Economia

Livro sobre a crise energética de 2001 mostra um Brasil refém da inação

Vinte anos depois, o Brasil continua sob o risco de apagões e dependente de ‘São Pedro’

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Em 1996, documentos oficiais já falavam em risco de racionamento. Encontros no Gabinete Civil mostravam que era preciso contar com “São Pedro” nos anos seguintes para levar chuva aos reservatórios das hidrelétricas – à época responsáveis por 90% da geração de energia do País. 

Em 1998 e 1999, chegou-se a pensar em restringir a distribuição de eletricidade — embora a demanda estivesse em crescimento. Mas as chuvas apareceram de forma suficiente para evitar ação de emergência.

Poucos anos depois, contudo, em 2001 (e após uma série de apagões), o Brasil viveria um período de racionamento de energia.

Prevaleceu a inação. Naquele momento, a prioridade do governo Fernando Henrique Cardoso era dar cabo à privatização do setor elétrico, iniciada por distribuidoras e, mais adiante, por empresas de geração. O plano foi em parte aplicado. 

Essa história é detalhadamente contada no recém-lançado Curto-Circuito – Quando o Brasil Quase Ficou às Escuras (2001-2002), dos jornalistas Roberto Rockmann (que cobre há 20 anos setor de infraestrutura), e Lúcio Mattos, repleto de depoimentos.

A narrativa mostra que o governo FHC esteve em vários momentos uma encruzilhada entre o projeto liberal e a necessidade de o Estado intervir em uma situação crítica como aquela.

Um dos pontos nevrálgicos daquele momento tenso é representado por um tal Anexo V, fruto de um adendo de contrato de 1998 firmado entre geradoras e distribuidoras públicas e privadas. A cláusula previa redução da energia contratada em caso de escassez (a eletricidade que chega hoje à sua casa é contratada no passado pela distribuidora com a geradora de energia). O controle do governo para assegurar energia elétrica criou embate na cadeia do setor, que teria prejuízos incalculáveis se não vendesse a produção energética. O caso foi parar nos tribunais.

Apagões 

O racionamento de 2001 veio em forma de medidas anunciadas no dia 18 de maio. Os reservatórios estavam a níveis jamais vistos. Um mês antes a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tinha encerrado um modelo de sistema autorregulado, com o nome de Mercado Atacadista de Energia (MAE). 

Ele tinha a proposta de comercializar as sobras de energia dos grandes consumidores, que são as indústrias. Criado em 1998, no bojo das medidas adotadas pelo governo para dar autonomia ao setor, nunca saiu do papel. O MAE seria o agente livre para quem precisasse comprar ou vender energia quando necessitasse. 

No fim, partiu-se mesmo para uma intervenção branca no setor. O modelo de liberalismo brasileiro sofria uma de suas mais duras derrotas. Em 11 de maio de 2001 foi criado a Câmara de Gestão de Energia Elétrica, comandada por Pedro Parente.

O sistema elétrico é bastante complexo. O livro detalha em minúcias todas as questões que o envolviam na época, desde interesses políticos e empresariais até a conhecida burocracia estatal e seu quadro técnico por vezes altamente qualificado, mas pouco aproveitado nessas urgências.

Os dois apagões extensivos que se deram ali, naquele período, nos dias 11 de março de 1999 e em 21 de janeiro de 2002, com o programa de racionamento quase no fim, mostraram outra face do problema: a obsolescência da rede física, incapaz de suportar intempéries e demandas crescentes.

Dali, depois de apertar por nove meses consumidores residências e empresariais com racionamento, que fizeram sua parte, o sistema elétrico tentou se ajustar ao longo do tempo. É um insumo essencial ao desenvolvimento. 

Nos últimos tempos, a matriz energética se diversificou. Tornou-se hoje referência de regulação em comparação a outros segmentos da economia.

O MAE foi citado aqui porque ele foi o embrião do Mercado Livre de Energia, segmento que cresceu nos últimos anos com sua independência da regulação do governo.

Mas tudo isso não tirou por completo o bode da sala. É que os níveis das barragens das hidrelétricas encontram-se novamente em condições preocupantes. A pandemia diminuiu a atividade econômica sobremaneira. As demandas por energia estão baixas. Isso favorece, por ora, o cambaleante Governo Bolsonaro. Mas, em 2023, quando se espera uma forte demanda de energia, prevista antes mesmo da pandemia?

O momento traz um convite para se debruçar sobre o livro.

O jornalista Augusto Diniz, colunista de cultura de CartaCapital é também especializado em infraestrutura. 

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