Cultura

Cineastas voltam a criticar burocratização da Ancine e atraso na aprovação de políticas culturais

Cacá Diegues e Fernando Meirelles acusam agência de atrasar projetos e lamentam lentidão do Congresso nas discussões sobre o Vale-Cultura e sobre a revisão da lei de direitos autorais

'A Ancine está aparelhada demais, com muitos amigos de amigos', reclama Fernando Meireles. Foto: Clara Gouvêa/Cine-PE 2012
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Por Rodrigo Rodrigues, em Olinda (PE)

Reunidos na última semana para celebrar o cinema brasileiro em Olinda, durante a 16ª Edição do Cine-Pernambuco, cineastas e produtores culturais criticaram duramente a burocratização do setor e o atraso do governo e do Congresso Nacional na votação de projetos importantes para o meio cultural.

O alvo principal das críticas é a Ancine (Agência Nacional do Audiovisual), que é acusada de dificultar e atrasar processos de captação e prestação de contas dos filmes. A agência já havia sido alvo de um manifesto no ano passado assinado por 200 cineastas e produtores culturais, entre os quais Suzana Amaral, Tizuka Yamazaki, Nelson Pereira dos Santos, Cao Hamburger, Heitor Dhalia e Laís Bodanzky.

A carta foi entregue à ministra da Cultura, Ana de Holanda, em abril de 2011. Entretanto, segundo o cineasta Cacá Diegues, que também assinou o manifesto, de lá para cá não houve avanços. “Diante da reclamação geral, a diretoria da Ancine começou a receber os cineastas para discutir o assunto. Isso é prova de boa vontade, mas não gerou nenhum resultado. A burocratização da Ancine não é só apenas uma coisa indesejável, mas também muito perigosa. A burocracia é instrumento de  censura ideológica, estética, política e artística”, reclama Diegues, um dos homenageados do Cine-PE pelas contribuições dadas ao cinema brasileiro ao longo de mais de 50 anos de carreira.

Diretor de sucesso como Xica da Silva (1976), Bye bye, Brasil (1979) e O maior amor do mundo (2010), Cacá Diegues reclama que o excesso de controles e exigências da Ancina na aprovação de projetos tprejudica não só a produção dos grandes figurões do cinema nacional, mas também a entrada de novos produtores e diretores no mercado. “A burocracia tem eliminado o produtor independente, pobre e de um filme só. Porque ele fica sem recurso para atender todas as exigências que a Ancine ou qualquer outra agência faz. Produzir um filme não é igual a produzir um sapato ou administrar um botequim. Existem milhares de maneiras para fazer um filme e muitas alternativas dentro dessas milhares de maneiras. Se (a Ancine) cria uma burocracia insustentável, ela engessa essas alternativas e impede que iniciativas criativas se multipliquem”, afirma.

A reclamação também é compartilhada pelo cineasta Fernando Meirelles, sócio da Produtora O2 Filmes. Diretor premiado mundialmente por sucessos como Cidade de Deus (2002), Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008), Meirelles conta que a burocratização na Ancine retardou alguns projetos da O2, entre eles uma série de tevê em seis capítulos que seria rodada em Londres com a participação do ator Daniel Oliveira. “Já estávamos acertados com a tevê Globo para exibição da produção. Mas uma série de exigências da agência fizeram o projeto voltar a estaca zero e nem temos perspectiva de quando vai começar a andar novamente”, reclama. A série captaria parte dos recursos através da Lei do Audiovisual, que concede isenção fiscal às empresas que financiam os projetos.

Afável nos gestos e cuidadoso com as palavras, Fernando Meirelles sugere que a Ancine está “aparelhada demais”, “com muitos amigos de amigos” que não entendem como se dá uma produção cinematográfica. “A burocracia na Ancine piorou (depois do manifesto). A agência tem hoje cerca de 600 funcionários. Eles gastam mais para manter a burocracia do que para fazer filmes”, desabafa. “São 600 funcionários para conferir papel. Não existe 600 pessoas na indústria do cinema, juntando todos os técnicos e diretores que estão na ativa não dá isso. É uma realidade insana. É uma realidade que complica muita a produção cultural. A quantidade de projeto que estão parados porque a Ancine não dá conta da papelada que inventou é enorme. Isso prejudica muito o fazer cinema no Brasil”, reclama o cineasta, que já concorreu ao prêmio Oscar em 2004 e ao Globo de Ouro, em 2006.

Burocracia na prática

O curador do Cine-PE, Alfredo Bertini, que também é produtor cultural e de cinema, vê a burocracia da Ancine a tratar todos como “marginais, até que se prove o contrário”. Ele conta que o próprio festival de cinema de pernambucano, que já existe há 16 anos, em 2012 chegou a ser ameaçado pela letargia das regras burocráticas. Segundo Bettini, para ter a garantia que um festival vai mesmo acontecer e não haverá desvio de recursos, a lei orienta que o dinheiro captado via Lei Rouanet ou do Audiovisual sejam distribuídos apenas após o encerramento do evento.

Contudo, para reservar o teatro municipal Guararapes, em Olinda, onde o festival de cinema foi realizado, o Tribunal de Contas orienta o poder público a receber o dinheiro antes. “Como é que iria pagar um aluguel tão caro com antecedência, sem os recursos disponível? Para resolver o problema, tive que ir ao ministro do Tribunal de Contas, em Brasília. Isso gera despesas e tempo perdido que um produtor independente, lá do interior do país, não tem condições de cumprir, fazendo com que o próprio sistema exclua esse produtor do processo”, lamenta Bertini.

Apesar das críticas, o curador e produtor do Cine-PE afirma que entende a fiscalização rigorosa da Ancine, pois trabalha com dinheiro público. Ele afirma porém, que é preciso encontrar outras formas de controle que não prejudique o andamento dos projetos. “No setor da gente, até que se prove o contrário é todo mundo ladrão. Isso não pode acontecer”, avalia.

Para poder acontecer, o Festival de Cinema de Pernambuco contou com a renúncia fiscal via Lei Rouanet e Incentivo a Cultura de R$1,8 milhão, captado através de empresas como Petrobras, Stella Atois, BNDES, entre outras. Por envolver tantos recursos que poderiam ser alocados aos cofres públicos, Fernando Meirelles também defende uma fiscalização eficaz. Mas pede bom censo dos mecanismos fiscalizatórios. “Claro que Ancine precisa fiscalizar. Mas pelo que eu saiba, nos últimos anos não têm casos de evasão de dinheiro como aconteceu no passado. Talvez tenha um excesso de zelo. O custo para controlar é mais caro que o de eventuais vazamentos”, analisa.

Por Rodrigo Rodrigues, em Olinda (PE)

Reunidos na última semana para celebrar o cinema brasileiro em Olinda, durante a 16ª Edição do Cine-Pernambuco, cineastas e produtores culturais criticaram duramente a burocratização do setor e o atraso do governo e do Congresso Nacional na votação de projetos importantes para o meio cultural.

O alvo principal das críticas é a Ancine (Agência Nacional do Audiovisual), que é acusada de dificultar e atrasar processos de captação e prestação de contas dos filmes. A agência já havia sido alvo de um manifesto no ano passado assinado por 200 cineastas e produtores culturais, entre os quais Suzana Amaral, Tizuka Yamazaki, Nelson Pereira dos Santos, Cao Hamburger, Heitor Dhalia e Laís Bodanzky.

A carta foi entregue à ministra da Cultura, Ana de Holanda, em abril de 2011. Entretanto, segundo o cineasta Cacá Diegues, que também assinou o manifesto, de lá para cá não houve avanços. “Diante da reclamação geral, a diretoria da Ancine começou a receber os cineastas para discutir o assunto. Isso é prova de boa vontade, mas não gerou nenhum resultado. A burocratização da Ancine não é só apenas uma coisa indesejável, mas também muito perigosa. A burocracia é instrumento de  censura ideológica, estética, política e artística”, reclama Diegues, um dos homenageados do Cine-PE pelas contribuições dadas ao cinema brasileiro ao longo de mais de 50 anos de carreira.

Diretor de sucesso como Xica da Silva (1976), Bye bye, Brasil (1979) e O maior amor do mundo (2010), Cacá Diegues reclama que o excesso de controles e exigências da Ancina na aprovação de projetos tprejudica não só a produção dos grandes figurões do cinema nacional, mas também a entrada de novos produtores e diretores no mercado. “A burocracia tem eliminado o produtor independente, pobre e de um filme só. Porque ele fica sem recurso para atender todas as exigências que a Ancine ou qualquer outra agência faz. Produzir um filme não é igual a produzir um sapato ou administrar um botequim. Existem milhares de maneiras para fazer um filme e muitas alternativas dentro dessas milhares de maneiras. Se (a Ancine) cria uma burocracia insustentável, ela engessa essas alternativas e impede que iniciativas criativas se multipliquem”, afirma.

A reclamação também é compartilhada pelo cineasta Fernando Meirelles, sócio da Produtora O2 Filmes. Diretor premiado mundialmente por sucessos como Cidade de Deus (2002), Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008), Meirelles conta que a burocratização na Ancine retardou alguns projetos da O2, entre eles uma série de tevê em seis capítulos que seria rodada em Londres com a participação do ator Daniel Oliveira. “Já estávamos acertados com a tevê Globo para exibição da produção. Mas uma série de exigências da agência fizeram o projeto voltar a estaca zero e nem temos perspectiva de quando vai começar a andar novamente”, reclama. A série captaria parte dos recursos através da Lei do Audiovisual, que concede isenção fiscal às empresas que financiam os projetos.

Afável nos gestos e cuidadoso com as palavras, Fernando Meirelles sugere que a Ancine está “aparelhada demais”, “com muitos amigos de amigos” que não entendem como se dá uma produção cinematográfica. “A burocracia na Ancine piorou (depois do manifesto). A agência tem hoje cerca de 600 funcionários. Eles gastam mais para manter a burocracia do que para fazer filmes”, desabafa. “São 600 funcionários para conferir papel. Não existe 600 pessoas na indústria do cinema, juntando todos os técnicos e diretores que estão na ativa não dá isso. É uma realidade insana. É uma realidade que complica muita a produção cultural. A quantidade de projeto que estão parados porque a Ancine não dá conta da papelada que inventou é enorme. Isso prejudica muito o fazer cinema no Brasil”, reclama o cineasta, que já concorreu ao prêmio Oscar em 2004 e ao Globo de Ouro, em 2006.

Burocracia na prática

O curador do Cine-PE, Alfredo Bertini, que também é produtor cultural e de cinema, vê a burocracia da Ancine a tratar todos como “marginais, até que se prove o contrário”. Ele conta que o próprio festival de cinema de pernambucano, que já existe há 16 anos, em 2012 chegou a ser ameaçado pela letargia das regras burocráticas. Segundo Bettini, para ter a garantia que um festival vai mesmo acontecer e não haverá desvio de recursos, a lei orienta que o dinheiro captado via Lei Rouanet ou do Audiovisual sejam distribuídos apenas após o encerramento do evento.

Contudo, para reservar o teatro municipal Guararapes, em Olinda, onde o festival de cinema foi realizado, o Tribunal de Contas orienta o poder público a receber o dinheiro antes. “Como é que iria pagar um aluguel tão caro com antecedência, sem os recursos disponível? Para resolver o problema, tive que ir ao ministro do Tribunal de Contas, em Brasília. Isso gera despesas e tempo perdido que um produtor independente, lá do interior do país, não tem condições de cumprir, fazendo com que o próprio sistema exclua esse produtor do processo”, lamenta Bertini.

Apesar das críticas, o curador e produtor do Cine-PE afirma que entende a fiscalização rigorosa da Ancine, pois trabalha com dinheiro público. Ele afirma porém, que é preciso encontrar outras formas de controle que não prejudique o andamento dos projetos. “No setor da gente, até que se prove o contrário é todo mundo ladrão. Isso não pode acontecer”, avalia.

Para poder acontecer, o Festival de Cinema de Pernambuco contou com a renúncia fiscal via Lei Rouanet e Incentivo a Cultura de R$1,8 milhão, captado através de empresas como Petrobras, Stella Atois, BNDES, entre outras. Por envolver tantos recursos que poderiam ser alocados aos cofres públicos, Fernando Meirelles também defende uma fiscalização eficaz. Mas pede bom censo dos mecanismos fiscalizatórios. “Claro que Ancine precisa fiscalizar. Mas pelo que eu saiba, nos últimos anos não têm casos de evasão de dinheiro como aconteceu no passado. Talvez tenha um excesso de zelo. O custo para controlar é mais caro que o de eventuais vazamentos”, analisa.

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