Economia

Novo auxílio emergencial não compensa perdas de 20 milhões de beneficiários, mostra estudo

Valor de 150 reais, que será pago a 43% dos aptos a receberem o auxílio, mostra-se baixo frente aos desafios da pandemia, diz pesquisador

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Mais de 40% população apta a receber a nova rodada do auxílio emergencial, que começou a ser pago nesta semana, não verá uma compensação de renda efetiva em comparação aos seus níveis pré-pandemia, segundo mostra um estudo feito por pesquisadores do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira (FGVcemif) da Fundação Getúlio Vargas, publicado nesta quinta-feira 8 e divulgado pela Agência Bori.

A nova rodada de quatro parcelas do auxílio tem quatro valores disponíveis de acordo com o perfil do solicitante: 150 reais para quem mora sozinho, 250 para famílias com duas ou mais pessoas e 375 para mulheres que chefiam o lar sozinhas.

Para o primeiro grupo, que representa 43% do total dos beneficiários da nova rodada e é composto por cerca de 20 milhões de pessoas, os pesquisadores calcularam que o valor não será suficiente para evitar a perda de renda em 4% para mulheres e 2% para os homens.

Já o pagamento de 250 reais demonstra-se efetivo em compensar as perdas de renda das famílias brasileiras durante a pandemia: há ganhos de 9% para as mulheres e 10% para os homens. Esse segundo grupo corresponde a 16,7 milhões de beneficiários dentro do total. Mesmo assim, o valor não representa uma compensação para todos os estados – apenas a parcela de 375 reais, dentre as disponíveis, consegue compensar perdas para todas as regiões.

As informações de renda pré e durante a pandemia foram retiradas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE).

Para o pesquisador Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV e um dos autores do estudo, o novo auxílio mostra-se insuficiente em um cenário de incertezas ainda grandes sobre a recuperação econômica. O principal fator é o descontrole da epidemia, que registra seus piores índices nas últimas semanas. Na quarta 7, foram contabilizadas mais 3.829 mortes por Covid-19 no País.

“Essa é uma comparação com a magnitude das perdas derivadas da crise. As perdas de renda tem a ver, sobretudo, com o fato que as pessoas não poderem exercer suas atividades de maneira normal porque a economia sofre restrições, tanto por parte do governo quanto pelo comportamento das pessoas, já que grande parte tem ficado em casa.”, explica. “O valor de 250 é suficiente para repor essas perdas, mas, se a pandemia piorar, ele pode não ser mais. Se trata de algo que vai mudando ao longo do tempo.”

A escala do novo auxílio é, de forma geral, muito menor do que a primeira versão do pagamento. O valor total disponível no orçamento é de 43 bilhões de reais, menos de 15% do que os 293 bilhões pagos em 2020. No ano passado, cerca de 68 milhões de pessoas foram beneficiadas; já em 2021, as quatro parcelas reduzidas serão pagas a aproximadamente 45 milhões de pessoas.

O governo federal também não abriu novas inscrições para o recebimento dos valores, e apenas os antigos beneficiários, entre outros parâmetros, poderão receber o dinheiro. Leia o estudo completo.

Neste cenário, a inflação aparece como um agravante para os grupos mais vulneráveis. Ou seja, o aumento generalizado dos produtos mais essenciais no dia a dia faz com que as famílias comprem menos com a mesma quantidade de dinheiro do que antes.

Dados dos levantamentos periódicos de pesquisadores da FGV Social demonstram o rápido empobrecimento da população em comparação com o período em que o primeiro auxílio fora pago. Em agosto de 2020, a população vivendo em situação de pobreza era de cerca de 9,5 milhões, 4,5% da população brasileira. Em fevereiro de 2021, essa realidade triplicou e abocanhou 27,29 milhões de pessoas, 12,8% do total.

A demora para cravar a volta do auxílio em primeiro lugar, ressalta Gonzalez, já demonstra um sintoma de “desgoverno” em relação às políticas públicas necessárias em um momento jamais vivido no País. Propostas como a de uma reformulação e ampliação do Bolsa Família, aventadas pelo governo Bolsonaro quando a popularidade do governo alcançou bons níveis, acabaram sendo abandonadas em detrimento da piora da situação da pandemia depois da virada de 2020.

“Me parece muito inadequado o desenrolar dos fatos. Aventou-se a hipótese de um novo programa de proteção social, porque uma coisa muito óbvia é que o Bolsa Família é insuficiente, já era até antes mesmo antes da pandemia”, afirma. “Nessas idas e vindas, entramos em 2021 com uma segunda onda se revelando muito pior do que a primeira e sem o auxílio emergencial por três meses. Isso, para mim, revela uma mistura de desgoverno e uma visão fiscalista de curto prazo e descolada da realidade.”

Em 2020, o auxílio mostrou-se decisivo para uma contração menor do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que registrou uma queda de 4,1%, bem menor do que as expectativas iniciais de 9%. Lauro Gonzalez avalia que é hora, neste momento, do estado “exercer seu papel” – o que não significa “endividamento infinito”, ressalta, criticado comumente pela equipe do ministro da Economia Paulo Guedes.

“O auxílio acaba preservando a própria economia, e mesmo considerando a necessidade de condições adequadas das contas públicas, e o fato do endividamento não poder ser infinito, esse é um problema que pode ser atacado de maneira concomitante pelo Estado. Ele tem tem mais condições de fazer isso do que uma pessoa no seu âmbito doméstico”, defende Gonzalez.

O pesquisador nomeia o auxílio, neste momento, como o principal mecanismo para combater o avanço já comprovado da pobreza no País, e ressalta que a necessidade da retomada econômica pode incentivar o desenho de reformas no campo tributário para custear uma maior proteção social no País. 

“O que o auxílio escancarou é que o número de pessoas que vivem em uma situação de relativa vulnerabilidade é maior do que o numero de pessoas atendidas pelos programas sociais. Isso mostra a necessidade do País voltar a crescer para dar conta do recado de encorpar e aprimorar as politicas de transferência de renda”. 

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