Cultura

Sem “devaneios”, Zé Manoel levanta vozes contra o racismo em álbum

3º trabalho autoral do pernambucano apresenta músicas da expressividade negra entre falas de luta, revelando um artista comprometido

Foto: Máquina 3/Divulgação Foto: Máquina 3/Divulgação
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O cantor, compositor e pianista Zé Manoel fez um ótimo álbum em 2016 chamado Delírio de um Romance a Céu Aberto, com reinterpretações de músicas românticas com várias participações. Um ano antes, ele lançou Canção de Silêncio, um trabalho poético e elegante.

 

Agora, nesse terceiro álbum autoral e quinto da carreira, deixa de lado os sonhos e amores e reúne diferentes linguagens em um trabalho bem construído de resistência e contra racismo, sem deixar de lado a poesia.

“Tento remontar um pedacinho da história do povo preto, do povo indígena, que é uma história que nos foi negada, usando referências musicais e de idioma. De certa forma esse é um trabalho em que estou mais presente, onde pude me expressar melhor”, conta.

“Diante do que estamos vivendo, não é momento de ficar de devaneios sobre a natureza, o amor. A gente está num período de racismo, de violência. Assim, senti necessidade de trazer isso para o meu trabalho da minha forma”.

As faixas

Abertura do álbum Do Meu Coração Nu (Joia Moderna), com a música História Antiga, já mostra a que veio Zé Manoel neste projeto: “Num país com armas apontadas, políticas ultrapassadas e olhares atravessados para nós / Houve um tempo em que a canção não impedia mais um negro de morrer, por conta de sua cor”.

A segunda faixa, No Rio das Lembranças, um canto de candomblé recolhido num terreiro, com letra de Guitinho da Xambá e Zé Manoel, com participação do grupo Bongar.

A terceira, um som instrumental, no belo piano executado por Zé Manoel (começou a tocar piano aos 9 anos), com voz incidental da historiadora Beatriz Nascimento, extraído do documentário O Negro da Senzala ao Soul (1977), que mostra a reorganização do movimento negro nos anos 1970 no ritmo da soul music. Ela fala da visão branca de nossa história, o que “deforma a história do negro”.

A seguinte, uma música na língua francesa, Notre Histoire, escrita por Stephane San Juan e melodia de Zé Manoel, e trata da ancestralidade africana (continente marcado pela ocupação francesa).

Depois, Zé Manoel, que é conhecido na carreira pelo lirismo refinado, vem com cinco faixas nessa linha, com bastante domínio: Não Negue Ternura (em parceria com a baiana Luedji Luna, que participa da faixa), Prelúdio Pra Iluminar o Rolê (com poesia declamada por Bell Puã, com sutil preocupação à violência: “Pedindo que a bala perdida se perca de vez…”), Pra Iluminar o Rolê (“Só me resta pedir que Deus proteja o seu rolê”), Way My Divine (letra em inglês da americana Gabriela Riley, com a participação da própria na gravação) e Canto pra subir.

A penúltima, Escuta Letieres Leite, uma fala do maestro Letieres Leite, enviada por áudio a Zé Manoel, sobre a inserção negra na música brasileira.

Por fim, Adupé Obaluaê, um canto afro-brasileiro, que tem um clipe rodado em Salvador bem representativo.

“As falas contextualizam o que estou contando. Quem ouvir o disco completo vai ouvir as músicas dentro de um contexto. Tem muita gente preta construindo conteúdo importante”.

O álbum novo de Zé Manoel é um trabalho muito bem produzido, com “colagem de histórias”, como define o próprio autor, incomum em registro fonográfico, mas cuidadosamente aplicada. Segundo o cantor e compositor, o produtor do trabalho, o baiano Luisão Pereira, teve papel fundamental nisso.

Trata-se de um marcante projeto musical colocado nas plataformas de música durante esse período de pandemia.

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