Cultura

É oportunismo, dizem artistas que trabalharam com diretor bolsonarista

Roberto Alvim, que caiu nas graças do presidente por seu ativismo religioso, é o novo presidente da Funarte

Reprodução Facebook
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No dia 18 deste mês,  o ministro da Cidadania, Osmar Terra, anunciou o novo presidente do Centro de Artes Cênicas da Funarte. O dramaturgo Roberto Alvim foi o escolhido pelo governo para comandar a pasta que cuida do desenvolvimento de políticas públicas de fomento à arte no Brasil.

Alvim entrou no radar dos bolsonaristas após publicar em suas redes sociais mensagens de apoio ao presidente e ao filósofo Olavo de Carvalho. O presidente chegou a realizar um encontro com o diretor após seu apoio público ao pensamento conservador.

Ele chegou a dizer, em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, que vem sendo perseguido pela classe artística por seu posicionamento. Após várias polêmicas, Roberto foi convidado oficialmente para integrar o governo. O convite veio após o diretor publicar em seu Facebook um manifesto pedindo para integrantes da classe teatral entrar em contato com ele para montar um grande banco de dados de artistas de teatro conservadores. “Vamos criar uma máquina de guerra cultural”, disse ele em sua publicação.

O dramaturgo assumirá o lugar de Nilo Augusto Barboza Viana, que estava no cargo de forma interina desde fevereiro de 2017. O governo estava com dificuldade de encontrar alguém para ocupar a função, pois não localizava nomes da arte que se alinhassem ao pensamento de Bolsonaro.

Nesta semana, a Associação de Servidores da Funarte fez uma carta de repúdio à indicação de Roberto Alvim para a direção do Centro de Artes Cênicas da instituição. “Denunciamos o uso de cargo público para disputa ideológica, prática especialmente danosa na esfera das políticas públicas para as artes”, afirma a nota.

Alvim, que é um nome forte no meio teatral, vinha tendo uma mudança de posição que causou estranheza em seus pares. Quando Jair Bolsonaro sofreu uma tentativa de assassinato, ele chegou a fazer um post defendendo o então candidato, mas depois apagou e se desculpou.

A estranheza aconteceu porque Alvim não tinha atitudes e pensamentos conservadores. Uma de suas obras mais reconhecidas foi a montagem de Leite derramado, peça baseada no livro de Chico Buarque, que estreou em 2016. Na época, o diretor chegou a postar em suas redes uma foto com Chico, enaltecendo o trabalho do músico que é um defensor acirrado do PT.

Roberto Alvim com Chico Buarque. Reprodução: Facebook

A reportagem entrou em contato com pessoas próximas a Alvim, e que já trabalharam com ele, para entender essa guinada à direita que o dramaturgo teve e responder à seguinte pergunta:

O que levou o diretor a se tornar um bolsonarista?

Roberto Alvim nasceu no Rio de Janeiro e se formou como ator aos 22 anos, na Casa das Artes de Laranjeiras. Pouco tempo depois, deu início à sua formação como professor de História do Teatro e de Literatura Dramática. Após a conclusão do curso, em 2006, mudou-se para São Paulo.

Alvim se casou com a atriz Juliana Galdino e os dois se uniram também na profissão. Abriram no coração do baixo Augusta um teatro chamado “Companhia Club Noir”, que funcionou por mais de 12 anos e fechou as portas neste mês. O diretor afirmou que a causa do fechamento foi o boicote que estava sofrendo da classe artística.

Diversos teatros no Brasil estão sofrendo cortes devido às mudanças na lei de incentivo à arte feita pelo governo Bolsonaro. Com o novo programa chamado “Lei de Incentivo à Cultura”, o teto de gastos caiu de 60 milhões para 1 milhão, e o acesso aos editais está cada vez difícil.

Uma colega de Alvim, que já trabalhou diversas vezes com o diretor, contou que ele sempre foi um crítico da antiga Lei Rouanet, principalmente da maneira como ela era colocada em prática, mas que defendia o incentivo por parte do Estado para as montagens artísticas, algo que Bolsonaro já disse que é contra.

Outro ponto que causa estranhamento em seus colegas é a religiosidade do diretor. Ter uma devoção a Deus não era uma característica do dramaturgo. Alvim sempre se declarou ateu e tinha uma vida boêmia. Vários colegas dizem que ele tinha problemas com drogas e bebidas.

Em 2017, o diretor descobriu um tumor benigno no estômago e foi nesse momento que, segundo ele, começou sua conversão ao cristianismo. Em entrevista à Gazeta do Povo, no último dia 11, o diretor conta que estava sofrendo com a doença e viu um milagre acontecer após uma oração de sua empregada.  “Tive uma conversão bem radical de dois anos para cá”, conta.

A reportagem entrou em contato com um ator que trabalhou com Alvim recentemente e ele disse estranhar a postura espiritualizada do diretor. Os dois trabalharam juntos durante meses e Alvim não citou que era religioso em nenhum momento. “A única coisa que sentia nele era um antipetismo muito grande. Sempre falava mal do Lula, da Dilma, mas sempre utilizando um senso comum”, conta. “O elenco fazia encontros em bares após ensaios, e em nenhum momento Alvim deixou sua posição religiosa e conservadora em evidência”, diz o ator.

Atualmente, o diretor posta habitualmente em suas redes sociais dizeres bíblicos e orações. De um mês para cá, houve um aumento nos posts que citavam Deus.

Um colega de Alvim, que não quer revelar sua identidade, faz grandes elogios ao trabalho do dramaturgo. Diz que atuar com ele dirigindo foi uma experiência única e enalteceu a inteligência do atual Bolsonarista. Ele acredita, porém, que a atitude recente do diretor é oportunismo para conseguir um cargo no governo e salvar seu teatro.

Nesta semana, Roberto postou em suas redes um pedido de ajuda financeira para conseguir quitar as dívidas do local. “Como muitos amigos se prontificaram a nos ajudar, venho aqui, humildemente, solicitar essa ajuda para a quitação da dívida. Se 1 mil pessoas doarem, cada uma, apenas 30 reais, pagaremos tudo e poderemos recomeçar do zero em Brasília (onde só devo receber meu primeiro salário em fim de julho/início de agosto).”

A inteligência que causa medo

Após a polêmica causada pelo post de Alvim, chamando os conservadores da arte para travar uma luta ideológica, grupos de Whatsapp de pessoas que trabalham com teatro começaram a ferver. As pessoas estavam assustadas e apreensivas.

Uma delas é um ator e diretor, que em algum momento foi muito próximo de Alvim. Em um áudio enviado a seus colegas de profissão, ao qual CartaCapital teve acesso, ele diz que tem muito medo do que está por vir. “Alvim é uma pessoa muito inteligente e articulada, um cara convincente. Ele não vai parar”, afirmou.

“Alvim acredita que ele e o Bolsonaro têm uma missão sagrada na Terra. Ele se curvou de forma radical na religião. Foi muito repentino. Ele é um perigo real”, seguiu com o alerta.

“É uma guerra, como ele mesmo disse. É uma guerra. Precisamos pensar em como vamos nos defender e contra-atacar. Estou extremamente triste de ter perdido o contato com uma pessoa que era próxima e não reconheço mais”, termina o áudio enviado para seus amigos.

A reportagem tentou entrar em contato com Roberto Alvim pelo e-mail, mas não obteve resposta. A Funarte afirmou, através de sua assessoria, que não sabe a data em que o novo presidente tomará posse.

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