Biologia

Caçadores dos setes mares

Quem são os principais predadores dos oceanos e por que muitos deles sofrem risco de extinção

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Quando falamos em predadores logo pensamos nos grandes animais terrestres como leões, ursos, lobos e tigres. Mas esses temidos bichos não são páreo para os gigantes marinhos que fazem parte do topo da cadeia alimentar dos oceanos e mares. Muitos deles, infelizmente, estão ameaçados de extinção.

O mais conhecido caçador marítimo é a orca, também chamada de baleia-assassina. Com tamanhos enormes (os machos atingem 10 metros de comprimento e cerca de 10 toneladas, as fêmeas chegam a 8,5 metros de comprimento e pesam entre 6 e 9 toneladas), elas possuem cores branca e preta. Em suas superfícies, desenhos bem definidos variam sutilmente entre as populações de subespécies espalhadas pelos oceanos.

As orcas têm um sistema social complexo: seguem uma linha matriarcal, com uma fêmea mais velha liderando o grupo e seus descendentes. Extremamente inteligentes, elas são capazes de saudar com carícias e sons animais de famílias diferentes ou parentes em um ritual de reconhecimento.

O nome baleia-assassina, consagrado pelo cinema, de correto não tem nada. Primeiro, porque as orcas não são baleias, elas fazem parte do grupo dos golfinhos. Aliás, são os maiores representantes da ordem desses animais, os cetáceos. Outro erro nesse apelido é que as orcas não são assassinas, mas caçadoras.

A primeira descrição da espécie foi feita por um dos maiores naturalistas da Antiguidade, o romano Plínio o Velho, que já a descrevia como um monstro marítimo feroz. Herança dos antigos romanos, o nome orca deriva de orcus, que significa inferno ou deus da morte.

O termo baleia-assassina foi uma tradução direta do inglês whale killer, resultado errôneo da tradução do espanhol e posteriormente do português. O significado original era “assassina de baleias”.

O fato é que as orcas caçam peixes, polvos, pinguins, tartarugas, tubarões, leões-marinhos, focas e baleias (essas muitas vezes bem maiores). Para capturá-las, elas usam táticas elaboradas: algumas orcas espantam a presa, enquanto outras atacam de surpresa, assim como fazem os leões para encurralar suas presas. As orcas também capturam baleias filhotes: perseguem a mãe e sua cria até que fiquem cansadas, depois afundam o filhote, impedindo que ele suba à superfície para respirar. Após morrer por afogamento, elas o devoram.

Os leões-marinhos são caçados até mesmo nas praias, quando estão muito próximos da água. Depois de abatidos, são lançados para o alto com fortes golpes aplicados pelas orcas, utilizando sua potente nadadeira da cauda. O intuito é soltar a pele do leão-marinho para poder devorar a carne com mais facilidade.

À primeira vista todas essas descrições parecem cruéis, mas trata-se de comportamentos e adaptações para a sobrevivência. Nunca houve um registro de acidente com seres humanos causado por orcas na natureza, diferentemente do que já aconteceu no cativeiro. Quem assiste às apresentações de orcas e golfinhos nos parques aquáticos espalhados pelo mundo não imagina o tormento que esses animais passam. Espécies que dificilmente se reproduzem em cativeiro, por isso, a grande maioria é capturada por redes nos oceanos. Muitos morrem ou sofrem consequências geradas pela captura, como doenças respiratórias adquiridas por longa permanência fora da água, estresse constante e abortos em fêmeas grávidas.

São levados para viver em piscinas minúsculas se comparadas à sua vida em liberdade, e nelas sua pele e olhos sofrem com os produtos químicos usados nas águas do seu novo “lar”. São forçados a fazer truques e acrobacias e quando não o executam sua alimentação é retirada. Tudo isso é extremamente desastroso para os animais e pode trazer consequências para seus treinadores. Um exemplo foi o que aconteceu em 2010 no Parque Sea World, nos Estados Unidos. Uma orca macho chamada Tilikum matou sua treinadora por afogamento segurando-a pelos cabelos no fundo da piscina. Essa mesma orca já havia feito outra vítima em um parque no Canadá em 1991. Culpada pelo acidente ou revoltada pela prisão?

Uma parente próxima das orcas é a baleia-cachalote. Sua fama originou-se após o lançamento do livro Moby Dick, do norte-americano Herman Melville, em 1851. Na obra, um cachalote-branco consegue sobreviver aos ferimentos causados por vários caçadores e destruir a todos que a machucaram.

Os cachalotes são os maiores animais com dentes existentes no planeta. São mamíferos que podem mergulhar a até 3 mil metros de profundidade durante 90 minutos! Capturam peixes, arraias, polvos e as misteriosas lulas-gigantes, que vivem em grandes profundidades e pesam até 300 quilos. Muitos cachalotes apresentam marcas das ventosas das lulas-gigantes em sua pele. São cicatrizes das batalhas travadas entre esses grandes animais durante as caçadas.

No passado, os cachalotes foram caçados aos milhares. Os principais alvos eram os grandes machos, e registros de esqueletos em museus mostram que eles podiam atingir até 26 metros de comprimento e 125 toneladas. Os machos menores foram os que deixaram os descendentes atuais. Por isso, hoje os cachalotes atingem no máximo 18 metros e 52 toneladas.

Bem menores, parte dos pinípedes é de predadores excepcionais. O grupo desses animais é representado pelos leões-marinhos, elefantes-marinhos, lobos-marinhos, morsas e focas. Uma espécie pouco conhecida, já que vive nas águas geladas da Antártida, é a foca-leopardo. São mamíferos robustos e musculosos. As fêmeas são geralmente maiores, medindo até 3,5 metros e pesando 600 quilos, e os machos têm 3 metros e 400 quilos. Estão entre os mais eficientes predadores dos oceanos, temendo apenas as orcas. Seu principal alimento são os pinguins, que fogem prontamente quando avistam uma foca-leopardo. Existe apenas um registro oficial de acidente com pessoas. Em 2003,  uma foca-leopardo atacou e matou uma bióloga mergulhadora. Com exceção de pesquisadores, dificilmente uma pessoa poderá ter contato com o animal.

Outro predador de pequeno porte é um animal mais comum, a moreia. Embora pareçam uma cobra, elas não são serpentes, são peixes com dentes bem afiados. Elas não possuem veneno e não matam pessoas. Caçam apenas outros peixes para sobreviver.

É fácil adivinhar qual o animal mais temido de todos os habitantes dos oceanos, não? Os tubarões, com algo em torno de 375 espécies diferentes. A maior delas é o tubarão-baleia, que chega a 12 metros de comprimento e 13 toneladas. Embora tenha esse tamanho todo, são peixes filtradores que se alimentam de minúsculos organismos animais e vegetais chamados plâncton.

As espécies mais vorazes e que, por consequência, são as que acabam causando mais acidentes com seres humanos são o tubarão-tigre, o tubarão-branco e o tubarão-cabeça-chata.

O tubarão-tigre vive nas águas tropicais dos oceanos. É bastante comum no Nordeste do Brasil. Seus dentes possuem forma triangular curva, parecidos com um abridor de latas, possibilitando cortar ossos, carne e até o casco da tartaruga. O tubarão-tigre gosta muito de caçar peixes, focas, lulas e tartarugas. Seu nome vem das listras verticais que possui em suas costas.

O tubarão-branco é o maior carnívoro entre todos. Os adultos podem atingir entre 5 e 6 metros de comprimento e 1,9 tonelada de peso. Apesar do seu nome, ele é branco apenas em seu ventre, suas costas são cinza ou azuladas. Esse padrão de cores serve como camuflagem, para confundir a presa.

Gostam de caçar mamíferos marinhos, principalmente focas e leões-marinhos. Próximo à Austrália, os tubarões-brancos atiram-se com tanta força para abocanhar focas na superfície que acabam saltando para fora da água com a presa entre os dentes antes de mergulhar. Um tubarão adulto pode engolir até 14 quilos de carne em uma só mordida.

A espécie de tubarão que causa mais acidentes com pessoas é o cabeça-chata, cujo comprimento varia entre 2 e 3 metros. Alimenta-se de peixes, arraias e até aves marinhas. Vivem tanto na água salgada quanto na doce. Já foram encontrados a 3 quilômetros acima do Rio Mississippi e existem relatos de que já subiram o Rio Amazonas até a cidade de Manaus. No Brasil são encontrados, principalmente, nas praias da cidade do Recife, onde foram responsáveis por diversos ataques a banhistas.

Vários fatores podem estar ligados a esses ataques, como o aumento do número de banhistas, a influência dos ventos, correntes marítimas e o relevo submarino. Mas especialistas defendem que a construção do Porto de Suape, ao sul do Recife, pode ser o maior fator para o grande número de tubarões na área, já que esses animais costumam seguir as grandes embarcações à procura de restos de alimentos que são jogados nos oceanos.

Ameaças 
A caça às baleias foi uma atividade atrativa durante muitos anos. Navios-fábrica conseguiam capturar muitos animais e processar a carne, o óleo e outros produtos. A captura foi proibida em meados dos anos 1980. A autorização da pesca com “fins científicos”, no entanto, em alguns países, principalmente o Japão, continua abatendo baleias todos os anos. Os produtos obtidos com essas práticas são facilmente encontrados nos mercados japoneses.

As orcas também foram amplamente caçadas no século XX. O país que mais as abateu foi a Noruega: em média, 56 animais foram mortos por ano, no período de 1938 a 1981. O Japão capturou, também em média, 43 orcas por ano, entre 1946 e 1981. Levando em conta que uma fêmea tem no máximo cinco filhotes em toda a vida, a recuperação das populações desses animais é bastante lenta.

Entre outras ameaças, destacam-se as colisões com grandes navios, a captura em redes de pesca, a contaminação com produtos tóxicos, a ingestão de resíduos, como plástico, e a poluição química e sonora.

Os tubarões também são afetados por esses efeitos e impactos, incluindo a pesca esportiva. Como o homem não faz parte da cadeia alimentar dos predadores marinhos, os fatos que eventualmente aconteçam são mesmo acidentais. Se nada for feito, porém, para preservarmos os oceanos e seus moradores, em pouco tempo muitas espécies desaparecerão. É possível utilizarmos os recursos marinhos de forma menos agressiva e mais equilibrada, possibilitando a reprodução e a recuperação de peixes e outros animais que fazem parte dessa cadeia. A única certeza é de que se continuarmos impactando dessa forma os oceanos, os efeitos atingirão aos animais e, sem dúvida, também a nós mesmos.

Guilherme Domenichelli é biólogo e autor de O Resgate da Tartaruga (Panda Books) e outros livros infantis.

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