Cultura

Governo Doria vai entrar com ação por inconstitucionalidade contra Mario Frias

Decreto federal é publicado quatro dias antes da inauguração do Museu da Língua Portuguesa e cria regras que impactam o evento

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Exatamente quatro dias antes da inauguração Museu da Língua Portuguesa, agendada para o próximo sábado 31, o governo federal editou um decreto que altera o Programa Nacional de Incentivo à Cultura, que inclui, entre outros mecanismos, a Lei Rouanet.

Desta vez, não se trata de mais um dos factoides que tumultuam a política cultural desde que Jair Bolsonaro chegou à presidência. O decreto não é tão somente uma ameaça. É uma mudança concreta no mecanismo que existe há 30 anos e que, antes do atual governo, tinha sido alterado uma única vez, por um decreto de 2006.

O texto incorpora instruções normativas antigas; reescreve trechos do decreto de 2006 ao mesmo tempo em que elimina outros, como o que trata de políticas afirmativas; e traz coisas novas. Advogados e associações ainda tentam entender os impactos da medida.

 

Já é, porém, possível definir três eixos em torno dos quais giram as mudanças. São eles: a centralização das decisões sobre projetos na secretaria Especial de Cultura; um maior controle sobre os recursos utilizados pelas grandes instituições e grandes patrocinadores; e a redefinição, com um olhar passadista, das áreas artísticas nas quais um projeto pode ser inscrito.

Apesar de atingir o setor cultural como um todo (confira a reportagem completa na edição impressa de CartaCapital), o decreto parece mirar, em especial, as ações culturais ligadas ao governo do estado de São Paulo. Entre os dez maiores captadores da Lei Rouanet em 2020, estão seis instituições paulistas. Entre elas, todas as que são públicas trabalham com o que se chama de planos anuais.

Esses planos não estão sujeitos ao teto de 6 milhões de reais da lei e são voltados a instituições perenes, que têm atividades contínuas, como museus e orquestras. Pois o decreto estabelece que, a partir de agora, os planos anuais, salvo aqueles que dizem respeito a ações educativas ou museus púbicos, sejam aprovados diretamente pelo secretário Mário Frias, a quem caberá avaliar a “relevância” dos projetos.

O viés centralizador se estende para a obrigação de que, a partir de agora, estados e municípios peçam autorização da secretaria para realizar eventos de inauguração de projetos que tenham usado recursos provenientes da lei federal. O maior indicativo de que esse artigo foi colocado no texto com o objetivo de atingir o Museu da Língua Portuguesa é que governo fez ontem um pedido de diligência relativo à cerimônia marcada para sábado e, hoje, escreveu um post dizendo que a obra é do governo federal e não do governo paulista.

Cabe lembrar que, na semana passada, Frias, após ler a palavra “todes” num post feito pelo museu da Estação da Luz, disse que tomaria “medidas para impedir que usem dinheiro público federal para piruetas ideológicas”.

 

Essa não foi a primeira vez em que Frias atacou os grandes projetos ligados ao governo paulista. No início do ano, ele escreveu: “O Museu do Ipiranga é uma obra financiada pela Secult @CulturaGovBr, não pelo governador de São Paulo”. O projeto de restauro e modernização do museu paulista foi o maior captador de recursos da lei em 2020 e tem, entre os apoiadores, alguns dos maiores patrocinadores do país, como  BNDES, Bradesco, CSN, Banco do Brasil e Itaú.

Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, afirmou à CartaCapital, por escrito, que o governo entrará com uma ação indireta de inconstitucionalidade contra o decreto. “Além de trazer conceitos anacrônicos e uma visão autoritária, o decreto extrapola o disposto na Lei Rouanet e apresenta uma série de ilegalidades, como a criação de obrigações a estados e municípios”, afirma. “Isso fere frontalmente o pacto federativo e, portanto, a Constituição.” Leitão disse ainda que convocaria os demais estados a fazerem o mesmo.

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