Educação

“A educação no Brasil só vai respirar quando Bolsonaro deixar a presidência”, diz Daniel Cara

Para professor, com a saída de Weintraub, e a possível chegada de Carlos Nadalim, ‘trocamos um olavista raiz por um olavista gourmet’

Foto: Jane de Araújo/Agência Senado Foto: Jane de Araújo/Agência Senado
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O professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Daniel Cara não tem nenhuma esperança de que a saída de Abraham Weintraub do Ministério da Educação represente uma mudança significativa no setor.

Em entrevista exclusiva para CartaCapital, o professor afirma que “a educação só vai respirar quando Jair Messias Bolsonaro deixar a presidência da República”.

Na conversa, Cara diz o que espera caso o secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, cotado para o cargo, assuma a pasta. “Nadalim tem condição de ser ultraliberal como Guedes e obscurantista como Weintraub. Ou seja, pode ser a versão do governo que as elites digerem: um ultraliberalismo obscurantista polido, menos verborrágico”, declara.

Leia a entrevista completa:

CartaCapital: Estamos caminhando para o terceiro ministro da educação no governo Bolsonaro, Ricardo Velez, Abraham Weintraub e agora, possivelmente, Carlos Nadalim. O que é comum a essas gestões e o que recai sobre o MEC e a educação brasileira sob o bolsonarismo?

Daniel Cara: As três gestões têm como marca o olavismo, sendo que, pasme, Ricardo Vélez Rodríguez é o menos sectário. Isso mostra que o pilar ideológico do governo instrumentalizou a área, pesadamente. Aliás, é importante deixar claro: a política educacional bolsonarista é a guerra cultural olavista. Nesse sentido, tomando o direito à educação como referência, estamos andando para trás – tanto em termos de democratização do acesso quanto, principalmente, em qualidade.

CC: Como você avalia a trajetória de Abraham Weintraub frente ao MEC? A sua saída é a melhor decisão para a educação brasileira?

DC: Em termos práticos, trocamos um olavista raiz por um olavista gourmet. Ou seja, vai mudar pouca coisa para quem estuda em escolas públicas e institutos federais de Educação Superior. A mais importante diferença é que Abraham Weintraub, mesmo sendo um ultraliberal, rompeu relações com associações e fundações empresariais por volta de outubro de 2019. Nadalim já acena para as organizações empresariais que atuam na questão educacional, em especial acena para a ONG Todos pela Educação, que tem a função estratégica – e cínica, por isso relevante – de camuflar, ou embalar, a pauta ultraliberal que defende para a área. Portanto, Nadalim tem condição de ser ultraliberal como Guedes e obscurantista como Weintraub. Ou seja, pode ser a versão do governo que as elites digerem: um ultraliberalismo obscurantista polido, menos verborrágico.

CC: O que esperar de Carlos Nadalim na condução do ministério da Educação?

DC: Privatização e obscurantismo com mais discrição. Ou seja, é perigoso. Agora, é preciso ficar claro, o problema dorme no Palácio da Alvorada e trabalha no Palácio do Planalto. A educação só vai respirar quando Jair Messias Bolsonaro deixar a presidência da República.

CC: Qual sua análise sobre a atuação do Ministério da Educação no contexto da pandemia do coronavírus? Temos ouvido falar em uma completa apatia da pasta, você concorda? Quais ações caberiam ao ministério neste momento?

DC: O Ministério da Educação é apático e o Conselho Nacional de Educação, composto por Michel Temer, está preso a vínculos com a visão empresarial, portanto, mercantilista da educação. O que o governo federal deveria fazer é prestar assessoria técnica e financeira a Estados e Municípios, mobilizar as Universidades Federais para apoiar redes públicas. Ou seja, devia fazer o que demanda a Constituição, devia cumprir seu dever e trabalhar. Mas a educação está sendo gerida pelo Twitter desde 2019. E, no governo Temer, foi gerida pelas associações e fundações empresariais. Portanto, desde 2016 o governo federal não se preocupa em buscar meios para universalizar o direito à educação.

CC: Com a pandemia, uma das primeiras medidas do presidente Jair Bolsonaro foi a de suspender a obrigatoriedade das escolas cumprirem a quantidade mínima dos 200 dias letivos, mas manteve a carga anual de 800 horas. Como avalia essa medida e o que ela implica, na prática?

DC: Essa medida de flexibilização já consta da LDB, portanto, é inócua. Mas qual foi a razão da MP? Autorizar a Educação a Distância como equivalente à Educação Presencial para a Educação Básica e regulamentar a Educação Domiciliar. E fazer isso não apenas agora, mas para sempre. Para quem é mal-intencionado, a pandemia virou uma justificativa, e até mesmo uma tempestade perfeita, para desconstruir o direito à educação. E o MEC, o CNE e as associações e fundações empresariais lançam mão de estratégias para regulamentar e incentivar meios de privatização da educação. Por que querem precarizar? Não. Porque, indignamente, acham que a educação pública custa caro. E olha que o Brasil investe muito pouco.

CC:  Os estados e municípios têm atuado com programas educacionais alternativos que mesclam atividades a distância, apoios de tvs e entrega de materiais impressos. Ainda assim, há relatos de problemas de acesso aos conteúdos por parte de alunos e dificuldades de engajamento e condução por parte de estudantes e professores. Vê falhas nesse processo? Quais seriam as soluções mais adequadas para o momento?

DC: A única solução seria trabalhar e decidir com as professoras e os professores das redes, envolver o máximo possível as famílias e buscar prover as e os estudantes de condições para acompanhar o trabalho pedagógico. Isso não está sendo feito. Ocorre que a maior parte dos secretários, especialmente os estaduais, nunca trabalharam em escolas públicas, nunca leram um clássico da Pedagogia. Os secretários municipais são razoavelmente melhores. A verdade é que governadores e prefeitos, salvo raras exceções, escolhem pessoas incompetentes para gerir a área. Evita o que eles acham que é um problema: gestores que querem pagar bons salários e dotar as escolas de condições pedagógicas para o processo de ensino-aprendizado. Competência pedagógica é um perigo para o projeto de descaso com a educação.

CC: Outro ponto polêmico foi a resistência do MEC em modificar as datas iniciais previstas para as provas do Enem. Na sua opinião, é possível realizar qualquer tipo de avaliação neste momento, não só as externas, como as internas previstas pelas redes educacionais?

DC: O Brasil deveria se preocupar em salvar vidas, não o ano letivo. Deveria estar dedicado a acolher os alunos e as alunas, bem como suas famílias. Tinha que distribuir alimentos, bem como dar aos professores e alunos condições para, juntos, realizarem – no que for possível – o processo de ensino-aprendizado. Mas a verdade é que somos um país de leões governados por hienas. E a Educação é uma das áreas mais prejudicadas por isso porque é a maior.

 

CC: Ainda no contexto do fechamento das escolas, se tornou flagrante a preocupação com a merenda escolar. Alguns estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, têm direcionado os recursos para a alimentação somente aos estudantes cadastrados em programas de assistência social, como o Bolsa Família. Como avalia essa solução do ponto de vista do direito à alimentação? Quais seriam as soluções cabíveis?

DC: Distribuir alimentos. Não há outra resposta. E precisa ser alimento de pequeno produtor, preferencialmente da agricultura orgânica. Por que? Porque é preciso criar uma cadeia de produção e distribuição que beneficie quem mais precisa: alimento de qualidade para as famílias e apoio aos agricultores familiares e pequenos empresários de logística.

CC: Como ficou o cronograma de tramitação do Fundeb com a chegada da pandemia do coronavírus? Nesse momento, a continuidade do Fundo corre risco?

DC: O Fundeb corre risco porque Rodrigo Maia é um político feito pela História. Ou seja, ele não fez a própria História. É herdeiro de um cacique político decadente do Rio de Janeiro, o César Maia. É ruim de voto. E se não desempenhase a função de distribuir cargos ao Centrão no governo Temer hoje sequer seria deputado. Sem brilho e força, porque tudo que ele tem pertence à cadeira que ocupa – da Presidência da Câmara dos Deputados – ele precisa obedecer a um Senhor. O dele é o mercado financeiro. E o mercado financeiro não quer ouvir nada sobre o Fundeb. Obediente aos seus mandatários, Maia não pauta. Essa é a política como ela é: crua e fisiológica, mesmo quando se trata do direito à educação. Porém, ainda nutro esperança de que um fato político ou uma fagulha de grandeza façam com que ele paute o tema. Sem Fundeb a educação entra em colapso.

CC: Quais são, hoje, os principais desafios da educação brasileira?

DC: São muitos e históricos. Mas para todos eles há uma solução. Muitos falam que as políticas públicas devem ser formuladas com base em evidências empíricas. Eu concordo. A questão é que as evidências empíricas das políticas educacionais devem ser as evidências pedagógicas. A Ciência que deve orientar a Educação são a Pedagogia e as demais Ciências da Educação. O Brasil não vai investir adequadamente em educação considerando a opinião de economistas. Jornalistas não fazem bons currículos, por mais que escrevam boas matérias. Médicos não sabem criar políticas de valorização docente. Há um saber especializado, o saber pedagógico, e quem domina esse saber, que é teórico e prático, somos nós professoras e professores. Como não vão nos dar espaço, vamos brigar pelo que é nosso. A Educação de qualidade deve ser laica, mas tem até um ensinamento de Cristo que ilustra o problema: é preciso dar a Cesar o que é de Cesar. Ou seja, a Educação deve ser entregue às professoras e aos professores. E precisa ser professora e professor que conhece a escola pública. Esse é o caminho. Não é aceitável um país como o Brasil ter um debate público e dar voz a vocalizadores empresariais mais rasos que a profundidade de um pires.

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