Economia

“Prestar homenagens ao Trump não vai nos levar a lugar algum”, diz economista

Para Paulo Nogueira Batista Jr., há risco de o País virar alvo de ataques internacionais, com sanções ou outras tentativas de intervenção

Paulo Nogueira Batista Jr./Foto: Wanezza Soares
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“O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”, diz a famosa frase. Depende. Há nacionalistas e nacionalistas, prova a trajetória de Paulo Nogueira Batista Jr. Filho de diplomata, o economista serviu oito anos no FMI e dois anos no Banco dos Brics como representante do Brasil e marcou sua passagem pela defesa intransigente dos interesses do País. Pagou um preço, em forma de perseguição, como relata no mais recente livro, O Brasil Não Cabe no Quintal de Ninguém. Entre histórias saborosas e bastidores de dois importantes organismos internacionais, escritos em estilo invejável, Nogueira Batista analisa a nossa posição no mundo, a economia e a política. Anda preocupado. Bolsonaro, diz, é uma caricatura, que bravateia um patriotismo, enquanto bate continência para a bandeira dos EUA. “Prestar homenagens ao Trump não vai nos levar a lugar algum.”

Livro ” O Brasil Não Cabe no Quintal de Ninguém”. (Foto: Divulgação)

CartaCapital: O senhor viveu momentos atribulados nos oito anos no FMI e nos dois no Banco dos Brics. Seus críticos costumam dizer que o senhor tem um temperamento difícil. Os atritos nestas instituições dão razão a eles?

Paulo Nogueira Batista Jr.: (Risos) No livro procuro combinar a análise da situação econômica e política internacional com relatos de embates, da vivência de um brasileiro que passa pelo FMI e pelo Banco dos Brics, mas não está lá só para fazer número. Vivi o período de ascensão do Brasil no cenário internacional, de 2007 a 2014, e vivi também a fase de declínio, que começa em 2015, se aprofunda com Michel Temer e chega a Bolsonaro. Se você se acomoda, vai para Washington e vive tranquilamente, dizendo o que é esperado que se diga, vai ser tratado otimamente, como um grande representante da comunidade internacional. Mas não é esse o papel. É preciso lutar para melhorar as coisas.

CC: Segundo o senhor, um representante de um país em desenvolvimento é visto como um subalterno ou como uma ameaça. Não existe meio-termo?

PNBJ: Não. Ou você adere ou é tratado como um rebelde. Não se trata de ir para um organismo internacional fazer demagogia, “barulho pelo barulho”, mas o Brasil é um país importante e, quando opta por se representar com força, faz diferença. Entre 2007 e 2014, o Brasil fez diferença. No G-20, no Fundo Monetário, nos Brics… Eu me orgulho de ter feito parte dessa história. Depois veio a desgraça: a crise política, o medíocre governo Temer… Agora culminamos neste momento indescritível.

CC: A postura independente custou-lhe caro. Houve uma perseguição tanto interna, no FMI, quanto aqui no Brasil.

PNBJ: Não posso me queixar de falta de apoio do governo brasileiro até Temer, mas aí eu estava no Banco dos Brics. Quando trabalhava no FMI, só tive dificuldades quando Dilma Rousseff trocou o Guido Mantega pelo Joaquim Levy. Relato no livro. O Levy não tinha nada a ver com o governo, nem comigo. É alinhado aos americanos. Pessoas como ele se sentem na obrigação de prestar serviços a Washington. Não querem agir de forma independente.

CC: E as retaliações no FMI?

PNBJ: Como o Brasil era um país emergente importante e eu vocalizava o desejo de mudanças na situação internacional, o que não era comum antes, houve uma forte resistência, traduzida em tentativas de me derrubar. Quem liderava essa resistência eram os europeus.

CC: Por quê?

PNBJ: Os europeus são super-representados no FMI. A intenção de alterar a representatividade no Fundo, dando mais espaço aos países emergentes, seria feita principalmente à custa dos europeus. Eles conseguiram bloquear grande parte das mudanças sugeridas, diga-se. No meu caso, além da pressão, usaram as velhas artimanhas para desestabilizar indivíduos. Fui alvo de processos administrativos por artigos publicados no Brasil. Venci. Depois, por causa da demissão de uma alterna colombiana, espécie de vice-diretora, fui investigado por assédio moral. Ela era altamente incompetente. Não encontraram evidências de assédio e ampliaram a investigação para todo o meu escritório. Por meio de denúncias anônimas, chegaram à conclusão de que eu havia sido excessivamente duro com as assistentes administrativas.

CC: Estilo Lava Jato.

PNBJ: Precursora do lavajatismo (risos). Fui condenado, mas isso não impressionou as nações que eu representava e caiu no vazio, pois na mesma época o Dominique Strauss-Khan, diretor-geral do FMI, foi preso em Nova York sob a acusação de estupro. Meu caso acabou varrido do mapa por causa de uma circunstância aleatória.

CC: A existência do FMI continua a fazer sentido no mundo contemporâneo?

PNBJ: Sim, faz. Das entidades multilaterais financeiras, de longe é a mais importante. Das entidades em Washington, é a de melhor nível técnico. O grande problema é o desequilíbrio da governança, que continua a refletir o século XX e não capta as mudanças ocorridas no mundo.

CC: O senhor teme que Bolsonaro desmoralize o conceito de nacionalismo?

PNBJ: Mas onde se vê um nacionalismo que presta homenagens constrangedoras ao presidente dos Estados Unidos? Isso não é nacionalismo? É uma caricatura.

CC: Quais as consequências a longo prazo de o Brasil ter se tornado um pária na comunidade internacional?

PNBJ: É uma grande tolice fazer concessões unilaterais aos Estados Unidos. Prestar homenagens ao Trump não vai nos levar a lugar algum. Hostilizar consensos internacionais destrói a nossa imagem. Pagamos o preço pela eleição de 2018. Vejo um risco de o País virar alvo de ataques internacionais, por meio de sanções ou outras tentativas de intervenção.

CC: Há alguma chance de o País retomar um crescimento da economia minimamente sustentável?

PNBJ: Algum crescimento pode acontecer, mas não acredito em algo convincente. O governo não faz nada para tanto. Trabalha com teorias econômicas ultrapassadas. Basicamente, é a ideia de que é possível promover um choque por meio de reformas estruturais e induzir a confiança e a recuperação do gasto privado. Pior: as reformas estão em estado de confusão. A previdenciária caminha, mas os próximos passos não ficaram claros. O governo se atrapalha cada vez mais. E nunca vi um ministro da Economia sabotar a própria economia, como faz o Paulo Guedes. Ele passa o dia inteiro dizendo que o setor público quebrou, faliu. Como se recupera a confiança com esses exageros?

CC: É real o risco de uma nova estagnação ou recessão global?

PNBJ: Sim. Há uma desaceleração geral. Os Estados Unidos continuam a crescer, mas os sinais lá também são preocupantes. Se houver uma recessão global, o quadro se complica no Brasil, pois a economia está debilitada.

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