Economia

Herança da era Dilma, prorrogação da desoneração da folha divide opiniões

Texto alivia impostos para empresários até 2026, com o objetivo de evitar demissões; políticos e pesquisadores divergem sobre os impactos

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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Parte da oposição ainda não se manifestou sobre a possível prorrogação da desoneração da folha de pagamentos, em tramitação na Câmara dos Deputados. A ideia é evitar demissões através do alívio de impostos a empresas dos 17 setores que, em tese, geram mais empregos no País. Essa regra já está valendo, mas pode ser extinta em 31 de dezembro deste ano.

A iniciativa começou no 1º mandato de Dilma Rousseff (PT), pela Lei 12.546/2011, e beneficiava quatro setores: call center, tecnologia da informação, confecções e calçados. Em 2012, a política foi anunciada para 12 setores; em 2014, teve o seu auge e alcançou 56 áreas. À época, a economia aos empresários foi de cerca de 25 bilhões de reais por ano.

Para baratear o custo das empresas em manter o empregado, o governo tirou a obrigatoriedade de o patrão pagar ao Estado a sua contribuição à Previdência, calculada em 20% do conjunto dos salários dos funcionários. Esses empregadores puderam pagar um valor menor, a partir de outro cálculo: de 1% a 2% do total do faturamento da companhia. Em outras palavras, a empresa deixa de pagar impostos pela sua quantidade de funcionários e passa a pagar pelo quanto ela ganha. Dessa forma, teoricamente, as empresas podem contratar mais, sem que necessariamente os impostos aumentem – as taxas só ficam maiores se o faturamento subir.

Desemprego já alto cresceu ainda mais durante a pandemia. Foto: Mauro Pimentel/AFP

A política de desoneração, no entanto, recebeu críticas de estudiosos.

Uma pesquisa lançada em 2018 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, sobre o período de 2012 a 2015, apontou para a ausência de efeitos da desoneração na geração de empregos.

Os especialistas consideraram diferentes cenários de empresas, de acordo com o tamanho dos quadros de funcionários, com a localização regional e com a comparação entre empresas oneradas e desoneradas. Além de haver baixa correlação entre a desoneração e a performance do mercado de trabalho, o Ipea chama a atenção para a magnitude da renúncia fiscal concedida, ou seja, o alto valor que o Estado deixa de arrecadar para beneficiar os empresários.

Um estudo do governo, de 2020, indicou impacto previdenciário de 28,8 bilhões entre 2012 e 2015.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro também já criticou a desoneração em diferentes oportunidades. Para a instituição, ligada à Central Única dos Trabalhadores, a medida não gera novas vagas, e os empresários usam os valores economizados para aumentar os seus lucros.

O deputado Afonso Florence (PT-BA), membro titular na Comissão de Finanças e Tributação, diz que a sua expectativa é de que a oposição seja crítica à prorrogação da desoneração. Para o parlamentar, a política nasceu “desvirtuada” na época de Dilma, porque o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, patrocinava uma expressiva ampliação de setores e percentuais da desoneração.

Em sua observação, além os empresários não terem transformado a desoneração em geração ou manutenção de empregos, a medida prejudicou a Previdência.

“Os empresários fizeram aplicações financeiras, e a medida desfinanciou a seguridade social”, declarou Florence, ouvido por CartaCapital. O petista afirma ainda que, para mexer na arrecadação de impostos, seria necessário aplicar, também, taxações sobre lucros e dividendos de empresários. “Discutir desoneração da folha sem discutir tributação sobre as fortunas e heranças é manter privilégios.”

No PSB, que tem três integrantes na Comissão, o assunto ainda está em discussão. A reportagem não obteve retorno dos integrantes da bancada. Na assessoria técnica do partido, considera-se como questionável a metodologia da pesquisa do Ipea, porque não seria possível atribuir exclusivamente à desoneração a responsabilidade de não gerar empregos – haveria outros elementos do cenário econômico a serem levados em conta ao analisar a estagnação nos índices. Por outro lado, pairam dúvidas sobre os critérios na escolha dos setores beneficiados. A seleção de certas áreas pode resultar na falta de “isonomia” no mercado, e faltam estudos para atestar as opções apresentadas.

O PDT também segue sem posição. Para o deputado André Figueiredo (PDT-CE), faltou na era Dilma a exigência de uma contrapartida por parte dos empresários que obtiveram a desoneração, como o compromisso de manter empregos já existentes ou mesmo de comprovar aumento de contratações após o recebimento do benefício.

“A princípio, não sou contra a desoneração, principalmente em setores altamente sensíveis a crises sazonais, como telecomunicações e construção civil. Agora, tem que garantir a empregabilidade e, se possível, a geração de mais empregos”, opina o deputado.

O PSOL declarou que ainda não discutiu o tema e preferiu não se manifestar. As assessorias de PCdoB, Rede e Cidadania não retornaram.

Efraim Filho (DEM-PB), autor da proposta de prorrogação, argumenta que o governo dispõe de áreas especializadas para fiscalizar possíveis fraudes na pretensão da desoneração da folha.

O deputado declarou ainda que, dos 56 setores anteriormente beneficiados, chegou-se à conclusão de que somente 17 eram realmente dependentes de mão de obra. Assim, diz ele, os setores que não guardavam boa relação de faturamento e empregabilidade foram retirados do rol de beneficiários.

“Caso a medida não seja aprovada, projeta-se um quadro elevado de demissões, elevação do custo do serviço/produto que será repassado ao consumidor final, diminuição das margens de lucro, redução das vendas e investimentos, perda de participação no mercado doméstico e, consequentemente, redução de exportações”, disse o parlamentar a CartaCapital.

O deputado federal Efraim Filho (DEM-PB), autor da proposta de prorrogação. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Juntas, as áreas beneficiadas mantêm cerca de oito milhões de empregos, segundo associados. São elas:

  • Calçados;
  • Call center;
  • Comunicação;
  • Confecção e vestuário;
  • Construção civil;
  • Construção e obras de infraestrutura;
  • Couro;
  • Fabricação de veículos e carroçarias;
  • Máquinas e equipamentos;
  • Proteína animal;
  • Têxtil;
  • Tecnologia da Informação;
  • Tecnologia de Comunicação;
  • Projeto de circuitos integrados;
  • Transporte metroferroviário de passageiros;
  • Transporte rodoviário coletivo;
  • Transporte rodoviário de cargas.

Em audiência?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, em 25 de agosto, organizações desses setores disseram estimar milhares de demissões se não houver prorrogação da desoneração.

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção afirmou que há potencial de perda de mais de 30 mil empregos sem o regime; já a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados declarou que, em média, 12 mil postos podem ser eliminados por ano a partir de 2022. A Associação Brasileira de Proteína Animal disse que prevê impacto de 1 bilhão de reais anuais somente na indústria de abate e processamento, o que poderia atingir 10 mil empregos.

“Não faz o menor sentido que, no momento em que temos mais de 14 milhões de desempregados e um outro tanto de desalentados, venhamos a reonerar esses 17 setores”, disse Fernando Pimentel, presidente da Abit, do setor têxtil.

Desoneração gerou empregos, diz pesquisador

Diferentemente do que apontam pesquisadores críticos à desoneração, foi possível observar aumento na geração de empregos em parcela das empresas beneficiadas, segundo o economista Erick Baumgartner, pesquisador na Bocconi University, que está escrevendo um estudo chamado Payroll tax, Employment and Labor Market Concentration [Imposto sobre a folha de pagamento, emprego e concentração no mercado de trabalho], redigido em parceria com os economistas Renata Narita e Raphael Corbi, da Universidade de São Paulo.

O estudioso explica que os seus cálculos têm bases diferentes, porque há modalidades distintas para identificar uma empresa apta à desoneração. Ele analisou somente as empresas desoneradas via Classificação Nacional de Atividade Econômica, a CNAE, que categoriza o setor às quais elas pertencem.

No período de 2009 a 2014, notou-se um aumento de 4,9% no nível médio de emprego entre as empresas que foram desoneradas via CNAE e que não estavam cadastradas no Sistema de Tributação Simplificada, o Simples. Também houve aumento de 3,6% entre todas as empresas da CNAE, dentro e fora do Simples. Ele diz, ainda, não ter observado nenhum efeito nos salários.

O especialista não analisou as companhias desoneradas via Nomenclatura Comum do Mercosul, o NCM, sistema que identifica mercadorias com códigos. A plataforma é outra base para incluir uma empresa nas desonerações, mas não a partir do seu setor produtivo, e sim de produtos específicos.

Segundo o pesquisador, essa análise é mais complexa por exigir um balanço de dados mais profundo sobre os produtos vendidos por cada companhia e os componentes das receitas das empresas. Um empresário, por exemplo, pode ter a tradição de vender um item previsto na desoneração, mas esse item pode não corresponder à produção ou à receita total da empresa.

Em conjunto, Baumgartner considera que a complexidade das desonerações dificulta a medição dos seus impactos. Por um lado, ele considera como legítimas as tentativas de melhorar as condições de contratação, mas, por outro, a parte mais difícil é compreender escolhas tão específicas. Ao longo de sua pesquisa, o especialista relata ter encontrado setores e produtos similares sob regimes diferenciados; além disso, a inclusão e a exclusão de áreas e produtos no decorrer do tempo não evidenciam as razões para que, em um ano, uma opção seja necessária e, noutro ano, não.

“É importante que a política tributária seja mais transparente. Tornaram a desoneração tão complexa que fica difícil analisar”, avalia o especialista.

O relator da proposta de prorrogação, deputado Jeronimo Goergen (PP-RS), ainda negocia a aprovação do texto com o governo federal. Na quarta-feira 1º, o parlamentar se reuniu com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e a secretária de Governo, Flávia Arruda, para preparar o terreno. O Palácio do Planalto tem resistido à aprovação, por considerar a perda fiscal como grande.

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