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‘O crime ambiental está instalado dentro do governo’, alerta ambientalista

‘É esse crime que promove o desmatamento, é esse crime que traz esses números infelizes, aterrorizantes’, avalia o especialista

O ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
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O acumulado de alertas de desmatamento de 2021, divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) nesta sexta-feira 6, revela a alarmante cifra de 8.712 km² devastados entre agosto de 2020 e julho deste ano. Este é o segundo pior resultado desde o início da série, em 2016, com redução de apenas 5% em relação ao acumulado anterior. Durante o governo Bolsonaro foram batidos os recordes de devastação, os alertas desde que o mandatário assumiu o governo são 69,8% maiores que a média dos anos anteriores à sua gestão.

“Esse é o dado de alerta do desmatamento, que em novembro desse ano ainda vai sofrer uma correção. Isso é natural, todos os anos acontece, e nos leva a crer que, nessa correção, nós devemos manter um patamar muito terrível de desmatamento, na casa dos 10 mil km². É como se a cada minuto nós perdêssemos dois campos de futebol na Amazônia para o desmatamento”, alerta o ambientalista Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, em entrevista à RFI.

As consequências das mudanças climáticas nem aparecem entre as explicações do especialista no momento de avaliar o que justificaria tanta devastação do ambiente. Para ele, o governo federal teria relação direta com os números: “Quase todo esse desmatamento acontece de forma ilegal, criminosa, e vem avançando de uma maneira muito surpreendente. Mas há um dado que ajuda a explicar porque esse número é tão impactante: se nós pegarmos a média dos 3 anos anteriores ao governo Bolsonaro e compararmos com as três médias que existem em seu governo, houve um aumento de 70%. Não há nada que explique um avanço tão grande, a não ser as medidas que, infelizmente, o governo está tomando atualmente.”

Para Astrini, o agravamento do desmatamento vem principalmente por ações de enfraquecimento do combate ao crime ambiental na Amazônia.

“O governo diminuiu operações de campo e paralisou a cobrança de multas ambientais. Nós temos no Brasil um fundo de doações internacionais, o Fundo Amazônia, que tem R$ 3 bilhões depositados. Dinheiro que poderia estar sendo utilizado para diminuir o desmatamento na Amazônia e está paralisado”, critica o ambientalista.

Agravando essa situação, ele explica que, ao mesmo tempo em que o governo diminui a fiscalização, aumenta a proteção aos criminosos ambientais. “Nós tivemos, inclusive, o próprio ministro do Meio Ambiente [Ricardo Salles] afastado do cargo meses atrás porque, segundo a Polícia Federal, ele estaria envolvido, fazendo parte de uma quadrilha que contrabandeava madeira ilegal, além de situações de corrupção etc. É praticamente o crime ambiental instalado dentro do governo. É esse crime que promove o desmatamento, é esse crime que traz esses números infelizes, aterrorizantes, que nós vemos todos os meses e que agora terminou o período com esse nível tão alto de desmatamento”, critica o secretário-executivo do OC.

Contra-ataque ambiental

E como ações de enfrentamento para essa escalada de destruição ambiental instalada durante o governo Bolsonaro, Astrini aponta, claro, o caminho inverso: o fortalecimento das medidas de proteção, associadas a uma legislação mais rigorosa.

“Precisamos primeiro combater o crime, colocar fiscalização em campo, muita inteligência para saber onde este crime está acontecendo, quem são os mandantes do desmatamento, quem são esses verdadeiros empresários da destruição florestal que lucram com essa destruição, grileiros de terra, madeireiros ilegais, garimpeiros que invadem terras públicas, inclusive terras indígenas, e providenciar a punição e a prisão dessas pessoas. E logo em seguida, dar alternativas econômicas para que se tenha ali uma atividade econômica que preserve a floresta e, ao mesmo tempo, dê condições de vida para a população local e para o Brasil inteiro.”

Ele insiste em desconstruir a relação entre desenvolvimento e deterioração do meio ambiente: “O Brasil sabe como fazer isso, já fizemos isso no passado. Entre 2004 e 2012, por exemplo, o desmatamento na Amazônia diminuiu mais de 80%, ao mesmo tempo em que o PIB do Brasil aumentou, as exportações ganharam bastante vigor. Portanto, a relação entre desmatamento e desenvolvimento do país não existe. O desmatamento só traz prejuízos. O desmatamento pode ser reduzido, preservando as condições econômicas do Brasil e até gerando vantagens competitivas para o país”, acredita.

Um outro alerta lançado pelo ambientalista é a ameaça que o avanço da destruição de áreas florestais representa para as comunidades indígenas.

“As atividades comuns ao desmatamento vão ganhando cada vez mais espaço na Amazônia. Há o garimpo ilegal que avança de forma muito brutal dentro de terras indígenas, e que causa um verdadeiro caos nessas regiões, porque além do desmatamento, da poluição das águas, de jogar mercúrio nos rios, dentro das áreas indígenas essas invasões acontecem no meio de uma pandemia de coronavírus. Esses invasores levam também esse risco sanitário para essas populações”, denuncia Astrini.

Mas talvez uma das revelações mais inquietantes do relatório divulgado pelo INPE esteja no risco de que a agressividade do avanço da destruição torne esses danos ambientais irreversíveis. “Infelizmente o governo federal não tem se mostrado flexível, não tem ouvido os apelos da opinião pública, nem nacional, nem internacional, muito menos os cientistas que alertam a todo momento que da forma como está, a Amazônia talvez não resista por muito tempo. A Amazônia, como organismo vivo, tem seus limites, e esse grau de desmatamento pode levar a floresta a um limite”, lamenta Marcio Astrini.

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