Justiça

Juiz é afastado após ceder celular para detento fotografar cela precária

João Marcos Buch entregou seu aparelho para averiguar o resultado de uma explosão ocorrida na Penitenciária Industrial de Joinville

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Um caso inédito na justiça brasileira aconteceu na semana passada, em Joinville, Santa Catarina. O juiz João Marcos Buch foi impedido de seguir em um processo pelo Tribunal de Justiça do estado depois de emprestar o próprio celular para um preso tirar fotos das condições precárias de uma cela durante uma vistoria na Penitenciária Industrial de Joinville.

Segundo a decisão dos desembargadores, que acataram o pedido feito pelo Ministério Público, o juiz perdeu a imparcialidade após entregar seu aparelho para o preso, que foi condenado por Buch pelo crime de roubo. Para os magistrados, o juiz atuou no caso como testemunha do processo, o que é proibido pelo Código de Processo Penal.

O episódio aconteceu em junho deste ano. Buch foi até a penitenciária fazer uma fiscalização, como determina a Lei de Execução Penal, e ouviu dos detentos que uma explosão havia acontecido dentro da cela que hospeda a ala destinada aos presos do regime semiaberto.

Como o juiz não pôde entrar no local, pois estava fechado, ele pediu para que o preso tirasse uma foto a fim de abrir um pedido para resolver o problema. Buch, então, bloqueou a tela do seu aparelho e o entregou apenas com a função da câmera disponível.

O detento fez imagens que mostram um problema elétrico e a falta de estrutura dentro das celas. Nos autos da vistoria, o magistrado exige uma inspeção urgente do Corpo de Bombeiros, já que ocorreu uma explosão, seguida de um princípio de incêndio no equipamento.

Foto tirada pelo preso dentro da cela em Santa Catarina.

Durante a visita, Buch identificou ainda superlotação e problemas estruturais em sanitários na ala destinada aos presos do regime semiaberto. Também foram encontrados presos com problemas de pele sem tratamento adequado.

Problemas elétricos no banheiro da unidade.

Além de Buch ser afastado do caso, o preso também foi penalizado, pois utilizou um aparelho celular dentro do cárcere, o que é proibido pela lei. O juiz que assumir o caso irá decidir sua punição.

Para o advogado, professor de Direito Constitucional e membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB Federal Ruy Samuel Espíndola, o fato de Buch ter feito o ato na frente de testemunhas – agentes penitenciários e presos –  jamais poderia ser entendido como transgressor de norma penal ou disciplinar.

“A conduta judiciária do douto João Marcos, além de acolhida pelo direito, como exercício regular de um dever legal e moral, é atípica penal e disciplinarmente, pois como juiz corregedor lhe compete deferir autorização legal para tal, sendo de sua estrita alçada avaliar a conveniência e oportunidade do ato”, explica Espíndola.

Para o jurista, o caso deve ser arquivado imediatamente. “Em sua ingente luta para tornar mais humano o tratamento social dos encarcerados, com reflexos positivos para todo o País, esse tema deverá receber o selo de arquivamento, por justiça e legalidade”, defende o advogado.

Outros especialistas ouvidos pela reportagem, que não quiseram revelar suas identidades, defendem que o caso também deva ser arquivado. Isso porque o que Buch fez, segundo eles, está previsto no Código de Processo Penal e deveria servir de exemplo, e não punição, para todos os juízes.

Um juiz na defesa dos direitos humanos

Buch é conhecido no meio jurídico por seu trabalho na defesa dos direitos humanos dentro do cárcere. Indo na contramão da onda punitivista, ele defende alternativas à prisão e políticas para garantir a dignidade das pessoas que estão presas.

Além de penas alternativas, Buch tem colocado em prática o que a Constituição deixa muito bem claro: a ressocialização dentro do cárcere. Clube de leitura, ateliê de poesia, trabalho com arte, direito a banho de sol, entre outras decisões. Tudo isso diminuindo o tempo de prisão para cada ação realizada.

Não foi a primeira vez que o magistrado realizou inspeção dentro do cárcere. Em 2014, junto do então ministro do STF e presidente do CNJ Joaquim Barbosa, realizou um mutirão no Presídio Central de Porto Alegre para fiscalizar as condições da unidade.

A ação não só foi elogiada pelo CNJ como, à época, o órgão determinou esvaziamento do presídio por ter encontrado risco de incêndio, condições precárias de higiene e estado paralelo imposto por facções criminosas.

Procurado, Buch informou, por meio de sua assessoria, que não iria se manifestar. Informou apenas que segue responsável por nove mil casos em Joinville. O Ministério Público de Santa Catarina não respondeu à reportagem.

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