Economia

Reforma administrativa facilita demissões, corta benefícios e amplia acumulação de cargos

Veja as principais propostas apresentadas pelo Ministério da Economia para o serviço público, em PEC enviada ao Congresso Nacional

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Isac Nóbrega/PR
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Dez meses após a promulgação da reforma da Previdência, em novembro de 2019, o governo do presidente Jair Bolsonaro deu mais um passo em seu programa econômico ao enviar ao Congresso Nacional, nesta quinta-feira 3, a proposta de reforma administrativa.

O objetivo é mudar as regras trabalhistas para o funcionalismo público, sem afetar os servidores que estão na ativa, segundo o Palácio do Planalto. O texto vale apenas para os futuros trabalhadores do Estado.

Assim como as mudanças no sistema de aposentadorias, a reforma administrativa foi encaminhada por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), modelo de projeto que altera o texto da Constituição Federal.

Para que as novas regras entrem em vigor, é preciso que os parlamentares realizem votações em dois turnos na Câmara dos Deputados e dois turnos no Senado. Em seguida, outras mudanças vão ocorrer por meio de projeto de lei, cuja tramitação no Congresso Nacional passa por votações mais simples.

A reforma do funcionalismo público é defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

As queixas recaem sobre os gastos com o serviço público: na União, as despesas com pessoal civil somaram 109,8 bilhões de reais em 2019, valor equivalente a 13,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo Maia, o objetivo é “modernizar sua estrutura, reestruturar as carreiras, cortar gastos e reduzir cargos”.

No entanto, partidos de oposição e entidades sindicais criticam a reforma administrativa do governo, porque consideram que a proposta ataca os direitos trabalhistas do serviço público.

Como forma de protesto, pelo menos 37 entidades nacionais lançaram uma campanha chamada Jornada de Defesa dos Serviços Públicos, que deverá contar com debates transmitidos ao vivo pela internet.

Confira os principais pontos da proposta, segundo o governo.

https://twitter.com/RodrigoMaia/status/1301335821824462851

Reforma muda Regime Jurídico único

De acordo com a Constituição de 1988, são “estáveis” após três anos de efetivo exercício todos aqueles servidores nomeados por meio de concurso público. A estabilidade foi criada para que não haja rupturas nos serviços a cada mudança de governo, e também para proteger o servidor de possíveis ameaças dos governantes.

Dessa forma, o servidor só pode perder o cargo se for condenado por algum crime, mediante sentença judicial, processo administrativo ou avaliação periódica de desempenho, com procedimento regido por lei.

O Ministério da Economia diz, porém, que a estabilidade precisa dialogar com a natureza “essencial” de cada função. Assim, o Estado não demonstra capacidade de responder às mudanças de necessidades, porque “o sistema foi projetado para outro tempo”.

“Independentemente da atividade, o servidor permanece na folha de pagamento por muito tempo”, afirma o Ministério.

Segundo cálculo do governo, são 28 anos de serviço, somados a 20 anos de aposentadoria e 11 anos de pensão, totalizando 59 anos. “Em um mundo que muda cada vez mais rápido, esse modelo não serve para todas as atividades.”

A mudança proposta, portanto, é substituir o regime único por novas modalidades de contratação.

Dessas modalidades, apenas os cargos definidos como “típicos de Estado”, com ingresso sob concurso público, terão direito direito à estabilidade. Os cargos “típicos de Estado” ainda serão definidos posteriormente, por meio de projeto de lei.

Os cargos “por prazo indeterminado”, também com ingresso por concurso público, terão vínculo em que o trabalhador vai prestar serviços sem que haja definição de até quando essa relação vai se manter: pode ser por anos ou por um tempo menor. Vai depender se aquela função ainda fizer sentido. Um projeto de lei posterior vai distinguir em que hipóteses esses vínculos serão desfeitos. Essas atividades não terão estabilidade.

Por fim, outros dois vínculos terão ingresso por seleção simplificada, sem concurso público.

Um deles trata dos cargos com “vínculo de prazo determinado”, ou seja, vínculos em que o prazo final da atividade será determinado desde o dia em que o agente público começar a prestar o serviço. Esses cargos substituem os atuais “contratos temporários”, com legislação de 1993. Segundo o Ministério da Economia, as hipóteses descritas na lei vigente são limitadas.

Já os cargos “de liderança e assessoramento” substituem os atuais “cargos comissionados” e “funções gratificadas”. Também com ingresso por seleção simplificada, haverá uma unicidade de tratamento para essa situação de trabalho, válida para servidores federais, estaduais e municipais, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Estágio probatório será substituído

Segundo diz o Ministério da Economia, quem passa em concurso hoje já assume cargo público efetivo, o que dificulta eventual desligamento. O estágio probatório deveria ser o momento de a Administração verificar na prática se o servidor está apto no cargo, mas, de acordo com os argumentos do governo, essa fase virou “mera formalidade”.

De acordo com o governo, apenas 0,2% dos servidores são desligados no período de estágio probatório. Para o Ministério, o percentual “muito baixo” demonstra que o filtro não está sendo feito de forma adequada.

O governo então quer criar o “vínculo de experiência” para substituir o estágio probatório. De acordo com o Ministério da Economia, será uma etapa do concurso público, não dá direito automático ao cargo, e os mais bem avaliados ao final do vínculo de experiência serão efetivados.

Governo amplia acumulação de cargos

Segundo o governo, a regra atual diz que os servidores podem acumular, por exemplo, dois cargos de professor, um cargo de professor com o cargo de natureza técnico-científica ou duas funções de profissional da saúde. Essas regras não atendem à atual “diversidade de demandas”, porque qualificam exatamente quais serviços podem ser acumulados, diz o Ministério.

Portanto, diante da criação de contratações diferentes de serviço público, o governo quer criar hipóteses de acumulação distintas para cada novo grupo. Serão ampliadas as possibilidades de um agente público conciliar o seu serviço com uma atividade privada, por exemplo.

As condições devem ser especificadas posteriormente, mas no caso dos “cargos típicos de Estado”, a dedicação terá que ser “prioritariamente” para o serviço público. A acumulação será limitada a apenas dois papéis, para docentes e profissionais da saúde, e não pode haver conflito de interesses, diz o governo.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, junto ao presidente Jair Bolsonaro. Foto: Isac Nóbrega/PR

Demitir servidores fica mais fácil

O Ministério da Economia lembra que a Constituição prevê o desligamento por insuficiência de desempenho, mas esse dispositivo “não foi regulamentado”. Portanto, na prática, isso não ocorre, sobrando apenas duas possibilidades para o desligamento: a sentença judicial transitada em julgado e a infração disciplinar.

Segundo o governo, o Estado acaba mantendo servidores em atividades que não têm mais demandas da população.

Portanto, a ideia é ampliar as possibilidades de demissão.

A proposta é estabelecer um sistema que proíba “decisão arbitrária” em demissões, mas que regulamente por lei ordinária a possibilidade de despedir funcionários por falta de desempenho. Para os funcionários temporários, também poderá haver outras hipóteses de demissão, que ainda necessitam ser descritas em lei.

Proposta elimina benefícios dos trabalhadores

O Ministério da Economia elaborou uma lista de benefícios que devem ser cortados do funcionalismo público.

O primeiro benefício a ser eliminado trata da licença-prêmio, sobre o direito do servidor em ter três meses de licença a cada cinco anos de exercício efetivo.

A licença-prêmio não existe mais no governo federal desde 1999, mas ainda existe em 20 dos 27 estados brasileiros. Nos outros sete, segundo o governo, foi substituída por uma “licença-capacitação”, em que o tempo de licença permitido pode ser usado para atividades de capacitação profissional.

Aumentos retroativos também serão eliminados. A cada vez que se negocia um reajuste de uma categoria, já se tem impactos para a frente, diz o Ministério. Mas é comum o impacto para trás, o que se quer evitar: se o aumento é concedido em setembro, é comum que haja concessão referente também a meses anteriores.

Passa a ser extinto ainda o adicional por tempo de serviço, conhecido como anuênio, que permite a ampliação anual de salário em 1% independente de reajustes salariais.

A reforma administrativa dá fim às férias de 30 dias, à aposentadoria compulsória por punição, às parcelas indenizatórias sem previsão legal, o adicional ou indenização por substituição não efetiva, à redução de jornada sem redução de remuneração (exceto na Saúde), à progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço e à incorporação, ao salário vigente, de valores referentes a cargos anteriores.

Diretrizes gerais para gestão de pessoas

Para o governo federal, o sistema de cargos públicos é complexo, injusto e fragmentado, com regras sem coerência e atribuições parecidas com remunerações diferentes.

O Ministério da Economia, então, propõe a criação de diretrizes gerais com regras básicas para a gestão de pessoas em todos os entes federativos. Essas orientações serão descritas por um projeto de lei complementar.

Maior autonomia para o Executivo

O governo argumenta que hoje há desequilíbrio entre o Executivo e os outros poderes, no que diz respeito à organização interna.

Se o chefe do poder Executivo quer alterar o nome de um ministério, é preciso fazer um projeto de lei, diz o governo. Já nos outros poderes, decisões sobre suas estruturas são decididas internamente.

A reforma administrativa, portanto, dá ao presidente da República o poder de fazer uma série de mudanças no Executivo, sem se submeter ao Congresso Nacional: extinguir cargos, efetivos ou comissionados, funções e gratificações; reorganizar autarquias e fundações; transformar cargos; reorganizar atribuições de cargos; eliminar órgãos.

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