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O 5G é uma oportunidade de reindustrializar o Brasil. Mas não basta o leilão

As expectativas vão muito além do aumento de velocidade e do impulso à atividade.

Martelo torto. A chinesa Huawei ficou de fora do leilão, o que limita as soluções tecnológicas futuras para o Brasil. (FOTO: Isac Nóbrega/PR e ABB Robotics)
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A implementação do 5G elevará em 2 pontos porcentuais o Produto Interno Bruto do Brasil nos próximos anos, vaticinou o ministro das Comunicações, Fábio Faria, durante o leilão das bandas a serem usadas pela nova tecnologia. “É muito mais que um aumento de velocidade. O 5G vai colocar o Brasil na era da economia digital mundial”, discursou. O leilão amealhou 47,2 bilhões de reais, entre pagamentos ao Tesouro e investimentos obrigatórios, como a construção de uma rede privativa para o governo federal, conectividade em estradas, implantação de backbone óptico na Amazônia e internet nas escolas públicas.

No geral, a rodada foi elogiada por ter trocado a arrecadação para os cofres públicos pelo estímulo aos investimentos em infraestrutura. Também superou as expectativas pelo número e diversidade de interessados e, finalmente, por trazer novos concorrentes para o setor, apesar de as três maiores operadoras, Claro, Vivo e TIM, abocanharem a faixa de 3,5 GHz, o “filé mignon” da disputa.

Três empresas atuantes no setor de equipamentos ou internet arremataram, no entanto, lotes regionais e vão estrear na telefonia móvel: Brisanet, Cloud2U e um consórcio entre a Copel e a Unifique. A cearense Brisanet levou os lotes dedicados ao Nordeste e à região que contempla o Centro-Oeste, com exceção de algumas áreas de Goiás e Mato Grosso do Sul. A companhia ofereceu um ágio gigantesco: 13.741% em relação ao preço mínimo e pagará 1,2 bilhão de reais. No Centro-Oeste, o ágio foi de 4.054% e o valor pago, 105 milhões de reais. No bloco regional Sul – o mais disputado – o Consórcio 5G Sul será a nova prestadora de telefonia móvel. A Sercontel, de Curitiba, ficou com a divisão que abrange a Região Norte e grande parte do estado de São Paulo, e recebeu autorização para atuar em todo o País.

Novos concorrentes entraram no mercado e vão aumentar a oferta aos consumidores

Dado o primeiro passo para dotar o Brasil da nova tecnologia, as expectativas vão muito além do aumento de velocidade e do impulso à atividade. “O que não está tão claro no debate, o que está subestimado, é a centralidade do 5G no que se convencionou denominar de Indústria 4.0, ou processo de digitalização da economia ou digitalização da manufatura ou o que nos Estados Unidos se chama smart ­manufacturing”, ressalta Antonio Carlos Diegues, professor do Instituto de Economia da Unicamp.

“Terá um impacto importante a partir do momento em que a economia começar a massificar o 5G nos diferentes setores, pois à medida que integrarem a nova tecnologia, não só aumentarão sua eficiência operacional com ganhos de produtividade, mas também criarão novos modelos de negócios, novos caminhos e serviços que podem ser realmente disruptivos”, antecipa Márcio Kanamaru, sócio-líder de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações da KPMG no Brasil.

“O Brasil está sofrendo um processo de desindustrialização, quase voltando a ser uma economia agrário exportadora, e o 5G é uma oportunidade para ‘correr atrás do prejuízo’, superar gargalos históricos que temos na área de infraestrutura e recuperar posições na indústria. Isso é estratégico para o Brasil”, complementa o presidente da Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicação Competitivas, Luiz Henrique Barbosa. “O 5G é, sim, uma oportunidade de encontrarmos um atalho nessa corrida, com uma agenda que melhore ainda mais a competitividade do nosso agronegócio, melhore a logística, melhore a indústria.”

Salto. Kanamaru e Diegues acreditam que o 5G dá uma nova chance à indústria. (FOTO: Redes sociais)

Diegues, que além de especialista em Economia Industrial também é estudioso da economia chinesa, enfatiza que a importância crítica do 5G para a indústria inteligente “está no coração da guerra tecnológica entre China e Estados Unidos”, uma vez que a Huawei é, hoje, a líder global em 5G. A empresa foi além: criou e estabeleceu padrões que controlam os ecossistemas, como o Android da Google e o iOS da Apple, em torno dos quais o Estado chinês arregimentou empresas como ­Alibaba, Baidu, Ten Cent e Vision, entre outras, para oferecer pacotes integrados de soluções, não apenas para a indústria 4.0, mas também para as futuras smart cities – ou cidades inteligentes, em que todos os tipos de serviços, públicos e privados, necessários à vida humana estarão conectados. “Daqui dez, 15 anos, o prefeito de Campinas precisa de uma solução para a cidade inteligente, só que isso implica uma miríade de empresas e de soluções. Integrar é complicado. A ­Alibaba vai chegar e oferecer um pacote pronto, com tudo integrado. Esta é a disputa”, explica Diegues.

O acadêmico critica a falta de senso de oportunidade do governo brasileiro por não ter aproveitado o leilão para barganhar contrapartidas da China e admitir o uso de equipamentos da Huawei. “Esse tipo de disputa em termos de padrões tecnológicos entre grandes potências abre um espaço singular de oportunidades para países relevantes como o Brasil”, sublinha Diegues, que remete à implantação da indústria siderúrgica no Brasil, nos anos 1940, quando o governo de Getúlio Vargas, na Segunda Guerra Mundial, arbitrou entre as potências do então chamado ­Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e os EUA, de forma a conseguir mais vantagens para o processo de industrialização brasileira. “O equivalente, então, digamos assim, ao 5G, na época, mal comparando, seria a construção da siderurgia nacional, que era a base do processo de industrialização brasileira, naquele momento.”

“É estratégico para o Brasil”, diz Barbosa, da Telcomp

Na mesma linha, Kanamaru, da KPMG, defende o diálogo, não importa se com a China, EUA ou Europa. O importante, ressalta, é o Brasil mostrar-se ativo, seguro juridicamente, com oportunidades de investimentos que realmente façam sentido para o País e criem um ciclo virtuoso de reindustrialização e revitalização do cenário econômico. “E que não dependamos mais, apenas, em grande parte do agronegócio, que hoje contribui com 25%, 26% do PIB. Que possamos exportar tecnologia, produtos e serviços de valor adicionado superior, com capital intelectual embarcado, a partir do conhecimento, a partir da pesquisa.”

Para tanto, diz o especialista, são necessários elementos motivacionais, vetores importantes que são criados pelo governo em parceria com a iniciativa privada, para que o País possa retomar a industrialização a partir do 5G. Seria preciso adotar políticas públicas, iniciativas interministeriais com frentes parlamentares, no sentido de elaborar uma agenda que priorize algumas ações de isenção tributária para projetos que demandem tecnologias inovadoras. Diegues advoga uma política industrial e tecnológica de longo prazo, uma reorganização de preços relativos pró-indústria. “Isso significa ter recursos, políticas nessa direção, e não apenas, a partir de um leilão, esperar que haja uma tecnologia ali, disponível, que é uma tecnologia habilitadora, o 5G, e que isso se difunda quase que de maneira natural pela economia como um todo.”

Até para o 5G começar a funcionar será necessário construir uma nova infraestrutura, instalar mais antenas, mais fibra óptica, o que vai exigir ampla articulação política de todas as esferas do governo. Kanamaru aponta duas questões críticas: antenas e postes. “Será fundamental uma articulação com Câmaras de Vereadores e prefeituras para a aprovação de leis de antenas específicas e uso dos postes de iluminação, porque é o que vai viabilizar a instalação em um número estimado até dez vezes maior do que a quantidade do 4G.”

Como o padrão 5G escolhido foi o Standalone, sua operação depende da instalação e fixação de pontos de fibra óptica, cujo cenário é “caótico”, segundo o consultor da KPMG. O tema, diz ele, é bastante polêmico e envolve ainda a ­Aneel, a agência reguladora da energia elétrica e dos postes, que analisa, entre outras coisas, a criação de uma entidade específica para tratar do problema.

Barbosa, da Telcomp, lembra que existe uma resolução a determinar que cada poste tenha cinco ou seis pontos de fixação, cada um para um grupo econômico específico, mas que as grandes operadoras não seguem. “Vai ser preciso juntar todos os players, porque ninguém conseguirá fazer nada sozinho. O problema afeta a todos.” Barbosa faz questão de dizer que trabalhar em conjunto não é problema para suas associadas. “Elas têm o DNA do compartilhamento, de fazer coisas conjuntas com o restante do mercado. Por isso, temos a perspectiva de que as companhias competitivas que compraram frequência farão uso de modo compartilhado, criando um mercado novo.”

Publicado na edição nº 1183 de CartaCapital, em 11 de novembro de 2021.

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