Artes

Grafite, a arte que todo mundo vê

Um passeio pelo 
universo do grafite 
e uma proposta 
para observar 
as intervenções
 urbanas

Artista TEC escolheu o asfalto para realizar suas obras
Grafite em São Paulo com TEC arte urbana grafite intervenção imagens painéis grafiteiro
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A vida na metrópole contemporânea está cada vez colorida. Os muros, paredes e postes da cidade enchem nossos olhos com as mensagens dos grafites, pichações e stickers. Na concorrência com os anúncios publicitários e políticos, com a arquitetura dos arranha-céus e as sinalizações de toda espécie, esse tipo de interferência na paisagem urbana vai se expandindo e, por meio das suas intervenções, esses artistas refazem nossa relação com a cidade: transformam suas paredes, muros e postes em territórios apropriados, repletos de afetividades, relações e histórias.

Leia atividade de Artes inspirada neste texto
Anos do ciclo: 4°ao 9° ano
Objetivos de aprendizagem: Reconhecer técnicas utilizadas nos objetos culturais. Compreender os valores estéticos do movimento artístico apreciado. Participar de visitas a espaços de produção cultural ou pesquisar em acervos de arte. Elaborar registro dos processos vivenciados.
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1) Proponha aos alunos que anotem em um caderno os lugares onde encontram grafites ou pichações no trajeto entre sua casa e a escola. Se possível, peça que fotografem com seus celulares ou câmeras digitais.

2) Se não houver a possibilidade de registro fotográfico, peça que façam desenhos, esboços rápidos, dessas imagens e anotem o endereço desses locais.

3) Reúna as imagens realizadas por eles e apresente para toda a sala, para que eles reconheçam ou não a imagem exibida.

4) Trace um mapa das pichações e outras interferências das proximidades da escola com eles. Se possível, faça uma caminhada a pé com os alunos para que eles mostrem as interferências nas ruas próximas à escola.

5) Estimule uma pesquisa na internet sobre os artistas encontrados no caminho.

6) Proponha que organizem uma página no Facebook dos grafites encontrados no bairro e continuem o trabalho de registro desses locais, mantendo a página atualizada.

7) Se houver possibilidade de alugar um ônibus, organize um passeio pelos locais mais pichados de sua cidade. Durante o trajeto solicite que registrem com esboços esses trabalhos.[/bs_citem]

No texto a seguir, vamos retomar a origem dessa arte de rua e como ela ganhou corpo nas cidades brasileiras. A história do grafite teve início em Nova York, com as gangues que pichavam seus nomes ou símbolos para demarcar os seus espaços. Com o tempo, surgiram grafiteiros com projetos artísticos que interferiam na paisagem urbana.

O norte-americano Keith Haring começou sua carreira grafitando o metrô de Nova York e tornou-se famoso, convidado inclusive a participar de grandes exposições de arte, como a Documenta de Kassel, na Alemanha, além de expor seu trabalho em uma galeria, onde pintou todas a paredes com suas figuras, transformando-a numa grande instalação. Em 1983, na 17ª Bienal Internacional de São Paulo, foram expostos seus trabalhos e os de Kenny Scharf, que vieram para o Brasil e pintaram seus painéis especialmente para o evento.

Haring pinta com tinta e pincel e nunca planeja seus grafites ou murais. Ele diz que seus desenhos “saem da mente direto para as mãos”. Declarou também que “a arte vive através da imaginação das pessoas que a veem. Sem esse contato, não existe arte. Eu desempenho um papel de ‘produtor de imagens’ do século XX e tento entender a responsabilidade e as implicações dessa posição. É muito claro para mim que arte não é uma atividade elitista destinada a poucos, mas para todo mundo. Esse é o motivo pelo qual continuo trabalhando”.

Outro importante artista grafiteiro que esteve presente na 17ª Bienal foi Kenny Scharf. Utilizando latas de spray, ele criou enormes painéis com monstros, figuras de extraterrestres e personagens dos Jetsons e dos Flintstones. Além de pintar painéis, Scharf também se apropria de televisões, telefones e outros objetos, repintando-os e reunindo-os em espécies de colagens. Para o artista, a “pintura é uma diversão. Meus personagens fazem parte de histórias absurdas, as cores são irreais, fantásticas, artificiais e malucas”.

Na 23ª Bienal, em 1996, tivemos a oportunidade de ver também as obras de Jean-Michel Basquiat, que começou sua carreira grafitando as ruas de Nova York e, em pouco tempo, tornou-se muito conhecido.

No Brasil, a história do grafite começou no fim dos anos 70, quando alguns artistas, munidos de latas de spray, pincéis e tinta, espalharam vários desenhos pelos muros das cidades. Eram detalhes de obras de arte, figuras das histórias em quadrinhos, e ainda piões e jacarés que enfeitavam a cidade. A proposta dos grafiteiros era levar a arte para as ruas, para “transformar o urbano com uma arte viva, popular, de que as pessoas participem, acrescentando ou tirando detalhes das imagens”, como disse Alex Vallauri. Eles queriam que a sua arte estivesse ao alcance de todos e não fechada em galerias ou museus.

O sucesso foi enorme. Por todos os lugares havia marcas desses artistas grafiteiros. Os jornais comentavam, a polícia os perseguia, o público se dividia entre os que achavam que o grafite enfeitava a cidade e os que pensavam que os desenhos a sujavam.

Vallauri foi o pioneiro do grafite em São Paulo. Algumas de suas imagens foram retiradas de obras de artistas consagrados como Seurat, outras eram personagens de histórias em quadrinhos ou criadas pelo próprio artista: telefones, televisões, piões.  Além de grafitar os muros da cidade, ele editou um álbum “Sintonize o canal 27” sem nenhum traço de desenho, juntamente com o artista Maurício Villaça. Todas as figuras foram criadas com carimbos brasileiros e xerox. Alex possuía uma coleção de carimbos dos anos 50 e 60 e com eles construiu imagens e histórias que se passavam dentro do desenho de uma televisão.

Em 1985, Vallauri, montou uma instalação na 18ª Bienal, chamada “Casa da Rainha do Frango Assado”. Nessa instalação havia vários ambientes de uma casa com os objetos grafitados: geladeira, fogão, pia, sofá.

O curioso é que Alex Vallauri estudou em Nova York e durante sua estada deixou suas marcas nas ruas da cidade. Assim, podemos pensar que as imagens dos artistas americanos estiveram no Brasil e que as do Brasil também foram apresentadas em Nova York. Essa é uma característica importante do grafite, como são feitas máscaras (uma espécie de molde) com os desenhos dos artistas, podemos reproduzi-los inúmeras vezes e em qualquer lugar.

Vallauri não foi o único a usar o grafite como linguagem. Ele trabalhou com outros artistas: Maurício Villaça, Matuck e Zaidler e com esses dois últimos fez uma exposição na Galeria São Paulo, onde expuseram nas paredes de dentro as imagens que durante tanto tempo ocuparam as paredes de fora.

Outros atores surgiram, como o grupo Tupinãodá, formado pelos artistas Carlos Delfino, Jaime Prades e José Carratu, que também expuseram seus trabalhos em galerias e museus.

Alguns artistas dessa fase já morreram – como Keith Haring, Basquiat, Vallauri e Villaça. Outros, como os do grupo “Tupinãodá”, continuam desenvolvendo diferentes tipos de trabalhos.

É importante ressaltar que o grafite começou como uma arte considerada marginal e perseguida pelos policiais, mas aos poucos foi assimilada pelo mercado e deixou de ser exclusivamente um trabalho das ruas, ganhando também destaque em exposições em galerias e museus.

O que levou a isso foi, certamente, o sucesso junto ao público observador e participador dessa linguagem presente em todos os cantos das cidades.

O grafite nasceu para compor a cidade, ser breve, não tinha a preocupação de durar ou de permanecer para sempre nos muros e tapumes. A chuva, o sol, o tempo e até outras camadas de tinta de outros grafiteiros destroem as obras dos muros, o que permanece são os registros fotográficos ou alguns trabalhos que foram transformados em painéis ou murais.

Ao sair dos muros e se expandir para outros suportes como telas, tampas de bueiros e tapumes para serem comercializados pelas galerias, esses objetos tomam para si outro lugar, o da permanência. Eles passam a ser objetos colecionados, pertencentes a museus e colecionáveis. Ao mesmo tempo que suas obras ampliaram seus espaços da rua para as instituições, os artistas também conquistaram outros lugares.

O artista argentino TEC, que vive e trabalha em São Paulo, escolheu realizar suas pinturas no asfalto. Os muros e as paredes paulistanas já estão sobrecarregados de informação, não há mais surpresa. Assim, TEC faz suas intervenções no chão, pintando enquanto os semáforos fecham suas enormes figuras, como um rato na Rua Caiubi e um homem deitado no túnel de passagem da Avenida Doutor Arnaldo, no sentido Avenida Paulista, em São Paulo.

Outro artista que vai além dos muros é o grafiteiro Zezão. Com seu trabalho caracterizado pelo uso de tons de azul, ele faz algumas de suas interferências nos subterrâneos como galerias de esgoto, nas margens dos rios e também em tampas de bueiros da cidade.

A metrópole é o espaço de escritura onde várias parcelas da sociedade vão deixando suas marcas. Além das diversas produções dos grafites também temos marcas e algumas inscrições que não podemos decifrar. As letras que são chamadas de tags e as pichações também são registros de pichadores anônimos que marcam com suas letras ou rabiscos decifrados apenas por seus grupos a sua passagem por aquele lugar. Essas ações se distinguem em suas propostas, mas ambas são consideradas grafites.

Existem muitas e novas maneiras de interferir na paisagem urbana. Basta que fiquemos atentos enquanto estamos nos locomovendo de um lugar para o outro. Da janela do ônibus ou do carro, em um passeio a pé ou de bicicleta, se prestarmos atenção, encontraremos inúmeras imagens produzidas por artistas que têm diferentes propostas entre si.

*Renata Sant’anna é autora de livros de artes para crianças e professores e educadora no Museu de Arte Contemporânea da USP

[bs_citem title=”Saiba Mais ” id=”citem_7ebf-e2fd” parent=”collapse_e98f-4f2c”]
Livros para crianças Já Era, jacaré – Um rolê pelo graffite de Alex Vallauri, de Renata Sant’Anna, Editora Olhares.
De Dois em Dois – Um passeio pelas Bienais, de Edgard Bittencourt, Maria do Carmo Escorel e Renata Sant’Anna. Editora CosacNaify.
Livros de referência Alex Vallauri – Da gravura ao grafite, de Beatriz Rota-Rossi. Editora Olhares.
Mundo do Grafite – Arte urbana nos cinco continentes, de Nicholas Ganz, WMF Martins Fontes.
Vídeos Basquiat – Traços de uma vida. Distribuidora: Magnus Opus. Gravação do programa Roda Viva (TV Cultura) com Os Gêmeos (dez/2009).[/bs_citem]

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