Economia

Contra precarização, cooperativas de entregadores se multiplicam por condições éticas de trabalho

A concorrência desleal feita pelas plataformas, que tratam seus entregadores como autônomos, é uma barreira às cooperativas

Entregadores de bicicleta Paris AP - Michel Euler
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Em situação precária, milhões de trabalhadores aderem à promessa de renda imediata pela prestação de serviços em grandes aplicativos. O cotidiano é de longas jornadas, pouca remuneração e nenhuma assistência em caso de acidente ou doença. Em resposta a esse problema global, cada vez mais entregadores uberizados têm se organizado em cooperativas, como mostra um relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

Na França, já há ao menos trinta dessas cooperativas, que oferecem o trabalho de entrega a bicicleta, normal ou elétrica, com preços competitivos e garantia de salários aos associados.

Uma delas é a Olvo, criada em Paris, primeiro como associação, em 2016. Hoje a cooperativa tem mais de trinta assalariados. Leeroyd Levi, um dos fundadores explica quais são os benefícios garantidos aos associados.

“Sem nenhuma experiência, o salário é de  € 1.450 líquidos por mês, mais um plano de saúde pago pela cooperativa, mais o equipamento e a bicicleta, que pertence à empresa e não ao entregador. São condições de trabalho que nós consideramos dignas. Sabendo que em seis meses, o salário pode aumentar para 1.550 euros e, com um ano de experiência,  € 1.650 por mês.”

A remuneração está acima do mínimo nacional de € 1.231 líquidos mensais, valor que muitos entregadores não alcançavam quando eram autônomos de empresas como Deliveroo ou UberEats, mesmo trabalhando 60 horas por semana.

A cooperativa tem bicicletas cargo para fazer todo tipo de entrega, de móveis a flores ou refeições. Na empresa, há quem faça o marketing, cuide do site ou seja responsável pelas finanças, mas todos seguem sendo entregadores.

“Todos nós ainda fazemos entregas. Todos os funcionários da empresa, seja o contador ou o desenvolvedor, trabalham pelo menos quatro horas por semana em entregas. Isso é para manter a relação com a profissão, a essência da cooperativa, e com os trabalhadores. Foi assim que a empresa nasceu. Ninguém entrou aqui sem ter sido antes entregador. Isso é crucial”, explica Levi.

Plataforma de cooperativas

Além de parcerias com empresas, a cooperativa também trabalha com uma plataforma cooperativa de restaurantes, oferecendo uma opção mais ética para quem quer pedir um delivery.

Encontrar um nicho é uma boa estratégia para entrar em um mercado dominado por gigantes multinacionais, considera Mário De Conto, professor da Faculdade de Tecnologia de Cooperativismo e coordenador do projeto de pesquisa Cooperativas de Plataforma e Ambiente Jurídico, financiado pelo CNPq e pela Sescoop.

“As cooperativas trabalham mais em uma lógica de nicho do que em uma lógica de escala. Elas procuram atingir aquele cliente que está mais preocupado com a questão da sustentabilidade, que valoriza estar beneficiando algo local e não estar favorecendo uma plataforma que está baseada em outro país, em outro lugar e explorando os trabalhadores”, afirma De Conto.

Legislação trabalhista para garantir concorrência justa

A concorrência desleal feita pelas plataformas, que tratam seus entregadores como autônomos, é uma barreira às cooperativas, principalmente em países que ainda não enquadram o trabalho organizado pelos aplicativos. É isso que explica o professor de economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Vitor Araújo Filgueiras.

“A dinâmica do mercado pressiona de maneira muito importante essas iniciativas. As forças do mercado vão impor, por exemplo, condições de preço que às vezes inviabilizam as iniciativas. O primeiro agravante é que é um mercado oligopolizado por empresas gigantes, e isso permite que elas pratiquem dumping a todo momento, ou seja, pratiquem preços muito baixos para destruir a concorrência”, avalia o pesquisador da UFBA.

Para Filgueiras, o enquadramento adequado dessas plataformas às leis trabalhistas é essencial para garantir a saúde e a civilidade do mercado. Como exemplo, ele cita o caso da Espanha que, a partir do dia 12 de agosto, vai obrigar as gigantes dos aplicativos a assalariar seus entregadores.

“Para que haja alguma possibilidade de sucesso dessas iniciativas é fundamental que a legislação do direito do trabalho seja cumprida pelas empresas de entregas que se autodenominam plataformas. Se elas não cumprem a legislação trabalhista, trata-se de uma concorrência espúria. O reconhecimento do vínculo (de emprego) previsto pela legislação para qualquer atividade assalariada, como é a atividade de entrega, tem que ocorrer o mais rápido possível”, afirma.

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