Edição da Semana

A violência contra as mulheres é entrave à maior participação feminina na política

Novas leis e iniciativas tentam mudar o ambiente machista e misógino dos partidos

Vítimas. O assédio a Isa Penna foi flagrado pelas câmeras. De Dilma Rousseff a Simone Tebet, nada mudou
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Em agosto, a violência política contra mulheres tornou-se crime e as penas variam de um a quatro anos de prisão, além de multa. Quando foi apeada do poder, em 2016, a então presidenta Dilma Rousseff não tinha uma lei à qual recorrer e foi obrigada a sofrer calada os ataques misóginos que embalaram a campanha do impeachment.

Cinco anos depois, as novas regras, espera-se, vão conter o machismo, hábito entranhado nas relações partidárias e no exercício da atividade, conforme constata a pesquisa Política de Saia, desenvolvida pelo Projeto Justiceiras: 51% das brasileiras sofreram algum tipo de violência na esfera política, seja como eleitoras, seja como candidatas, ou depois de eleitas.

Segundo o estudo, as violências de gênero mais comuns são ofensas morais e xingamentos, exclusão, expulsão ou restrição a espaço político, ameaças, ataque sexual, fake news, agressão física e invasão nas redes sociais. Essas informações talvez expliquem a baixa representatividade feminina nos espaços políticos, apesar de comporem 52% do eleitorado e a maioria da população. A bancada de mulheres na Câmara conta com 77 ­deputadas, de um total de 513 parlamentares, e, no Senado, elas são 14 em oposição a 67 homens. Das 27 unidades da federação, apenas o Rio Grande do Norte é governado por uma mulher, a petista Fátima Bezerra. Em toda a história do Brasil, apenas seis mulheres ocuparam cargo semelhante ao de Bezerra. Nas últimas eleições estaduais, 161 se elegeram deputadas. Nas municipais, 898 viraram vereadoras. Mesmo assim, 900 municípios não registram representação feminina no Legislativo.

“Vivemos em um país sexista, onde a violência política é um fator preponderante para o afastamento das mulheres da política. Mesmo depois de eleitas, elas são submetidas a situações de violência cotidiana”, afirma a advogada Luciana Terra, integrante do Projeto Justiceiras e coordenadora do Política de Saia. “Além da violência política, faltam informação e capacitação nos partidos, o que afasta as mulheres.” Um dos casos mais recentes de violência política de gênero amplamente divulgado deu-se com a senadora emedebista Simone Tebet, durante a CPI da Pandemia. Em depoimento na Comissão, o ministro da ­Controladoria-Geral da União Wagner Rosário interrompeu uma exposição da senadora para chamá-la de “descontrolada”. “Os episódios da CPI deixaram claro o quanto o machismo é estrutural no Brasil. O lado positivo é que o tema veio à tona e o debate está posto, um bom caminho para o combate à violência política”, comenta Tebet, ao ressaltar a dificuldade que as mulheres enfrentam no ambiente político pelo simples fato de serem mulheres. “Precisamos estar mais preparadas, estudar mais, para conquistarmos o respeito dos colegas. Muitas vezes, sofremos assédio, desrespeito, não somos ouvidas no momento do discurso, somos desmerecidas e temos dificuldade de ocupar postos de comando e receber boas relatorias de projetos. Por isso, precisamos empurrar a porta para que a nossa voz seja ouvida.”

Novas leis e iniciativas tentam mudar o ambiente machista e misógino dos partidos

Outro caso de grande repercussão foi o assédio sofrido pela deputada estadual por São Paulo Isa Penna, do PSOL. Em dezembro do ano passado, o colega Fernando Cury passou a mão no seio de Penna, cena registrada pelas câmeras de segurança da Assembleia Legislativa. O parlamentar foi denunciado pelo Ministério Público por crime de importunação sexual, afastado do mandato por 180 dias e expulso do partido, o Cidadania. “Eu sempre lutei pela cassação e seguirei lutando. A pena foi brandíssima, mas simbólica, porque o caso não deveria passar batido”, salienta a parlamentar. A deputada federal Tabata Amaral, do PSB, é outra que, não raro, acaba vítima de assédio por ser mulher. O mais conhecido é o episódio com o ator José de Abreu, que compartilhou uma publicação em uma rede social que afirmava: “Se eu encontrasse a Tabata Amaral na rua, eu dava socos”. O ator, que excluiu a postagem e se desculpou, tem quase 500 mil seguidores.

O histórico de violência política contra a mulher fere o arcabouço jurídico que estimula a participação feminina na política. Sancionada em agosto passado, a Lei 14.192 “estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas”. A legislação eleitoral garante, por sua vez, que 30% dos recursos dos fundos eleitoral e partidário e do tempo de rádio e tevê sejam destinados a campanhas femininas, enquanto os partidos são obrigados a destinar 30% das vagas para mulheres. Na minirreforma política aprovada em setembro, ficou estabelecido que os votos dados a mulheres, assim como a negros, serão contados em dobro para efeito da distribuição dos recursos dos fundos partidário e eleitoral nas eleições de 2022 a 2030. É comum, no entanto, muitas legendas fraudarem o processo ao lançar candidaturas laranjas.

“As mulheres não sabem como se candidatar a um cargo político, muitas vezes por questões partidárias ou pelo sistema no qual estão inseridas. A maioria das candidatas informou que as promessas de campanha não foram cumpridas por seus partidos”, diz Terra. Segundo a advogada, a pesquisa divulgada no fim de novembro representa a primeira etapa. O estudo segue até outubro do ano que vem e qualquer mulher pode participar, acessando o site ou as redes sociais do Justiça de Saia ou Justiceiras. Também faz parte do projeto apoiar, orientar e formar as mulheres para participarem da política.

Na mesma linha, o projeto Todaz, recém-lançado, propõe-se a preparar a população feminina para a disputa eleitoral do ano que vem. A ideia é realizar cursos voltados para candidatas com foco na comunicação, baseando-se em quatro eixos centrais: planejamento, estratégia, criação e produção e imprensa. “Nosso objetivo é fomentar candidaturas de mulheres progressistas que ainda não tenham sido eleitas, para que sejam competitivas e vitoriosas em 2022 e, assim, tornar a política mais representativa e a nossa democracia mais fortalecida”, destaca Ananda Miranda, vice-presidente do instituto. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1186 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE DEZEMBRO DE 2021.

CRÉDITOS DA PÁGINA: ROBERTO STUCKERT FILHO, DIEGO BRESANI E REDES SOCIAIS

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