Cultura

A periferia está deprimida e a superação pode ser explosiva, avalia sociólogo

Doutor em sociologia e sambista nascido e criado no extremo da Zona Leste de SP, Tiaraju Pablo conta a luta da periferia em meio à pandemia

Crédito: Fotos Públicas
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Nascido e criado na Vila União, no extremo da Zona Leste de São Paulo, o sociólogo Tiaraju Pablo D’Andrea só saiu de lá em 2016, depois de 35 anos, já como doutor em sociologia, para fazer pós-doc na França. Quando voltou, dois anos depois, foi morar na Vila Esperança, não muito distante de onde vivia.

“É um bairro conhecido pelos seus carnavais”, diz sobre a nova morada com o conhecimento de causa de quem foi mestre de bateria, organizou rodas de samba e participa de escolas de samba há 25 anos em paralelo a carreira acadêmica. Mas hoje, com a pandemia, avalia um quadro difícil e desolador na periferia.

“Antes da chegada do novo coronavírus ao Brasil nós estávamos imersos em meio a quatro crises”, diz. As crises que menciona é a política, com a escalada autoritária e descrédito das eleições; a econômica, com aumento de desempregados e da informalidade; a sanitária, com desmonte das políticas públicas voltadas à saúde e a social. com o somatório de tudo isso.

“A crise social é a incerteza em relação ao presente e ao futuro, fato que torna imprevisível as reações individuais e coletivas. A crise social é a antessala do caos e da violência”.

De acordo com o sociólogo, as pessoas na periferia seguem lutando pela sobrevivência diária com os recursos que possuem, de maneira individual ou coletiva. Ele acredita que um dos grandes desafios dos próximos anos será superar as perdas humanas durante a pandemia.

“Infelizmente, a periferia está deprimida, mas o passo para a superação dessa depressão pode ser explosivo”, afirma, ressaltando que nesses ambientes a descrença hoje é grande. “Se antes da chegada do coronavírus a situação já era caótica, a pandemia a transformou em genocídio por uma série de medidas tomadas pelas três esferas de governo”.

Redes de solidariedade

Tiaraju cita que historicamente as periferias urbanas nunca foram atendidas pelo Estado e a situação se agravou nos últimos tempos. Com a pandemia, as formas de sobrevivência se tornaram mais complicadas.

Ele explica que a vida da população mais pobre se movimenta em redes de parentesco, redes de vizinhança, redes associativas ou redes de sociabilidade mais gerais. “São por elas que circulam as informações, as indicações de trabalho e as possibilidades de auxílio”.

A obrigação do isolamento social afetou a população mais pobre de distintas maneiras, explica Tiaraju: “Por um lado, dificultou a operacionalização dessas redes de relações. Por outro, diminuiu a possibilidade de geração de renda para aquela parcela que vive da informalidade e que necessita da venda ou compra nas ruas ou mesmo do oferecimento dos seus serviços próprios”.

“No entanto, para uma outra parcela da população mais pobre, se impôs a obrigação de circular para o trabalho. Eram empregadas domésticas, vendedoras, motoristas de aplicativos, dentre outros ofícios, que se viram obrigados a estarem nas ruas para garantir o home office da classe média. Infelizmente, a realidade dessa população é invisibilizada”, aponta.

Para conter a propagação do coronavírus, Tiaraju Pablo avalia que duas medidas de forte impacto deveriam ter sido tomadas: lockdown no começo da pandemia e auxílio emergencial mais robusto e duradouro.

“Só dessa maneira os mais pobres não seriam obrigados a sair de casa para ganhar o sustento. Se essas medidas tivessem sido tomadas, os custos sociais e econômicos teriam sido bem menores do que o que estamos visualizando hoje”.

Apesar do isolamento, o sociólogo aponta que várias redes de solidariedade na periferia se formaram. Uma mobilização que, segundo ele, envolveu times de futebol de várzea, grupos de samba, movimento hip-hop, igrejas católicas, igrejas evangélicas, centros de umbanda, centros espíritas, torcidas organizadas, associações de moradores, estudantes, escolas, creches, movimentos de moradia, de saúde e sem-terra, coletivos culturais, comerciantes e outras organizações.

“As atividades foram múltiplas, variando de confecção de máscaras até a distribuição de cestas básicas e a montagem de brigadas de orientação. A reconstrução do laço social é a única saída possível e deve continuar para além da pandemia. No entanto, as redes de solidariedade não conseguirão resolver tudo”.

Tiaraju Pablo D’Andrea é professor da Unifesp Campus Zona Leste e coordenador do Centro de Estudos Periféricos (CEP). É pós-doutor em filosofia, doutor em Sociologia da Cultura e mestre em Sociologia Urbana pela Universidade de São Paulo.

Pretende publicar neste ano a sua tese de doutorado: A Formação das Sujeitas e dos Sujeitos Periféricos: Cultura, Política e Pensamento na Periferia de São Paulo.

Já realizou batucadas populares junto a movimentos sociais e contribui com coletivos de produção artística. Como músico, possui dois CD lançados: Capacetes Coloridos (2007) – trilha sonora de um documentário homônimo – e Latinoamerisamba (2015).

Em 2020, ele publicou um pequeno livro chamado 40 Ideias de Periferia (editora Dandara) em que discute as questões relacionadas à periferia das grandes cidades e as influências políticas, econômicas e sociais sofridas nos últimos conturbados anos.

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