Economia

“Vai ser bem difícil Paulo Guedes se sustentar no cargo”

Para analista do mercado, ideias do ministro não servem para o caos da ‘coronacrise’ descrito por Unicamp e UFRJ

O ministro da Economia, Paulo Guede. Foto: Carl de Souza/AFP
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Rodrigo Maia, presidente da Câmara, é neoliberal e sempre apoiou os planos do ministro da Economia, Paulo Guedes, de enxugar o Estado brasileiro. O que achou da guinada momentânea do governo, de apelar a ações estatais contra o coronavírus e seus efeitos econômicos? “A pessoa que fica fixada numa posição, vendo um tsunami chegar no Brasil, está com algum problema”, diz.

Já há análises a traçar cenários de fato dignos de um tsunami. Guedes terá condições de seguir no cargo, se sua formação é contra tudo aquilo que provavelmente o governo terá de fazer contra os estragos à frente? “Vai ser bem difícil ele se sustentar. Talvez tenhamos uma economia destruída, com uma capacidade ociosa grande, depois que o pior passar. Não vai ter como reagir só com juros”, diz André Perfeito, economista-chefe da Necton, consultoria financeira.

O ministro, comenta Perfeito, é um economista do “lado da oferta”. Defende incentivar lucros e investimentos empresariais, para isso levar depois a mais emprego e salário. A reforma da Previdência de 2019 encaixava-se nesse roteiro, ao induzir a queda do juro bancário, um estímulo a investimentos. A taxa do Banco Central (BC) é hoje o menor da história do País, 3,75%.

Diante do coronavírus, porém, há pouco a ser feito pelo BC (o mesmo vale para o de outros países), na visão de professores de economia da Unicamp. “A atuação das autoridades monetárias na atual crise apenas é capaz de adiar o colapso do mercado de crédito, sem ter nenhuma capacidade de normalizar a atividade produtiva”, afirma o grupo no documento “Coronacrise”, de 19 de março.

A Unicamp é uma escola econômica pelo “lado da demanda”, o oposto de Guedes. O consumo popular e o gasto público (política fiscal) seriam mais importantes, os indutores do investimento empresarial. Tudo o que a “coronacrise” exigirá, segundo o documento. “O combate aos efeitos econômicos e sociais da crise será uma das operações fiscais mais ousadas da história recente do capitalismo.”

A diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, escreveu no blog da entidade que o FMI está pronto para mobilizar 1 trilhão de dólares contra o coronavírus e seus estragos. É mais dinheiro, anotou ela, do que os países do G20, as 20 maiores economias do mundo, gastaram em 2009 por força da crise financeira global que tinha explodido em 2008, 900 bilhões.

As previsões de impacto pelo mundo são alarmantes. O banco JP Morgan, por exemplo, prevê queda de 14% da economia americana no segundo trimestre e 1,8% no ano. “A economia brasileira deverá mergulhar numa recessão em 2020, provocando a ampliação do número de desempregados e da população em situação de extrema pobreza”, dizem 75 professores de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em uma análise de 18 de março sobre o vírus e seus impactos.

A UFRJ é da mesma escola econômica da Unicamp. “A recessão está contratada e pode ter a gravidade de uma depressão caso não sejam utilizados todos os instrumentos disponíveis de política econômica, sobretudo os fiscais, para combater a crise. Em uma economia sob efeito da Covid-19, haverá um esgotamento da capacidade instalada e escassez da mão de obra no setor saúde, combinados a desemprego e falta de produtos e insumos nos outros setores”, diz a análise.

Se o governo Bolsonaro apelou à política fiscal diante da pandemia, o fez de forma demorada e, até agora, tímida, na visão dos professores da Unicamp e da UFRJ.

As medidas já anunciadas (benefício emergencial a trabalhador informal, antecipação do 13o do INSS e do abono salarial, adiamento do recolhimento de FGTS e impostos por certas empresas, injeção de verba no Bolsa Família e no SUS, uso do seguro-desemprego para ajudar funcionário que tiver corte de salário e jornada) não chegam a 200 bilhões de reais. E nem tudo é dinheiro novo que entrará na economia, mas antecipação, caso do 13o e do abono salarial.

O PIB brasileiro foi de 7,2 trilhões no ano passado e, “numa conta de padeiro”, diz André Perfeito, equivale a uns 600 bilhões por mês. Um pacote governamental teria de ser ao menos perto desse último valor, afirma ele. “Não tem como ficar otimista.”

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