Economia

Depois de um 2020 devastador, a Embraer recupera-se da pandemia e do desastroso acordo com a Boeing

Enquanto sua principal concorrente, a Bombardier, apresentou prejuí­zo, a companhia brasileira registrou lucro líquido ajustado de 212,8 mi

Lançamentos. O novo turbo-hélice e o “carro voador” foram bem recebidos pelo mercado. (FOTO: Embraer)
Apoie Siga-nos no

Depois de um 2020 devastador para o setor aeronáutico, a Embraer dá potentes sinais de uma recuperação invejável, tanto da crise da pandemia quanto da paralisia decorrente do acordo desfeito com a Boeing. Enquanto sua principal concorrente, a canadense Bombardier, apresentou prejuí­zo de 377 milhões de dólares no terceiro trimestre, a companhia brasileira registrou lucro líquido ajustado de 212,8 milhões de reais no trimestre anterior (abril a junho de 2021).

No terceiro trimestre, conforme a prévia operacional recém-divulgada, sua carteira de pedidos firmes (backlog no jargão desse mercado) somou 16,8 bilhões de dólares, o que reforça a avaliação dos analistas de que a recuperação observada no mercado de aviação regional tende a beneficiar as entregas comerciais da companhia nos próximos anos.

A diversificação de produtos é um dos trunfos da companhia

“A Embraer apresentou forte atividade comercial no período, em todos os segmentos de negócio. No 2T21, a carteira de pedidos firmes (backlog) encerrou o trimestre em 15,9 bilhões de dólares. No 3T19, o backlog atingiu 16,2 bilhões, de forma que o backlog de 16,8 bilhões registrado ao final do 3T21 pela companhia indica um crescimento voltando para níveis pré-pandemia. Dessa forma, esperamos impacto positivo nas ações da Embraer no curto prazo”, avalia a casa de análise Levante Ideias de Investimentos. O Itaú BBA anota: “Acreditamos que a performance geral foi sólida, sugerindo que a demanda continua a recuperar. (…) O backlog de 16,8 bilhões de dólares reforça o nosso otimismo”.

A recuperação reflete-se no desempenho das ações. No dia 29 de outubro de 2020, os papéis da Embraer bateram o fundo do poço, a 5,77 reais, o menor nível em uma década. A partir de novembro, as ações começaram a ensaiar uma recuperação e hoje ultrapassam os valores pré-pandêmicos, chegando, na segunda-feira, a 22,57 reais, ou 16,5% acima dos 19,37 reais registrados no fim de 2019.

“A Embraer tem se saído bem por ser uma empresa diversificada”, avalia Marcos José Barbieri Ferreira, especialista em indústria bélica e aeronáutica da Unicamp. O professor destaca a notícia sobre um novo contrato com a NetJets, companhia aérea dos EUA controlada pela Berkshire Hathaway, empresa de investimento do renomado megainvestidor Warren Buffett, para a venda de até cem aeronaves adicionais, em valor superior a 1,2 bilhão de dólares. “É uma encomenda histórica. Jatos executivos, que se vendem dois ou três para empresas. É uma encomenda fora de qualquer padrão.”

Barbieri salienta que a companhia começa a celebrar novos contratos, ao mesmo tempo que mantém o ritmo das entregas contratadas, e chama atenção para o fato de que, de um ano e pouco para cá, a Embraer começou a colocar na mesa projetos novos, entre eles o retorno ao mercado de aeronaves turbo-hélice com um modelo pioneiro.

“Existia a expectativa de que ela iria fazer isso, mas ninguém comentava por causa do acordo com a Boeing”, diz o especialista. Barbieri lamenta a paralisia que acometeu a empresa devido ao acordo de venda para a multinacional americana, que a própria Boeing rompeu, unilateralmente. “Não foi uma paralisação só de produção e vendas, mas de desenvolvimento de projetos. Então, o cancelamento do contrato com a Boeing liberou todos os projetos que a ­Embraer tinha guardado na gaveta.”

A iniciativa mais importante do ponto de vista comercial, diz Barbieri, consiste no desenvolvimento dessa aeronave turbo-hélice. “Ainda não está definido, mas deve ser algo na faixa de 50 a 80 assentos, o que é fácil para a empresa desenvolver, porque é uma especialidade em que atuou, lá atrás, e é uma das raras empresas ainda atuantes nesse mercado.” O maior concorrente da Embraer na modalidade é uma empresa europeia, parceria da Airbus com a italiana Leonardi, cuja aeronave está tecnologicamente superada. De modo que, se a companhia brasileira disponibilizar um modelo novo e moderno, seguramente vai dominar esse nicho.

Além do novo turbo-hélice, a Embraer investe em ideias disruptivas, que podem não vender tanto no início, mas em cuja tecnologia é pioneira. São três projetos importantes para desenvolver ideias do futuro: o primeiro, em conjunto com a Força Aérea Brasileira, é um avião de transporte pequeno, também turbo-hélice, para substituir o Bandeirante. Esse avião é inovador por ter propulsão híbrida, metade convencional, metade elétrica. Será um dos primeiros híbridos do mundo, com capacidade para 30 passageiros, transporte de carga e operação robusta. “A encomenda­ da FAB é importante para desbravar esta nova tecnologia”, diz Barbieri.

Os outros dois compreendem um avião de combate sem piloto, um drone de alta performance, cujos detalhes ainda são mantidos em segredo e o “carro elétrico voador”, o EVE. “A Embraer entra pesado nesse projeto porque se trata de um segmento totalmente novo, conhecido pela sigla eVTOL, de Electrical Vertical Takeoff Landing. E recebeu encomendas do EVE, mostrando que entra nesse mercado bem posicionada”, enfatiza Barbieri.

Os eVTOLs são diferentes de aviões e helicópteros, empregam tecnologia específica para voos em curtos trajetos. São feitos para voar não mais que meia hora, precisam de pistas para decolar, como aviões e helicópteros. São mais baratos, menos poluentes e mais silenciosos, devido ao seu funcionamento elétrico. A Embraer anunciou, em julho, parceria com a empresa Halo, para desenvolvimento de produtos e serviços de Mobilidade Aérea Urbana nos Estados Unidos e no Reino Unido, que fez um pedido de 200 unidades do veículo elétrico de pouso e decolagem vertical. “Depois do susto que foi o acordo com a Boeing, ela voltou a ser a velha e boa Embraer”, saúda Barbieri.

Publicado na edição nº 1182 de CartaCapital, em 4 de novembro de 2021.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo