudantes, professores e funcionários. “Deixar exclusivamente na mão do governador é permitir uma forte ingerência política em um espaço que deve ser livre”, avalia.

O deputado acredita ainda que uma possível cobrança de mensalidade por parte das universidades funcionaria como um mecanismo de “exclusão” para boa parte dos estudantes que estão no Ensino Superior e para os que ainda pensam em ingressar. “Precisamos é democratizar cada vez mais o acesso e a permanência dos estudantes nas universidades públicas”, defende.

Caça aos desvios

O professor Vahan Agopyan, reitor da USP, entende que é “salutar” discutir a função das universidades públicas e explicar a importância de tais instituições para a sociedade, mas reitera que, no âmbito de uma CPI, somente se procura desvios. “Esse definitivamente não é o caso das universidades públicas paulistas, que, desde a implantação da autonomia, aumentaram o seu desempenho, tanto em quantidade quanto em qualidade e, hoje, além de se destacar dentre as universidades latino-americanas, têm um grande reconhecimento internacional.”

O reitor da USP, Vahan Agopyan, condena o discurso de que as universidades estariam servindo a um “aparelhamento de esquerda” (Foto: Marcos Santos/USP)

Agopyan condena a narrativa utilizada pelos parlamentares que apoiam a CPI que o orçamentos das universidades estaria servindo a um “aparelhamento de esquerda”. “O que as universidades públicas paulistas estariam fazendo? Contratando apaniguados? Gastando recursos em propaganda esquerdista? Logicamente que isso é inviável numa instituição que não investe em propaganda, e as contratações e promoções dos docentes são por concursos públicos, com comissões julgadoras formadas com a maioria dos seus membros externos ao departamento envolvido”, defende.

O reitor também se coloca em relação às demais pautas colocadas pela CPI: “a cobrança de mensalidades é vetada pela Constituição, portanto, pode-se discutir o tema, mas a decisão é do Congresso Nacional. Reafirmo que é uma decisão política e não ideológica – país comunista como a China cobra efetivamente dos seus estudantes universitários (até o ensino médio não há cobranças) e um país capitalista, como a Alemanha, tinha valores simbólicos como pagamento do ensino superior para seus cidadãos e, agora, resolveu reduzir ainda mais, com cursos que cobram 700 euros por ano. Mesmo a Coreia, símbolo do capitalismo, as universidades públicas cobram cerca de 5 mil dólares por ano”.

“Quanto à eleição de reitor, não conheço universidade de pesquisa de excelência que tenha seus dirigentes escolhidos diretamente pelos governos. Em alguns países totalitários isso ocorreu no passado recente – União Soviética e, mais perto, o Equador -, mas o resultado foi péssimo em curto espaço de tempo”, finaliza.

A reportagem procurou o Governo do Estado de São Paulo sobre a criação da CPI no âmbito da Alesp, que se pronunciou via Secretaria de Desenvolvimento Econômico: “A Secretaria esclarece que respeita a autonomia das universidades Estaduais paulistas e não interfere em suas gestões administrativas, pedagógicas e financeiras”.

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