Economia

Toffoli valida decreto inconstitucional de Temer

O presidente do STF cassa liminar do ministro Marco Aurélio e autoriza a retomada da venda de ativos da Petrobras sem licitação

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O ministro Dias Tofolli, presidente do STF, cassou no sábado 12 liminar do ministro Marco Aurélio que suspendera o decreto nº 9.355/2018 do ex-presidente Michel Temer. Segundo os advogados Raquel Sousa e Carlos Cleto, que assinam a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o decreto o nº 9355, “todos os negócios e todas as alienações realizadas com base na sistemática de desinvestimento sem licitação permitida pelo decreto º 9.355/2018 mostraram-se nocivas ao País e causaram prejuízos imensos à Petrobras, pois desobrigar a companhia a fazer licitação é uma porta aberta para a corrupção”.   ,

CartaCapital: Qual é a importância da liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio, que suspendia o decreto nº 9.355/2018 do ex-presidente Michel Temer?

Raquel Sousa e Carlos Cleto: O Decreto nº 9.355 / 2018 foi o instrumento inconstitucional criado por Michel Temer tendo por primeira finalidade “legalizar” o Plano de Desinvestimentos da Petrobras, que era todo implementado através de obscuras negociatas feitas sem licitação, através de um instrumento que a Petrobras apelidou de “Sistemática de Desinvestimentos”, o qual é baseado em convidar empresas para comprar ativos da Petrobras e celebrar esses negócios sem qualquer transparência.

Além disso, a “Sistemática de Desinvestimentos” se baseava na ausência de um marco legal restrito para as vendas de ativos realizadas pela Petrobras. Ocorre que a partir de primeiro de julho de 2018, iriam entrar em vigor as Regras de Licitação previstas na Lei nº 13.303 / 2016, que são extensas e estritas.

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Portanto a segunda finalidade do Decreto nº 9.355 / 2018 é impedir que as regras moralizantes da Lei nº 13.303 / 2016 sejam aplicadas à Petrobras, o que é uma situação escandalosa, em termos constitucionais: o presidente da República publicar um Decreto para impedir a vigência de uma Lei Federal. Por isso, a liminar deferida pelo Ministro Marco Aurélio era importantíssima para impedir que essa barbaridade anti-jurídica perpetrada por Michel Temer continuasse a produzir seus efeitos deletérios.

Ademais, cumprir a Lei Federal não dói. Suspenso o Decreto nº 9.355 / 2018, a conseqüência seria obrigar a Petrobras a se ater às regras da Lei nº 13.303 / 2016.

CC: Qual é o sentido e quais são as consequências da decisão do presidente do STF, ministro dias Tofolli, de cassar aquela liminar no dia 12 deste mês?

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RS-CC: A decisão do ministro Dias Toffoli permite que a Lei Federal nº 13.303 / 2016 continue a ser rasgada. Pior ainda é que o Ministro Dias Toffoli expressamente considerou “legal” que aquela Lei não seja aplicada, como divulgado no site do STF: “Toffoli considerou que a complexidade e o vulto da operação financeira para manifestação dessa preferência por parte da Petrobras demandam a formação de parcerias com outros agentes econômicos que atuam no setor, o que não seria possível no âmbito  da Lei nº 13.303/2016 (Estatuto Jurídico das Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista), como havia determinado o ministro Marco Aurélio na decisão em que suspendeu os efeitos do decreto presidencial.” Acredito que é a primeira vez na história do Supremo Tribunal Federal que razões de mera conveniência são invocadas para preterir a aplicação de uma Lei Federal. Como se percebe, os “argumentos” do Ministro Dias Toffoli para impedir a aplicação da Lei Federal nº 13.303 são que essa Lei atrapalha a Petrobras, “a complexidade e o vulto da operação financeira para manifestação dessa preferência por parte da Petrobras demandam a formação de parcerias com outros agentes econômicos que atuam no setor, o que não seria possível no âmbito  da Lei nº 13.303/2016”.

O deputado Eduardo Bolsonaro pode dispensar seu cabo e seu soldado, pois aquelas palavras representam um fechamento moral do Supremo Tribunal Federal.

CC: Qual é o significado de Toffoli apenas divulgar a decisão à mídia sem, ao menos no início, tê-la juntado aos autos? Há precedentes desse tipo de atitude?

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RS-CC: Infelizmente, vivemos tempos em que o inimaginável tornou-se habitual. Já faz algum tempo que a saudável expressão “juiz só fala nos autos” caiu em desuso, e tornou-se prática costumeira de muitos membros do Poder Judiciário divulgar à imprensa suas decisões antes mesmo de colocá-las nos autos.

CC: A precedência da manifestação com recurso à mídia em detrimento da praxe consagrada de o juiz só falar nos autos denota que tipo de mutação nas instituições e na sociedade?

RS-CC: Certamente esse é mais um sintoma de que o Estado de Direito deixou de existir. O Poder Judiciário é o guardião da Lei; quando o próprio juiz descuida do cumprimento da Lei, e quando essa prática se torna habitual, não podemos mais supor que o Estado de Direito ainda exista.   O risco é bem conhecido. Usando as regras da tal “Sistemática de Desinvestimento”, agora transplantadas para o Decreto nº 9.355 / 2018, a Petrobras efetuou diversas vendas nefastas de ativos. Por exemplo, a NTS foi vendida por preço equivalente ao seu lucro de cinco anos, e Carcará, um dos mais ricos campos do Pré-Sal, foi doado por preço irrisório. Com o Decreto nº 9.355 / 2018, essas vendas desastrosas irão continuar a acontecer, com resultados tristemente previsíveis.

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CC: É aceitável o presidente do STF acolher um “pedido de reconsideração” que vai contra a decisão do ministro Marco Aurélio? Por que?

RS-CC: No terceiro período da faculdade, o acadêmico de Direito aprende que não existe “pedido de reconsideração”. Esse tipo de pedido é vedado pelo Artigo 505 do CPC, que determina: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide”. Assim, quando uma parte sofre uma decisão que essa parte entende ser incorreta, cabe-lhe interpor o recurso cabível.No caso concreto, de uma decisão do relator o que cabe é agravo regimental, como consta do Artigo 317 do Regimento Interno do STF: “Art. 317. Ressalvadas as exceções previstas neste Regimento, caberá agravo regimental, no prazo de cinco dias de decisão do Presidente do Tribunal, de Presidente de Turma ou do Relator, que causar prejuízo ao direito da parte.”Daí decorre que o Ministro Dias Toffoli jamais poderia acolher um “pedido de reconsideração”. Contra a Decisão do Ministro Marco Aurélio cabia a interposição do agravo regimental. Ademais, trata-se de recurso cujo julgamento cabe ao plenário do Supremo Tribunal Federal, e não ao ministro Dias Toffoli.Mas, como foi dito acima, vivemos tempos em que o inimaginável tornou-se habitual, e não é a primeira vez que o Ministro Dias Toffoli abusa dos Poderes da Presidência.Vale recordar que no caso da liminar deferida pelo ministro Marco Aurélio sobre as prisões sem trânsito em julgado, aquele magistrado deu entrevista a imprensa, em que afirmou: “Acima de cada ministro está somente o colegiado. Do contrário aconteceria uma instabilidade indesejada para a Justiça”…”Seria o caso somente do colegiado. E que assim prevaleça o bom direito” Algo semelhante também aconteceu no caso da entrevista de Lula, em que a presidência cassou uma decisão do ministro Lewandowski sem submeter a matéria ao Plenário.Vale recordar que nem mesmo em sede de Suspensão de Segurança (que foi o instrumento absurdamente admitido no caso da entrevista de Lula) o presidente do STF pode suspender decisão de outro ministro, porque o Artigo 297 do regimento do STF apenas admite a suspensão de decisão “proferida em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais”. Conforme dispõe o mencionado artigo, “pode o presidente, a requerimento do procurador-geral, ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar, ou da decisão concessiva de mandado de segurança, proferida em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais.”Que seja o próprio ministro presidente do mais elevado tribunal que se ponha a agir contra o CPC e o regimento interno do STF é algo que também demonstra a extinção do Estado de Direito.

CC: Como avaliar a decisão de Toffoli à luz da Constituição?

RS-CC: O Ministro Dias Toffoli não menciona a Constituição Federal em sua decisão, vez que apenas cita argumentos de mera conveniência invocados pelo Petrobras, e aceitos pelo Ministro Dias Toffoli de maneira completamente acrítica.

CC: Segundo a assessoria de imprensa do STF, “O ministro Dias Toffoli destacou em sua decisão o caráter excepcional para a concessão da ordem de suspensão da decisão do relator, diante de iminente ameaça de violação à ordem pública, com risco de comprometimento das atividades do setor de petróleo”. Qual seria a “iminente ameaça de violação à ordem pública com comprometimento das atividades do setor de petróleo” aludida?

RS-CC: É melhor perguntar ao Ministro Dias Toffoli. Tornou-se habitual esse tipo de argumento ad terrorem brandido pela Petrobras e os consideramos falaciosos, isso quando não são completamente mentirosos. Para começar, ninguém está pretendendo impedir que a Petrobras venda qualquer ativo! O que nós combatemos é a venda sem licitação, que sempre resulta em preços irrisórios. A Petrobras recentemente divulgou que “A carteira de investimentos do plano de negócios 2019-2023 soma 84,1 bilhões de dólares”. Com um plano de negócios nesse montante não há necessidade de vender bens a preço de banana para fazer caixa.

CC: Até que ponto o argumento usado para justificar a cassação por Toffoli da liminar de Marco Aurélio, de que era necessário repelir as “externalidades negativas decorrentes de delongas dos procedimentos mais rígidos e solenes de contratação” significa rejeitar o próprio instituto da licitação e as inerentes démarches dos respectivos processos legais?

RS-CC: Essa pergunta também deve ser feita ao ministro Dias Toffoli, pois é ele quem não gosta da Lei Federal nº 13.303 / 2016. Aprende-se na faculdade que Estado de Direito é o Estado onde o cidadão pode esperar, sem duvidar, que as Leis da República serão cumpridas. A Lei. Nada Além da Lei. Nada aquém da Lei. Não existem “Razões de Estado” que possam preterir a aplicação da Lei. Mas, pelo visto o Ministro Dias Toffoli pensa diferente.

CC: Se a decisão do ministro Marco Aurélio poderia, conforme alegado, “obstar a participação da empresa estatal na 6ª rodada de licitação para partilha de produção de blocos exploratórios do pré-sal, marcada para a próxima sexta-feira (18)”, isso implica atribuir ao calendário de transações negociais de uma empresa precedência em relação ao rito legal?

RS-CC: Consideramos tal “argumento” uma absoluta falácia, porque o leilão do pré-sal é regido pela Lei da Partilha de Produção (Lei 12.351 / 2010), e a ele não se aplicam nem a Lei nº 13.303 / 2016 nem o Decreto nº 9.355 / 2018. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que está em debate é se Decreto nº 9.355 / 2018 é ou não é constitucional. O fato puro e simples é que o Ministro Dias Toffoli não menciona a Constituição Federal em sua Decisão, e se limita a acolher, sem qualquer exame ou crítica, os argumentos ad terrorem invocados pelo Petrobras. Esse tipo de análise, como feita pelo ministro Dias Toffoli, é incabível em sede de Controle Concentrado de Constitucionalidade. Ao deferir a Liminar, o ministro Marco Aurélio expôs longamente os fundamentos pelos quais julgou que o Decreto nº 9.355 / 2018 é inconstitucional. Infelizmente, o ministro Dias Toffoli limitou-se a mandar aplicar aquele decreto, sem fazer qualquer análise quanto à sua constitucionalidade. No Estado de Direito, deve prevalecer o Império da Lei, não sendo admissível que razões de mera conveniência possam afastar a aplicação da Constituição Federal.  

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