Economia

Brasil planta ‘tempestade dramática’ e cenário do desemprego pode ser ‘tenebroso’ no segundo semestre, alerta economista

Para Marcio Pochmann, é difícil a democracia se manter em um país que não gera empregos

FOTO: AGÊNCIA BRASIL
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Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira 18 apontam o aumento do desemprego no Brasil. Segundo o levantamento, o número de desempregados no País cresceu em mais de 1 milhão entre a terceira e a quarta semanas de agosto, chegando a 13,7 milhões de pessoas. A taxa de desemprego no período subiu de 13,2% para 14,4%, a maior desde o início da pesquisa, em maio deste ano (quando era de 10,5%).

Em entrevista a CartaCapital, o economista Marcio Pochmann, ex-presidente da Fundação Perseu Abramo, avalia que os números tendem a piorar. “O Brasil pode ter um segundo semestre tenebroso em termos de mercado de trabalho. De um lado, muito mais um efeito estatístico, dada a metodologia de definição do desemprego aberto. Para o IBGE, as pessoas que, mesmo desempregadas, não procuravam trabalho por várias razões durante a pandemia eram consideradas inativas. À medida que se flexibilizam os controles do isolamento social, é natural que as pessoas se movam em direção à procura por trabalho. E esse movimento termina sendo capturado pelo IBGE como registro de aumento do desemprego”, afirmou.

Mas, segundo ele, outro aspecto a explicar os dados do IBGE é o fato de a economia brasileira não dar sinais de recuperação. “Os dados de população ocupada demonstram, inclusive, uma queda de cerca de 500 mil ocupações, portanto, algum registro que houve de melhora na indústria de certa maneira está relacionado muito mais a uma reposição de estoques, tendo em vista que a economia opera hoje com estoques muito baixos. E, como o nível de atividade econômica caiu muito mais rapidamente que a renda, então obviamente tem um consumo que seguiu pressionando a oferta e tivemos algum rebatimento na questão dos alimentos, com elevação de preços, e nos produtos industriais [tivemos] uma certa recomposição do estoque. Isso não sinaliza, no meu modo de ver, uma recuperação econômica”, prosseguiu Pochmann.

De acordo com o economista, o Brasil poderia ter reduzido o tamanho do desafio da chamada “reabertura econômica” se tivesse aplicado medidas de quarentena mais duras no período inicial da disseminação do novo coronavírus. “A experiência internacional, em termos de enfrentamento da pandemia, indica que os países mais exitosos foram aqueles que tomaram as decisões mais radicais no início da pandemia, ou até mesmo medidas preventivas. O Brasil certamente está no caso extremo de ausência de coordenação, de medidas tomadas sem planejamento, sem ações prévias. Isso faz com que, de um lado, tenhamos uma pandemia cujos efeitos sanitários têm se prolongado ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que se percebe que as medidas de isolamento tomadas não se deram em consonância à garantia de renda imediatamente. Isso fez com que tivéssemos apenas parte da população seguindo o isolamento. E, por conta disso, os efeitos sobre a atividade econômica e a ocupação são não apenas maiores, mas também mais prolongados”, afirmou.

Diante desse cenário, Marcio Pochmann considera complexa a tarefa de projetar o retorno de um crescimento sustentado da economia brasileira. “O Brasil, antes da pandemia, portanto em 2019, tinha um nível de atividade de sua economia quase 4% inferior ao do ano de 2014, e o nível de emprego, embora tivesse crescido, foi basicamente estimulado por ocupações não-assalariadas ou assalariadas sem carteira assinada”, relembrou.

“Não se sabe muito bem qual vai ser a queda na atividade econômica. Se projetarmos algo em torno de 7% negativos, significa dizer que em janeiro de 2021 a atividade econômica brasileira estará entre 10% e 11% abaixo do que foi no ano de 2014. Logo, os efeitos sobre o mercado de trabalho serão drásticos e prolongados. O próprio governo tem assinalado que o seu sonho de consumo é voltar ao normal da economia brasileira pré-pandemia. Ora, entre 2017 e 2019 a economia brasileira cresceu ao redor de 1% ao ano. Se esse for o sonho do governo Bolsonaro, se passarmos a crescer nesse normal de 1% ao ano a partir de 2021, isso pode significar que o Brasil só volte a ter em 2030 o nível de atividade que registrou em 2014. Ou seja, serão praticamente 15 anos em que a economia brasileira não soube o que é crescimento econômico. Logo, estamos plantando uma tempestade dramática do ponto de vista ocupacional, e é difícil imaginar que a democracia num país que não gera emprego possa se manter por muito mais tempo”, finalizou Pochmann.

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