Economia

FMI: garantia de estabilidade ou receita para o fracasso?

Países costumam apelar aos empréstimos do Fundo Monetário Internacional, mas o amargo remédio prescrito nem sempre produz bons resultados

Lagarde comanda o FMI
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Após a devastação causada pela Segunda Guerra Mundial, o Fundo Monetário Internacional foi criado para permitir que países com dificuldades para honrar suas dívidas tomassem dinheiro emprestado, de forma temporária, e pudessem assim efetuar seus pagamentos aos países credores.

O objetivo era criar estabilidade financeira, fomentar a cooperação global, facilitar o comércio e o crescimento, bem como reduzir a pobreza.

Sete décadas depois, o debate sobre os métodos utilizados pelo FMI para atingir seus objetivos continua a suscitar controvérsias. Os defensores dos programas de resgate do Fundo afirmam que a liquidez que eles oferecem e as reformas exigidas evitam dificuldades financeiras ainda mais extremas.

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Os críticos argumentam que os métodos usados aumentam a dependência dos países em dificuldade do próprio FMI e fazem com que suas populações se tornem ainda mais pobres.

O economista Allan Meltzer, da Universidade Carnegie Mellon, falecido no ano passado, disse que “os programas do FMI elevam a distância entre o risco social – o risco do país em dificuldade – e o risco privado, dos banqueiros.” 

O Consenso de Washington 

Pesquisadores constataram que programas do FMI foram relativamente bem-sucedidos nos primeiros anos. Mohsin S. Khan, diretor do FMI para o Oriente Médio e Ásia Central, analisou os resgates financeiros de 69 países em desenvolvimento durante o período de 1973 a 1988.

Ele constatou que os impactos de curto e longo prazo dos programas do FMI foram amplamente positivos nas contas públicas, na balança de pagamentos e nos números de inflação desses países. Entre os classificados como “histórias de sucesso” estão programas de empréstimos para o México nos anos 1980, bem como para a Índia e o Quênia.

Em resposta à crise financeira na América Latina nos anos 1990, o FMI mudou, no entanto, sua política, introduzindo o que ficou conhecido como Consenso de Washington: uma política que exigia reformas estruturais e o aumento do papel das forças de mercado em troca de apoio financeira imediato.

Originalmente estabelecida pelo economista britânico John Williamson em 1989, os princípios dessa política recomendavam a redução do endividamento estatal para desencorajar altos déficits fiscais, cortes nos subsídios do governo e impostos corporativos mais baixos.

Outros “ajustes estruturais” recomendados incluíam taxas cambiais de flutuação livre, políticas de livre-comércio, flexibilização de regras que prejudiquem a concorrência e o investimento estrangeiro direto, bem como a privatização de ativos públicos.

As políticas econômicas propostas no Consenso de Washington, que ganharam a alcunha de neoliberais, tornaram-se, desde então, pilares das condições para programas de resgate financeiro, introduzidas não apenas pelo FMI, mas também por seu rebento em Washington, o Banco Mundial. 

Modelo único 

Joseph Stiglitz, economista-chefe do Banco Mundial entre 1997 e 2000, tinha sérias dúvidas sobre a viabilidade da nova doutrina. Embora ele observasse que, na época, essa política era apropriada para alguns países da América Latina, “não fazia sentido aplicá-la cegamente a outros países”.

Stiglitz disse ainda que, embora o FMI fosse financiado por dinheiro dos contribuintes, ele não tinha que prestar contas a eles, “o que identifica claramente a questão da governança como um dos principais problemas do FMI para a tributação sem representação.”

Em 1995, o México foi saudado como um exemplo brilhante da nova política do FMI, pois o país havia saldado empréstimos no valor de 52 bilhões de pesos. Mas foi preciso apenas alguns anos para que seus fracassos se tornassem óbvios.

Os mexicanos sofreram um declínio acentuado em sua renda per capita, que em 1998 recuou para um nível visto antes visto em 1974. Do fim de 1994 até fins de 1996, o México acrescentou 560 bilhões de pesos à sua dívida externa total, porque o governo resgatou principalmente bancos comerciais a um montante de 545 bilhões de pesos, comprando todos os seus créditos podres.

Alguns economistas chegam até a considerar o legado dos resgates na América Latina como o início da crise financeira na Ásia no fim da década de 1990. Eles argumentam que o FMI enviou um sinal claro para os investidores de que, se algo der errado, entra em cena e os salva. 

Crise asiática 

A crise financeira asiática do fim da década de 1990 foi causada em grande parte pela enorme dependência de Coreia do Sul, Tailândia, Filipinas, Malásia e Indonésia de empréstimos estrangeiros de curto prazo e da abertura ao hot money (deslocamento de capital de um país para o outro para obter ganhos rápidos devido a diferenças nas taxas de juros).

Quando se tornou evidente, em 1997, que as empresas privadas não seriam capazes de cumprir suas obrigações de pagamento, os mercados de câmbio internacionais entraram em pânico, e as moedas asiáticas despencaram.

O FMI tratou o colapso asiático como tratava as demais situações de emergência, condicionando sua ajuda a políticas de ajuste estrutural. O Fundo instruiu os governos a cortar gastos, o que aumentou a desaceleração econômica.

Na Coreia do Sul, um país de renda próxima dos níveis europeus, o desemprego disparou de 3% para 10%. “Os suicídios do FMI” tornaram-se comuns entre os trabalhadores que perderam seus empregos e sua dignidade.

Na Indonésia, o país mais atingido, as taxas de pobreza passaram de um nível oficial de 11% antes da crise para 40% a 60%, e o PIB caiu 15% em um ano.

A Malásia destacou-se como um país que recusou a assistência e assessoria do FMI. Em vez de abrir ainda mais a sua economia, a Malásia impôs controles de capital, num esforço para eliminar a especulação com sua moeda. O FMI criticou essa abordagem quando ela foi adotada, mas admitiu mais tarde que foi bem-sucedida. 

Crise na zona do euro 

Em relação à crise do euro, em 2010, até o próprio órgão de fiscalização independente do FMI foi extremamente crítico em relação à abordagem do Fundo. Em relatório de 2016, o Gabinete de Avaliação Independente (IEO) culpou o FMI por “previsões excessivamente otimistas que não conseguiram detectar a dimensão do problema e deixaram a impressão de que se está tratando a Europa de forma diferente”.

A crise, que começou na Grécia, mas se espalhou para Irlanda, Portugal, Espanha e Chipre, levou a união monetária de 19 integrantes à beira do colapso e a enormes privações para as populações desses países.

Apesar de três resgates financeiros no total de 298 bilhões de euros, o desemprego na Grécia, por exemplo, permanece assustadoramente alto, numa taxa de 22,5%. O salário mínimo caiu de 863 euros para 684 euros, enquanto os gastos do governo com saúde diminuíram pela metade.

Mas os credores da Grécia, o FMI e a União Europeia, continuam exigindo que Atenas gaste menos do que arrecada, a fim de criar os excedentes necessários para pagar sua dívida.

Macri pede socorro (Foto: Wikimedia)

 A história que repete 

Nos últimos meses, o número de autoridades financeiras nacionais que se reúnem com representantes do FMI em Washington cresceu significativamente. Cada vez mais dinheiro tem sido retirado de países em desenvolvimento e sendo injetado nos Estados Unidos, fazendo com que o dólar se valorize e as moedas de mercados emergentes atinjam baixas recordes.

A Turquia tem estado no centro da debandada, mas muitos outros países, incluindo Argentina, Hungria e Indonésia, foram atingidos enquanto investidores trocam ações e títulos mais arriscados em mercados emergentes pela segurança dos ativos americanos.

O ministro da Economia da Argentina está em Washington ana para discutir um acordo de empréstimo revisado às pressas com o FMI, num esforço para fortalecer a confiança dos investidores e o peso argentino, que despencou 20% só no fim da semana passada.

Mas o FMI está confiante de que as medidas de austeridade impostas pelo governo de acordo com as recomendações – incluindo cortes nos subsídios à energia e a eliminação de 95 mil empregos no setor público – vão equilibrar a situação.

A Turquia tenta, por sua vez, resistir à tempestade nos mercados emergentes, apesar de uma queda de 40% no valor de sua moeda, a lira. Ancara diz que não vai se humilhar diante do FMI, implorando por um empréstimo que só fará com que sua população sofra mais.

Ainda não sabe qual dos dois países vai conseguir superar melhor a crise.


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