Cultura

Baixista ícone da MPB, Jorge Helder lança álbum após 40 anos de carreira

Músico de Maria Bethânia, Caetano Veloso e Chico Buarque faz um harmonioso e profundo trabalho em Samba Doce

Jorge Helder com Chico Buarque
Jorge Helder com Chico Buarque. Foto: Maria Carolina Rodrigues/Divulgação Jorge Helder com Chico Buarque. Foto: Maria Carolina Rodrigues/Divulgação
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Ele reconhece que o convívio com Maria Bethânia, Caetano Veloso e Chico Buarque por décadas o ajudou a criar um roteiro harmonioso nesse seu primeiro álbum solo depois de 40 anos de carreira.

 

De fato, Samba Doce (Selo Sesc), de Jorge Helder, expressa de forma exuberante o valor da intimidade com a nata da MPB desse contrabaixista ícone da música brasileira.

Mas Jorge Helder não é só habilidoso com seu instrumento talhado por décadas. É também profundo na composição, na harmonia, na arte de produzir música.

“Nos primeiros anos não tinha na minha mente vontade de gravar. Trabalhei muito desde que cheguei ao Rio de Janeiro em 1986, e não havia tempo de compor como gostava”, lembra.

“Quando componho, fico praticando bastante o instrumento que uso para isso, o violão, para desempenhar minhas ideias”.

Mas o grande passo mesmo na composição (ele é só melodista) foi a partir dos anos 2000. E começou bem, numa parceria com Chico Buarque, gravada no álbum Carioca (2006).

Jorge Helder conta que mandou a melodia para o Chico e ficou na esperança dele pôr letra, mas desconfiado se a empreitada iria mesmo à frente. Um dia, recebeu ligação de Vinicius França, empresário do cantor, o convocando para a gravação de mais uma faixa do álbum – era uma das últimas a serem registradas.

“Ele (o Vinicius) até ressaltou: ‘traz o baixo elétrico’, por que ele sabe que toco também o baixo acústico”.

Chegando ao estúdio, Chico reunido com os músicos, começa a conversar como vai ser o tom da gravação até que em um certo momento, depois de algumas brincadeiras, ele abre que se trata de uma composição com Jorge Helder.

Jorge Helder Jorge Helder com baixo acústico. Foto: Nelson Faria/Divulgação

O contrabaixista é tomado pela emoção, se levanta, sai da sala, retorna. A cena foi registrada no documentário Desconstrução, sobre a gravação do álbum Carioca de Chico Buarque, e tornou-se famosa.

“Cheguei no estúdio achando que ia gravar uma música nova do Chico. Eu nem sabia que estava sendo filmado. Foi muito verdadeiro, espontâneo. Eu não tinha conhecimento dos fatos”.

Após a gravação, todos saíram para comemorar numa pizzaria, onde o título da música foi sugerido pelo cantor: Bolero Blues. Depois, Chico gravou em outros álbuns mais duas músicas com Jorge Helder: Rubato e Casualmente.

As três composições estão no trabalho de estreia de Jorge Helder, com arranjos diferentes e participação de Chico na gravação de Bolero Blues. Em Rubato, quem gravou a voz foi Renato Braz, e em Casualmente, a faixa que fecha o álbum, o vocal é do grupo Boca Livre (Zé Renato, David Tygel, Lourenço Baeta e Mauricio Maestro).

Aldir Blanc

O álbum conta ainda com a participação de Rosa Passos, numa canção que ela tinha gravado no seu último trabalho de uma parceria de ambos: Inocente Blues.

Destaque, porém, entre as cinco faixas cantadas entre as 12 do álbum Samba Doce, é a gravação de Dorivá, uma parceria de Jorge Helder com Aldir Blanc, numa homenagem a Dorival Caymmi, interpretada pelo filho, Dori Caymmi.

A composição foi feita há cerca de 20 anos. “Quando compus foi por influência do Dori. Levei (a melodia) para o Aldir, mas não contei nada para ele. Aldir devolveu em duas semanas com essa letra. Fiquei pensando onde ele tirou essa ideia. Fiquei impressionado. Aí, contei para ele da influência do Dori, e ele ficou rindo”.

Jorge Helder compara seu álbum como uma suíte musical, com uma sequência.

“O disco tem esse movimento. Começa com um trio, simples. Depois, entra um ijexá, mistura das coisas típica do Aldir. Em seguida, a Orquestra Atlântica com Rosa Passos. Vem a orquestração de Vagaroso para acalmar. Aí, entra o Chico de forma grandiosa. Em seguida, aparece meu lado mais agressivo harmonicamente, e acaba o disco com a música ‘não voltará nunca mais a canção sentimental’ (verso de Casualmente).”

A parte instrumental do trabalho de Jorge Helder é também bastante poética. A música Vagaroso, uma composição mais erudita, ele escreveu para sax alto e piano.

“Foi meu lado mais audacioso. Ouço muito músicas clássicas. Sempre tive vontade de compor dessa forma. Tem que ter conhecimento e dom”, diz. O interessante é que ele não toca nessa música, deixando a tarefa para Nailor Proveta (sax alto), Marcos Nimrichter (piano) e a Orquestra de Cordas de São Petersburgo, com arranjo de Paulo Aragão.

O baixista nascido em Fortaleza Jorge Helder está trabalhando no novo álbum de Maria Bethânia. Caetano Veloso assina um belo texto sobre o músico no material de divulgação do Samba Doce: “Nesse seu álbum autoral, encontram-se a doçura e a mordacidade harmônica: aquela nunca é sufocada por esta”.

Samba Doce tem a participação de um punhado de instrumentistas do primeiro time, além dos já citados. É um prazer aos ouvidos esse trabalho em tempos confusos.

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