Economia

A pesada herança da ditadura para a economia

Se eleito, Bolsonaro quer que militares componham seu gabinete. Mas apesar do chamado “milagre”, o balanço econômico dos 21 anos foi modesto

Medici e seus colegas ditadores deixaram a conta para os civis
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Na última terça-feira 2 foi divulgada uma pesquisa Datafolha que indicou que o candidato Jair Bolsonaro (PSL) ampliou sua vantagem em relação ao segundo colocado, Fernando Haddad (PT). Segundo o levantamento, o populista de direita liderava com 32% das intenções de voto, à frente do ex-prefeito de São Paulo, com 21%.

Antes mesmo da mais recente pesquisa Datafolha, divulgada nesta quinta e na qual Bolsonaro alcançou 35%, e Haddad ficou com 22%, surgiram rumores de que o capitão reformado poderia ganhar as eleições no primeiro turno.

Para os mercados, a ascensão de Bolsonaro foi um sinal positivo: investidores começaram imediatamente a apostar no Brasil. A Bolsa de São Paulo chegou a subir quase 8%. O dólar caiu 5% em relação ao real. Sobretudo investidores estrangeiros compraram ações e títulos no Brasil.

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A agência de classificação de risco Standard & Poor’s considera que Bolsonaro como presidente representaria um maior risco à economia que Haddad. Bolsonaro é um outsider político e poderia ter mais dificuldades em implementar seu programa econômico, aponta a agência.

Investidores não parecem, porém, compartilhar de tais preocupações. Para eles, é certo que, como presidente, Bolsonaro vai promover as reformas econômicas necessárias.

Tal euforia dos investidores soa irracional. Por um lado, devido ao programa econômico neoliberal difícil de implementar de Paulo Guedes, conselheiro de Bolsonaro. Mas também porque Bolsonaro quer que militares ocupem cargos ministeriais.

Uma série de militares faz parte de seu círculo de conselheiros mais próximos, também para questões econômicas. E a confiança deles nas casernas aumenta proporcionalmente em relação à ascensão de Bolsonaro nas pesquisas eleitorais. O que parece valer é a ideia de que quem tem condições de organizar o abastecimento e a logística do Exército também tem condições de contribuir para o desenvolvimento do País como ministro da Infraestrutura, por exemplo.

Tenho dúvidas quanto à competência dos militares para as reformas necessárias na economia do Brasil. Na última vez que os militares comandaram a economia, o balanço foi negativo. Foram 21 anos, de 1964 a 1985.

O chamado milagre econômico – termo usado ainda hoje pelos nostálgicos da ditadura – ocorreu somente durante quatro anos, de 1969 a 1973. Nesse período, o Brasil cresceu mais de 10% ao ano.

Os militares tinham grandes projetos para a industrialização e o desenvolvimento: a Transamazônica, hidrelétricas como as de Itaipu e Balbina, a usina nuclear de Angra, incluindo um programa de enriquecimento de urânio, a ponte Rio-Niterói, o programa do etanol, uma empresa nacional petroquímica e de construção naval, uma indústria de aço e minério sob o comando da Companhia Vale do Rio Doce, a Zona Franca de Manaus, a fabricante de aviões Embraer, o instituo de pesquisa agrária Embrapa. Alguns desses projetos tiveram sucesso, e outros fracassaram.

Os custos gerados por tais projetos “faraônicos”, como foram chamados, sobrecarregaram o Brasil por muito tempo. Eles eram financiados sobretudo com créditos estrangeiros. E então, nos anos 1970, subiram os preços do petróleo e depois, nos anos 1980, os juros.

O Brasil logo foi à falência. O País precisou de uma década e meia, até 1995, para deixar para trás o caos dos planos econômicos fracassados, da hiperinflação e das crises monetárias. Os militares haviam se recolhido nos quartéis. Eles deixaram o trabalho de arrumar a casa para seus sucessores democráticos.

A herança das políticas econômicas equivocadas dos militares pesa sobre a sociedade até hoje: durante a ditadura, construtoras coma a Odebrecht e outras empresas em torno da estatal Petrobras, com seus modelos de negócio baseados na corrupção, se transformaram em grandes players.

Até recentemente, elas dividiam todos os contratos públicos entre si sem serem perturbadas.

Além disso, nos 21 anos de ditadura, as diferenças salariais aumentaram significativamente no Brasil. O Coeficiente de Gini, que mede a desigualdade, piorou de 50 para 60 – o que é muito. Na escala de Gini, zero significa que todos têm a mesma renda. Quanto maior o coeficiente, mais desigual é a distribuição de renda.

Hoje, após quase três décadas de democracia, o Coeficiente de Gini voltou a ficar em cerca de 51. Isso faz com que o Brasil seja o número nove entre aqueles com distribuição de renda mais injusta do mundo.

A questão não é se um governo civil teria conduzido melhor a economia. Os militares mostraram que não conseguiram. 

Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Clique aqui para ler suas colunas. 

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