Cultura

A biografia de Santos-Dumont que ousa demolir mitos

[vc_row][vc_column][vc_column_text] Em ‘Santos-Dumont – As lutas, a glória e o martírio’, Fernando Jorge entrega aquilo a que, destemidamente, se propôs [/vc_column_text][vc_empty_space][vc_column_text] Fernando Jorge é um escritor que não enjeita uma boa briga, mas aqui ele decidiu empregar seu reconhecido arsenal crítico e sua vitalidade literária […]

Dândi no figurino, o inventor era um mulherengo voraz, “mas discreto em suas façanhas” (Foto: Reprodução)
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Em ‘Santos-Dumont – As lutas, a glória e o martírio’, Fernando Jorge entrega aquilo a que, destemidamente, se propôs

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Fernando Jorge é um escritor que não enjeita uma boa briga, mas aqui ele decidiu empregar seu reconhecido arsenal crítico e sua vitalidade literária em favor de uma missão mais do que pedregosa: retirar da copiosa biografia de Alberto Santos-Dumont a poeira de equívocos, desinformação e preconceitoque veio se acumulando ao longo de décadas.

As 507 páginas do livro Santos-Dumont – As lutas, a glória e o martírio – entregam aquilo a que o autor destemidamente se propôs. Não por acaso, acaba de ganhar uma nova (quinta) e primorosa edição da HarperCollins Brasil.

Com tal disposição para a pesquisa, esmiuçando material inédito e destrinchando omissões pregressas, Fernando Jorge vai muito além da indagação primária, reducionista, recoberta de ranço patriótico, sobre quem é que, afinal, inventou o avião. Ele não exclui os feitos alheios, ao contrário, anota-os em minúcias técnicas.

Naquele irrequieto período da primeira década do século XX e dos anos subsequentes, uma esquadrilha de aventureiros do ar se empenhava em acirrada disputa. O empresário anglo-francês Henry Farman. O romeno Traian Vuia. Os franceses Louis Blériot, Robert Esnault-Pelterie, os irmãos Charles e Gabriel Voisin.

Movia a todos o desafio da tecnologia e o aceno eventual de prêmios e honrarias, a fazer cócegas na vaidade.

Assim se dava também com o brasileiro. No entanto, ainda que o biógrafo não esteja empenhado em hastear uma hagiografia do nosso Santos, a leitura conduz à nítida sensação de que aquele a quem os franceses tributavam as honras de “ídolo das multidões” (expressão do autor) era de fato um personagem especial, criativo, visionário, excêntrico na medida, corajoso a ponto de alçar voo em engenhocas frágeis e com elas, aqui e ali, se espatifar no solo, em risco fatal; o arquiteto genial do pioneiro 14-Bis e da “libélula de asas de seda”, a temerária mas extraordinariamente bem-sucedida Demoiselle, levíssima, oito vezes menor do que o 14-Bis.

(A terceira e definitiva versão da Demoiselle era de manuseio fácil para o piloto, mas Henrique Dumont Villares, sobrinho de Alberto, chamou a atenção do tio para o perigo do reservatório de gasolina, grande e cônico, ficar acima da cabeça do piloto. “Só peru morre na véspera…”, replicou Santos-Dumont).

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Na barafunda competitiva da conquista do céu, o bombardeio propagandístico promovido pelos americanos em favor dos irmãos Wright acaba paradoxalmente depondo a favor do brasileiro. Wilbur e Orville, bons de mídia, buscaram o mérito de ter inventado a máquina de voar com equipamentos que careciam de um, digamos, estilingue para decolar.

Nem eles mesmos parecem ter adormecido sobre os louros dessa duvidosa fama. Ao perceber que o progresso tecnológico avançava na Europa, Wilbur foi para Paris mostrar a cara e pleitear o lucro.

Aí é que a diferença ficou evidente: como bom americano, Wilbur buscava fazer negócio com seus experimentos.

Um dos primeiros clientes que procurara foram as Forças Armadas dos Estados Unidos. Alberto nunca quis fazer de seu sonho um rude comércio. Todos os seus modelos, protótipos, planilhas, desenhos e projetos foram colocados à disposição de quem quisesse. Noblesse oblige.

O subtítulo da obra de Fernando Jorge fala em “martírio” de Santos-Dumont. É uma expressão forte demais para exprimir a voz corrente que atribui o quadro depressivo do inventor ao uso bélico do veículo concebido por ele em prol do prazer e da paz.

Na verdade, a partir de 1910, ou mesmo antes, Santos-Dumont começou a sofrer de um mal degenerativo e sem cura, do qual o biógrafo ousa dizer, sem constrangimento, o nome: esclerose múltipla.

O paciente tinha consciência do mal. Afastar-se da vertigem dos céus e voltar definitivamente ao Brasil, em 1914, refugiando-se dos horrores da guerra e dos primeiros bombardeios aéreos, fazem sentido no quadro de sua moléstia. À qual iria sobreviver por longo tempo. Em julho de 1932, hospedado num hotel no Guarujá, é que o brasileiro mais famoso do mundo iria pôr fim aos seus tormentos íntimos e físicos.

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Não existe Fernando Jorge sem o tempero da polêmica. Aquele que colocou Paulo Francis na linha de fogo de sua artilharia (em Vida e Obra do Plagiário Paulo Francis) e demoliu exemplarmente a corriola da Academia Brasileira de Letras (sic), decidiu contrariar as sussurradas maledicências acerca da sexualidade de Santos-Dumont. Sim, ele morreu solteiro, aos 59 anos, mas o biógrafo afirma que Alberto era um mulherengo, ainda que, como todo gentleman, não saísse por aí alardeando suas aventuras de alcova. 

Um amigo revelou: Alberto foi amante apaixonado de uma atriz francesa, com quem chegou a compartilhar o teto. Viveu também louca paixão por Madame Letellier, mulher do diretor de um jornal parisiense. Quis casar com Janine Voisin, de 17 anos, mas o pai, o aeronauta Gabriel Voisin, impediu, pela diferença de idade.

Ao voltar ao Brasil, candidatou-se à mão de Yolanda Penteado, grande dame da sociedade paulista. Sem sucesso, embora tenham se tornado amigos. Outro candidato à mão de Yolanda, igualmente descartado, foi o magnata da imprensa Assis Chateaubriand. “Ela não deve gostar de homens que, como nós dois, andam com as cabeças nas nuvens”, consolou o Chatô.

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