Economia

A dívida colossal dos governos para enfrentar a Covid-19 pode ser ‘apagada’?

Não seria a primeira vez que uma medida como essa seria adotada em tempos excepcionais

FOTO: DOUGLAS MAGNO/AFP FOTO: DOUGLAS MAGNO/AFP
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A ideia ganhou força nas últimas semanas, com a reivindicação de nomes de peso como o economista Thomas Piketty: e se pelo menos uma parte da “dívida Covid” fosse apagada, para o mundo não afundar ainda mais na grave crise econômica gerada pela pandemia? A proposta é debatida desde que o coronavírus se espalhou pelos cinco continentes, deixando claro que os governos se endividariam a níveis só vistos em outros períodos excepcionais da história, como depois das guerras.

O tema é especialmente polêmico na União Europeia, que expôs suas fraturas internas e levou anos para se recuperar da crise das dívidas, entre 2010 e 2012. Agora, quando os países se distanciam cada vez mais da meta de endividamento máximo de 100% do PIB – a França já está em 120% -, o tema volta à mesa.

Economistas progressistas defendem que os títulos detidos pelo Banco Central Europeu, cerca de 25%, deveriam ser perdoados. Não seria a primeira vez que uma medida como essa seria adotada em tempos excepcionais: em 1953, os europeus concordaram em anular dois terços da dívida da Alemanha, devastada pela guerra.

Para a presidente do BCE, no entanto, essa hipótese é “impensável”. Christine Lagarde ressaltou que isso representaria uma violação dos tratados europeus e frisou que não cabe à instituição financiar os Estados. O economista Christian Saint-Étienne, autor de livros como O liberalismo Estratégico contra o Caos no Mundo, avalia que a proposta traria mais problemas do que soluções.

“Isso não é possível, tecnicamente, porque o BCE teria prejuízos colossais e ele não pode ter um capital negativo. Os Estados seriam obrigados a financiá-lo para recapitalizá-lo, ou seja, seria um tiro no pé”, explica. “E também não é necessário: basta o Banco Central manter as condições de créditos nos níveis atuais. Ficaremos tranquilos até que a retomada econômica seja robusta, quando começaremos a planejar o reembolso.”

Juros devem se manter baixos

As condições de pagamento são o “x” da questão. Há anos, a União Europeia desfruta de juros historicamente baixos, inclusive negativos, o que torna o pagamento das dívidas um objetivo palpável, com a volta do crescimento. Jonathan Marie, professor-associado da Sorbonne Paris-Nord e coautor de A Dívida Pública: Detalhes da Economia Cidadã, avalia que, desde já, os países europeus devem estabelecer regras claras sobre o pagamento da dívida Covid, para não entrarem numa bola de neve que comprometa a recuperação da crise.

“Significa que a gente não poderá entrar numa armadilha mais tarde, com um potencial aumento das taxas de juros. A longo prazo, precisaremos evoluir o quadro institucional para que os Estados possam se refinanciar e honrar as suas dívidas, a taxas que permanecerão baixas”, ressalta o professor.

A maioria dos analistas avalia que a conjuntura favorável aos empréstimos tende a permanecer pelo menos por mais três anos – à condição que os europeus permaneçam comprometidos com o pagamento dos papéis, destacou a prêmio Nobel de Economia Esther Duflo, em entrevista nesta semana.

Desta forma, os Estados podem continuar a gastar até mais para financiar as despesas extraordinárias em saúde, apoiar pessoas e empresas em dificuldades e bancar planos de retomada da pandemia. No futuro, poderão também contar com facilidade de acesso aos mercados financeiros para, inclusive, reembolsar as dívidas da atualidade.

Planejamento estratégico dos gastos

A economista Anne-Laure Kiechel, que atuou por anos no setor bancário e atualmente é consultora de governos sobre endividamento, destaca que o planejamento estratégico dos países para o período pós-Covid, incluindo a transição ecológica, favorecem ainda mais essa dinâmica. “É a fase do ‘custe o que custar’ e, de certa forma, as despesas são aceitáveis. Há um certo consenso entre todos os europeus quanto a isso, inclusive a Alemanha”, observa a consultora.

“Mas a verdadeira questão é: para onde queremos ir depois? Como e quanto dinheiro vamos gastar para promover as transformações da nossa economia? Os gastos em investimentos serão absolutamente necessários e o valor agora importa pouco: o que conta é que o uso dos recursos seja realmente dedicado a esse projeto”, sublinha Kiechel.

Aos primeiros sinais de instabilidade financeira, seja por falta de planejamento ou por gastos mal aplicados, o jogo pode virar. O cerco tende a apertar nos países no sul do bloco, que historicamente têm as contas mais fragilizadas – a dívida da Itália já se eleva a 160% do PIB. Christian Saint-Étienne afirma que não deve demorar para os países do norte, liderados pela Alemanha e a Holanda, exigirem medidas de restrições de gastos em troca de crédito europeu.

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