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‘Hoje, o apoio a Trump nos EUA é maior que o de Bolsonaro no Brasil’

O filósofo americano Jason Stanley, autor de ‘Como Funciona o Fascismo’, comenta as manifestações pró-Bolsonaro no Brasil

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de Buenos Aires

“Na retórica de nacionalistas extremos existe um passado glorioso que foi perdido pela humilhação provocada pelo globalismo, pelo cosmopolitismo liberal e pelo respeito por ‘valores universais’, como a ‘igualdade’, escreve Jason Stanley em seu livro, Como Funciona o Fascismo – A Política do “Nós” e “Eles” (L&PM).

Filósofo, professor e pesquisador na Universidade de Yale, o americano enumera outros 10 recorrências no discurso fascista das quais bebem alguns políticos de extrema-direita da atualidade. Além do retorno a um passado mítico, estariam o anti-intelectualismo, o vitimismo e a imposição de valores patriarcais, além do que ele chama de ansiedade sexual.

A tomada do poder por governo com as características apresentadas em seu livro o aproximou do Brasil. Avido observador dos protestos pró-Bolsonaro do 7 de Setembro, Jason Stanley falou a CartaCapital sobre o momento que o País está vivendo e que semelhanças ele encontra com a tomada do Capitólio nos Estados Unidos, em janeiro. “Foi uma tentativa de reproduzir o 6 de janeiro, é óbvio. Se pode ver ali todos os símbolos fascistas.”

Confira a seguir.

CartaCapital: O que se viu no Brasil poderia ser comparado à invasão do Capitólio por apoiadores de Trump?

Jason Stanley: Ele [Bolsonaro] tentou tornar esse protesto parecido com o 6 de janeiro, mas não funcionou. Eles não conseguiram invadir a Praça dos Três Poderes.

De qualquer modo, estavam presentes as mesmas figuras envolvidas no 6 de janeiro americano. Bolsonaro contou com apoio dos Estados Unidos, até mesmo com o Donald Trump Jr. tentando ir para o Brasil no 7 de Setembro. Mas, não funcionou! Aliás, o apoio que Trump tem hoje nos Estados Unidos é maior do que o de Bolsonaro no Brasil.

Os atos foram muito preocupantes, mas não resultaram em nada. Eu me preocuparia mais se a polícia estivesse de forma mais expressiva nas mãos do Bolsonaro

CC: Como assim?

JS: Falando em termos de pesquisa mesmo. Além disso, o Brasil tem uma Corte Suprema [o STF] que defende as leis. Já a Corte Suprema dos Estados Unidos foi indicada pelo Trump. Três dos nove magistrados que compõem a Corte Suprema foram indicados por Trump. Então, temos uma das justiças mais conservadoras dos últimos tempos.

Interessantemente, o que me preocupava com relação ao Brasil era saber de que lado estaria a polícia. E me pareceu que eles não deixaram os manifestantes entrarem no prédio do STF. E esse é um bom sinal.

CC: E qual seria o mau sinal?

JS: O problema é quando falham as instituições de justiça ou as instituições legais. No caso dos Estados Unidos muitas delas, especialmente a Corte Suprema, foram virtualmente tomada por apoiadores de Trump. No Brasil, acho, isso não está acontecendo.

CC: Com relação aos 7 pontos que você aborda no livro Como funciona o fascismo, o que notou nas cenas das ruas do Brasil?

JS: Eu vi toda a velha extrema-direita, a volta ao passado, o retorno ao passado mítico a esses símbolos. Vimos enormes símbolos fálicos presentes nas manifestações [Stanley se refere ao enorme falo com as cores da bandeira que foi visto  nas manifestações da Avenida Paulista].  Foi uma tentativa de reproduzir o 6 de janeiro, é óbvio. Se pode ver ali todos os símbolos fascistas.

O movimento bolsonarista sempre usou paradigmaticamente os símbolos fascistas, políticas fascistas e práticas fascistas. Mas, Bolsonaro não tem sequer um partido político. E isso é crucial em termos de fraqueza comparado que ocorre nos Estados Unidos, por exemplo, onde Trump ainda recebe um grande apoio do partido Republicano.

O ato foi mais uma utilização do aspecto patriótico pelo Bolsonaro. A política é assim. Na imagética fascista, um verdadeiro homem nunca desiste, mesmo quando tudo vem abaixo. E as manifestações do 7 de Setembro refletem nada mais do que isso.

CC: O Brasil está em uma melhor posição, então?

JS: Eu não sei, eu costumo ser otimista, eu sei que o Brasil está em um péssimo lugar nesse momento. Me preocupo com o caos social. Mas Bolsonaro não tem um partido político,  não tem o controle da Justiça, e, a meu ver, não controla os militares. Isso mostra, que, de algum modo, as instituições no Brasil estão mantidas, o que nos Estados Unidos não está ocorrendo.

Os atos foram muito preocupantes, mas não resultaram em nada. Eu me preocuparia mais se a polícia estivesse de forma mais expressiva nas mãos do Bolsonaro, ou alimentando o caos social. No entanto, as instituições são robustas no Brasil.

CC: Se poderia supor que a estratégia de Bolsonaro é promover o caos para logo tomar o poder de forma autoritária?

JS: Claramente é um caos o que ocorre no Brasil. E eu me pergunto se isso é intencional ou é apenas o resultado de um líder fascista incompetente no comando, com o Brasil tem. Não sei se isso é intencional, eu não sei se o Bolsonaro poderia ser apontado como uma pessoa capaz de organizar um país, ele é obviamente um inútil. Eu acho que é apenas isso, ele é um inútil. Apenas um idiota, um agente do caos.

CC: No entanto, parte da população segue apostando nele…

JS: Eu acho que mesmo os evangélicos, mesmo membros da ala não-progressista da Justiça, já o veem como agente do caos. Minha leitura – de longe, uma vez que eu não vivo o dia a dia do Brasil – é que o país está enfrentando um caos social e o Bolsonaro é o causador desse caos.

Talvez pudéssemos comparar com o que acontece na Venezuela, no pior dos cenários. Mas, tudo depende de para que lado a polícia vá, de como o país ficará dividido, e o Bolsonaro sabe e joga com isso. Eu sou um pouco cético nesse ponto. Tirando os manifestantes, ele está perdendo apoio massivo.

CC: E você vê uma possibilidade de reação por parte da população insatisfeita que pudesse levar a retirá-lo do poder?

JS: Primeiramente, é preciso união. O problema com o patriarcado, por exemplo, é, como dizia Simone de Beauvoir, que as mulheres estão dormindo com o inimigo. Trump e Bolsonaro tem um muito apoio das mulheres, o que você precisa é de união em prol de diferentes frontes. É preciso frear a batalha cultural do Bolsonaro contra a comunidade LGBTI+, o sentimento anti-indigenista, e o financiamento da destruição da Amazônia. Nesse último caso, sendo o Brasil o país com a maior porção dessa floresta, esse é realmente um momento de emergência a nível mundial.

É preciso que haja cooperação entre pessoas que talvez estão em desacordo em outros pontos. O Brasil está enfrentando um caos social, e quem deseja que o Brasil evite isso precisa lutar contra o agente do caos social, que é Bolsonaro.

CC: A mensagem final, então, segundo a perspectiva científica de um filósofo de Yale é de que podemos ter um pouco de esperança?

JS: Brasil tem algumas vantagens. Como disse, Bolsonaro ele não tem um partido político, a Corte Suprema não se guia por ele, então, nem tudo está perdido. Mas, o país é condescendente ao caos e Bolsonaro quer isso, mas por quê? Porque ele é um niilista, o modo como o fascista pensa é “prefiro eu ou a total destruição do país?”, e o Bolsonaro prefere que o Brasil se transforme numa Venezuela do que ele não esteja no controle. Líderes autocráticos sempre são mais perigosos quando estão perto da queda.

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