Cultura

‘Você não precisa deixar de ser quem você é por causa do HIV’

Autor do romance LGBT ‘Você tem a vida inteira’, recém-lançado nos EUA, Lucas Rocha quer desmistificar preconceitos

O escritor brasileiro Lucas Rocha. Foto: Arquivo pessoal
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A literatura young adult, conhecida no Brasil como jovem adulta, ganha espaço no mercado como uma importante ferramenta para O debate de questões relacionadas às vivências pessoais e coletivas de seu público-alvo – jovens de 14 a 21 anos.

Nessa toada, obras que têm como protagonistas jovens LGBTs apresentam novos finais a histórias há muito estigmatizadas.

Um dos autores de sucesso desse segmento é o carioca Lucas Rocha, de 28 anos. Bibliotecário por formação, Rocha trabalhava com revisão técnica em uma revista sobre saúde na Fundação Oswaldo Cruz  quando se deparou com um artigo sobre HIV no Brasil no século 21.

Por meio de entrevistas anônimas, o autor do artigo levantava uma série de questionamentos sobre o vírus HIV e a Aids. “As respostas eram as mais variadas possíveis, de pessoas esclarecidas até aquelas que repetiam coisas ainda muito ligadas ao estigma da epidemia da Aids nos anos 1980”, conta.

O artigo o fez pensar em uma como abordar o cotidiano moderno das pessoas que vivem com o vírus, já que a maioria do material publicado sobre o tema eram relatos biográficos ou conteúdos voltado para médicos e especialistas.

“Quis mostrar que, hoje em dia, viver com HIV não é um bicho de sete cabeças. E que existe uma vida para além do vírus”, afirma.

Em agosto de 2018, Rocha lançou Você Tem a Vida Inteira, que conta a história de três jovens cujas vidas são impactadas pelo diagnóstico do HIV.

A obra foi lançada na Bienal do Livro em São Paulo daquele mesmo ano. O evento também contou com a presença do autor David Levithan, cujo livro Will e Will, Um nome, Um Destino foi o primeiro livro jovem adulto gay a entrar na lista do New York Times.

O autor americano leu o livro do jovem brasileiro – e gostou. Em setembro daquele ano, Rocha recebeu um e-mail perguntando se tinha interesse em vender o livro no exterior.

Você Tem a Vida Inteira foi publicado nos Estados Unidos em junho de 2020, com o título Where We Go From Here. Lucas Rocha ficou surpreso. Não apenas porque aquele é seu primeiro livro, mas também porque o mercado editorial americano é muito restrito – as traduções representam apenas 3% dos títulos publicados no país.

Segundo o Ministério da Saúde, a taxa de mortes causadas pela Aids no País teve queda de 17,1% entre 2015 e 2019. Atualmente, cerca de 920 mil pessoas vivem com HIV no Brasil, sendo que 77% dessas fazem tratamento com medicamentos antirretrovirais, distribuídos gratuitamente pelo SUS.

Nas pesquisas para o livro, o autor conheceu centros de tratamento São Gonçalo (RJ), cidade onde morava. Confessa ter se surpreendido com a estrutura, eficiência e disponibilidade da equipe presente em ajudá-lo. “O tratamento não só é gratuito, mas também muito eficaz. E cobre uma rede ampla de pacientes”.

“Esse mito de que o SUS não funciona se mostrou uma inverdade . O Brasil é referência mundial no tratamento de HIV no mundo e o SUS cobre de norte a sul, de leste a oeste do país. É muito importante celebrarmos isso”, aponta. 

Ao longo processo de escrita, conta, o autor teve muito cuidado em abordar as questões técnicas do tema: tratamentos, efeitos colaterais e medicamentos, pois “não é o tipo de informação que eu possa me dar ao luxo de errar”.

Outra preocupação foi que o personagem aprendesse sobre o HIV e a ao longo da narrativa. “O Victor [personagem do livro] é cheio de questões que eu também tinha aos vinte e poucos anos, por não ter acesso a todas as informações sobre o tema“, diz o autor. “Queria que o leitor pudesse aprender junto com ele”.

Lucas Rocha na Bienal do Livro em São Paulo (2018). Foto: Agência Página 7

Lucas também se ateve à recepção do livro entre os pais de seus leitores. “Infelizmente, vivemos em um País preconceituoso“, lamenta. Por conta disso, a editora apostou em uma capa discreta para o livro e investiu na edição digital, que pode ser lida em tablets e e-readers. “Esses são pequenos esforços que podemos fazer. Para a minha alegria, não tive nenhum comentário negativo por parte de pais ou de pessoas mais velhas.”

 Todo livro lançado por um autor que seja parte de minorias raciais ou sexuais, comenta, é uma vitória. “O mercado editorial ainda é dirigido por muitos homens brancos heterossexuais”. 

Para ele, o reconhecimento internacional traz a sensação de dever cumprido e, ao mesmo tempo,uma responsabilidade muito grande, pois abre caminho para que outras histórias LGBTs sejam publicadas. “Eu quero um mundo editorial em que os leitores tenham a opção de escolher”.

Com Você Tem a Vida Inteira, Lucas quer trazer esperança àqueles que foram impactados pelo diagnóstico do HIV. “Espero poder mostrar que você não precisa deixar de ser quem você é por causa do HIV, que há a possibilidade de um final feliz. As coisas vão ser diferentes, mas vão continuar sendo.”

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