CartaCapital

Os bastidores da disputa eleitoral entre Lula e Bolsonaro no Nordeste

O petista está de malas prontas para uma rodada de viagens na região. O presidente há tempos faz incursões por lá

Agenda. O ex-presidente fará uma caravana por lá em julho. O ex-capitão dedicou nove das 31 viagens oficiais deste ano para a região. (FOTO: Ricardo Stuckert/Instituto Lula e Alan Santos/PR)
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Lula está de malas prontas, prepara-se para uma rodada de viagens no Nordeste para a segunda quinzena de julho. Com 61% de aprovação na região, segundo o Vox Populi, o ex-presidente deve priorizar, durante suas andanças, a defesa das vacinas, rememorar o legado dos governos petistas – incluindo as ações de combate à fome – e debater o Plano de Reconstrução proposto pelo PT, informa Márcio Macedo, coordenador das caravanas feitas pelo líder petista em 2017 e 2018. Foram montados três roteiros, que serão discutidos na próxima semana. Além dos eventos públicos, o líder petista deve conversar com novos e antigos aliados, incluindo MDB, PP, PSB e PSD, principalmente em estados onde os palanques começam a se desenhar.

Vendo sua popularidade derreter no Nordeste e chegar a míseros 18%, Jair Bolsonaro há tempos faz incursões pelos estados. Para evitar a reedição de 2018, quando amealhou apenas 30% dos votos válidos no segundo turno, o Planalto movimenta-se para reverter a rejeição recorde com uma estratégia desesperada, que vai de (re)inauguração de obras a sucessivas promessas de aumento do Bolsa Família.

Lula tem 61% de aprovação na região. Bolsonaro, míseros 18%, atesta o Vox Populi

Levantamento feito por CartaCapital indica que, das 31 viagens oficiais realizadas por Bolsonaro neste ano, nove foram para estados nordestinos. Mais da metade ocorreu após decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou os processos de Lula e lhe devolveu os direitos políticos – na quarta-feira 23, a Corte confirmou a parcialidade de Sergio Moro, o que deve resultar na anulação de todas as “provas” coletadas nos processos conduzidos pelo ex-juiz. Durante essas viagens, ele constrói a narrativa de que tem “força política” e apoio do povo nordestino. Faz parte da estratégia incluir sempre um deputado federal no palanque, para lembrar o recorde de emendas liberadas para a região: 35 bilhões de reais. A claque aplaude e o ex-capitão prossegue com ataques aos governadores. Todo o roteiro é feito para abastecer as milícias digitais bolsonaristas com imagens de impacto. Uma bela encenação.

Partiu das redes do próprio presidente uma onda de fake news envolvendo os governadores e supostos desvios de verbas federais. Em 28 de fevereiro, Bolsonaro fez uma série de postagens com dados de supostos repasses aos estados em 2020 e até fevereiro de 2021. A postagem teve mais de 62 mil compartilhamentos diretos e 100 mil curtidas apenas nos perfis oficiais do ex-capitão. Os governadores acionaram o STF para retirar as mentiras do ar, mas elas continuam­ na ­timeline de Bolsonaro.

Bolsa Família. Desde dezembro, Bolsonaro anunciou quatro vezes que pretende aumentar o valor do benefício. (FOTO: Prefeitura de Caruaru/PE)

As cascatas não se resumem às publicações nas redes. As seis principais obras “inauguradas” ou anunciadas por Bolsonaro em suas viagens ao Nordeste somam 58 bilhões de reais em investimentos. Desse total apenas 3,4% veio do atual governo. Em visita a Alagoas, ele chegou a inaugurar uma obra entregue em 2020 pelo governador Renan Filho, do MDB: o Viaduto da PRF. Fez o mesmo com trechos da Integração do Rio São Francisco. Em nota, o Ministério da Infraestrutura diz que o principal objetivo de Tarcísio Freitas, desde que assumiu a pasta, sempre foi “finalizar obras inacabadas, que em nada contribuem para a sociedade”. Segundo o texto, projetos de infraestrutura de transportes “dependem de um tempo maior de maturação para serem completamente implantados, o que sempre exige esforços de mais de um governo”. Um detalhe que o ex-capitão convenientemente se esquece de mencionar.

O ex-capitão topa tudo, até inaugurar obra já entregue no ano anterior

O uso político do Bolsa Família, programa criado pelo ex-presidente Lula, também é recorrente. Desde dezembro, durante as peregrinações pelo Nordeste, Bolsonaro “anunciou” ao menos quatro vezes que estuda aumentar o benefício. A última vez foi em 16 de junho, durante entrevista a uma rede de televisão de Rondônia. O presidente prometeu aumentar os benefícios para 300 reais – atualmente, o valor médio pago pelo governo é de 190 reais. Ao todo, o programa atende 14,6 milhões de famílias no Brasil, metade delas no Nordeste.

A medida, porém, não tem surtido o efeito desejado. “No ano passado, o governo federal gastou 300 bilhões de reais­ com auxílio emergencial. Foram gastos em oito meses o equivalente a 15 anos de Bolsa Família, e isso não foi revertido em ganho político duradouro para Bolsonaro. As pesquisas ainda apontaram rejeição a ele mesmo depois disso”, observa o diretor do Instituto Vox Populi, Marcos Coimbra.

A avaliação é compartilhada pelo governador Flávio Dino, do Maranhão. “Não acredito que uma ou outra medida que ele venha a adotar vá resolver a sua impopularidade. Há uma visão distorcida, em certos setores, de que a população nordestina votava em Lula por causa do Bolsa Família. Isso não é verdade. Esse programa era apenas um item de um conjunto de ações que ele desenvolveu na região”, afirmou Dino, em entrevista à edição impressa de CartaCapital.

“Bolsonaro não tem o que apresentar, em 2022, em região alguma do Brasil. No Nordeste muito menos.”
Outro fato que Bolsonaro omite é que cortou o número de beneficiários do programa, impactando 48 mil famílias nordestinas. De acordo com levantamento do Consórcio Nordeste, dos 14 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza, 7,1 milhões de famílias estavam no Nordeste. Após denúncia feita pelos governadores, o ministro Marco Aurélio Mello decidiu que o governo deveria reintegrar as famílias cortadas do programa durante a pandemia.

Fontes: Balanço do PAC 2022-2021; Projeto Comprova; Contas Abertas; Painel Cidadão – DNIT; Agência Lupa. (FOTO: Alan Santos/PR e MInfra)

Maior colégio eleitoral do Nordeste e quarto do Brasil, com 10,5 milhões de eleitores, a Bahia é um dos estados onde a corrida pré-eleitoral acabou nacionalizada. Lá, ACM Neto aliou-se a Bolsonaro durante as eleições para a presidência da Câmara, o que levou o DEM a dar uma guinada ainda mais à direita. Com a “aliança” formada naquela ­disputa que levou Arthur Lira ao comando da Casa Legislativa, ACM Neto rompeu com parte da legenda. Não por acaso, Rodrigo Maia acabou expulso do partido e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, filiou-se ao PSD.

Os efeitos daquele pleito podem, inclusive, resultar na divisão do palanque bolsonarista naquele estado. Depois de romper com o deputado federal João Roma, do Republicanos, por ter topado virar ministro da Cidadania de Bolsonaro, ACM Neto pode ter de enfrentá-lo nas urnas. É que, “por fora”, Bolsonaro tem incentivado o jovem ministro a disputar o governo baiano. Caso Roma e ACM saiam, a direita estará rachada no estado. Apesar da guinada à direita do presidente do DEM, é Roma quem tem se colocado como representante do bolsonarismo no estado.

Por outro lado, o PT e seus aliados também têm ajustes a fazer nos próximos meses. O senador Jaques Wagner foi lançado pelo partido como pré-candidato ao governo, garantindo palanque para Lula, mas as vagas de vice e ao Senado ainda estão sob discussão. Segundo um interlocutor que acompanha as negociações, as conversas pela reeleição do senador Otto Alencar, do PSD, estão avançadas. No entanto, sem poder se reeleger, o atual governador Rui Costa também é cotado para o posto. Membros de um conselho político montado há alguns meses defendem que Rui se dedique à campanha e finalize o mandato. Já o posto de vice permaneceria com o PP, atualmente ocupado por João Leão. “Vão precisar encontrar um terceiro nome, pois o João não pode ser reconduzido, nem seu filho deputado poderá ser indicado.”

Terceira via? As candidaturas de Sergio Moro e Luciano Huck subiram no telhado. (FOTO: Lula Marques/Agência PT e Redes sociais)

Lá, o PT tem conversado também com o PSB, Podemos, PCdoB e MDB. PL e PDT, mesmo tendo saído da base oficial após as eleições de 2020, também mantêm conversas com o partido do governo. O peso do estado e o avanço das conversas levou pessoas no entorno de Lula a considerarem encerrar na Bahia a primeira etapa das viagens pelo Nordeste. No caso, foram discutidas três agendas. Duas públicas, em defesa do legado do governo estadual na saúde e na corrida pelas vacinas, e outra para apresentar proposta de geração de desenvolvimento regional. A terceira agenda de Lula seria fechada com dirigentes de partidos aliados, incluindo Otto, a senadora Lídice da Mata, do PSB, e o vice João Leão como convidados.

Outro estado onde aliados de Lula e Bolsonaro traçam estratégias é a Paraí­ba. Lá, Bolsonaro encontra guarida entre os Cunha Lima, com destaque para o prefeito de Campina Grande. Bruno Cunha Lima, do PSD, teria, inclusive, reagido negativamente ao encontro do presidente do partido, Gilberto Kassab, com Lula em Brasília no mês passado. A linha é a mesma do deputado federal Pedro Cunha Lima, dirigente estadual do PSDB, que igualmente rechaça alianças com a esquerda.

Os petistas têm feito reuniões com o ex-prefeito de Campina Grande Romero Rodrigues, mas coleciona derrotas nas urnas desde de 2010, observa uma fonte. Por outro lado, o PT também não descarta apoio do atual governador João Azevedo, do Cidadania, que estaria “esperando para ver de que lado fica”.

Na quarta-feira 23, o STF confirmou a suspeição de Moro. Nada impede Lula de disputar as eleições

Se depender da vontade do ex-governador Ricardo Coutinho, o PSB vai com Lula. “A tendência ao apoio a Lula é crescer no Nordeste em razão de um acumulado ao longo dos anos. O que chamamos de centro da força política deve apoiá-lo, não por morrer de amores por ele, mas para sobreviver politicamente”, afirma Coutinho, citando os 60% de aprovação do petista no Nordeste. Ele defendeu, inclusive, que o apoio se repita em âmbito nacional. “É cedo, mas trata-se de disputa entre a barbárie bolsonarista e a civilização.”

No Piauí, Bolsonaro anunciou apoio à pré-candidatura do senador e presidente nacional do PP, Ciro Nogueira. Por outro lado, o PT tem como plano lançar o atual governador Wellington Dias ao Senado e para o governo do estado um dos nomes que se destacam é do secretário ­estadual da Fazenda, Rafael Fonteles, com provável apoio do MDB e do PSB.

Divisão. A eleição de Lira rachou o DEM. (FOTO: Isac Nóbrega/PR )

Enquanto o PT tenta reeleger Fátima Bezerra no Rio Grande do Norte, Bolsonaro tem mencionado o nome do ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho, um pupilo do presidente que costuma despertar ciúmes em Paulo Guedes. “Tem o Marinho lá, eu acho que é um bom nome. Eu não sei se o Marinho quer, se vai disputar alguma coisa, não sei”, declarou Bolsonaro no “cercadinho” do Palácio da Alvorada em maio. No estado, Bolsonaro também atua para lançar o ministro das Comunicações, Fábio Faria, ao Senado.

Em Pernambuco, Lula deve tentar a reaproximação com o PSB da família Campos, que saiu rompido do pleito de 2020 com o PT depois da disputa “fratricida” entre Marília Arraes e João Campos, eleito prefeito do Recife. Há a possibilidade de um encontro com João e Renata Campos, algo que Lula tem feito sempre que visita o estado. Ele também deve se encontrar com o governador Paulo Câmara, do PSB. Do campo bolsonarista, o prefeito de Petrolina, Miguel ­Coelho (MDB), filho do senador e líder do governo Fernando Bezerra, tem o nome cotado para a disputa.
Em Sergipe, o PT trabalha com o nome do senador Rogério Carvalho para encabeçar a chapa e tem conversado com os partidos mais próximos como MDB, PSB e PCdoB. A situação do governador Belivaldo Chagas (PSD) é, porém, mais complicada, devido ao tamanho da base de governo que agrega partidos da esquerda e do Centrão, como PP e PL, que dão sustentação a Bolsonaro.

 

No Ceará, o senador Eduardo Girão, do Podemos, tem se destacado pela defesa intransigente de Bolsonaro na CPI, e é o mais cotado para disputar com o candidato do atual governador Camilo Santana, do PT. No estado, a esquerda encontra-se dividida, em decorrência da pré-candidatura de Ciro Gomes e a força política de sua família naquele estado. A postura de Ciro, no entanto, tem gerado resistência até de pedetistas, que não concordam com a linha de ataques sucessivos ao PT, bem como a aproximação com pautas da direita. Um dos nomes cotados para disputar o governo é o do ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), mas o PT evita adiantar publicamente as tratativas, devido à falta de consenso.

Projeto. O ministro Faria mira o Senado. (FOTO: Cléverson Oliveira/MCom)

“Não tem que perder tempo com o ­Ciro, não. Nossa centralidade é ­outra: derrotar Bolsonaro e unir o País em torno das ideias e forças democráticas”, afirma o ­deputado federal José ­Guimarães, do PT. “O Nordeste é a ponta de lança do que nós fizemos e vamos fazer. Temos o Nordeste antes e depois do Lula. Agora Bolsonaro destruiu tudo, mas vamos reconstruir.”

A polarização entre Lula e Bolsonaro também é avaliada como resultado da desidratação da chamada “terceira via”, principalmente após os nomes do apresentador Luciano Huck e do ex-juiz Sergio Moro saírem de cena. O governador de São Paulo, João Doria, tem pouco apelo nacional e enfrenta resistência dentro do próprio PSDB, com destaque para a ala de Aécio Neves, contrária à candidatura dele e que abriu uma disputa dentro do partido. Além disso, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e Ciro Gomes seguem com baixo porcentual de intenção de voto.

Para Coimbra, do Vox Populi, é remota a possibilidade de um nome da “terceira via” tornar-se candidato competitivo. “Claro que estamos a um ano das eleições, mas, levando em conta a última pesquisa, de maio, mesmo se todos os nomes se juntassem, eles não chegariam ao segundo turno, tamanha é a divisão de votos entre Lula e Bolsonaro.”

Publicado na edição nº 1163 de CartaCapital, em 24 de junho de 2021.

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