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Como o PTB, sob o comando de Roberto Jefferson, tornou-se um celeiro de reacionários e extremistas

Passados 76 anos, a legenda fundada por Getúlio Vargas tornou-se o avesso do avesso do avesso

Reincidente. O presidente da legenda volta a amargar uma temporada na cadeia, desta vez por ameaçar ministros do Supremo e incitar um golpe de Estado. (FOTO: Redes sociais e Hélvio Romero/Estadão Conteúdo )
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Criado por Getúlio Vargas em 1945, o PTB foi concebido para representar os anseios dos trabalhadores brasileiros. Com o suicídio do seu principal idealizador, em 1954, o partido passou a se orientar pela “Carta-Testamento”, que pregava o fortalecimento do Estado, a defesa da Petrobras e a proteção social. Passados 76 anos, a legenda, nas mãos do ­ex-­deputado Roberto Jefferson, de longa ficha corrida na polícia, tornou-se o avesso do avesso do avesso. O novo estatuto da legenda, aprovado no fim de 2020, reservou três rápidas menções ao falecido fundador. O ideário trabalhista desapareceu por completo e deu lugar à agenda liberal na economia e reacionária em todo o resto. Agora, o PTB defende as privatizações, o Estado mínimo, a liberação das armas, o combate ao aborto, a guerra às drogas e a criminalização da “cristofobia”. Nem mesmo as cores originais da bandeira – preto, branco e vermelho – sobreviveram.

O objetivo de Jefferson é atrair a caterva de reacionários que ainda não desistiram de Jair Bolsonaro. A direção da legenda almeja filiar o próprio presidente da República, sem partido no momento. O convite inclui um “acordo de cavalheiros”, segundo o qual Bolsonaro teria carta branca para abandonar a sigla após a disputa de 2022. Por conta desse arranjo, parlamentares ameaçam deixar a agremiação, enquanto ex-petebistas acusam Jefferson de fomentar uma “seita extremista”.

O número de filiados do PTB não para de encolher, revelam dados do Superior Tribunal Eleitoral. Em 2019 eram 1,19 milhão. Agora são 1,07 milhão. Jefferson encontra-se preso novamente, por determinação do Supremo Tribunal Federal, desta vez acusado de integrar uma organização criminosa que busca “desestabilizar as instituições republicanas”. A primeira temporada na cadeia deu-se pela condenação a 7 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no “Mensalão”. Ficou preso numa penitenciária de Niterói, na Grande Rio, por um ano e dois meses. Nesse período, diz ter tido uma “epifania” e saído do cárcere decidido a transformar o PTB.

Para colocar de pé a “nova legenda”, foi necessário intervir em ao menos 11 diretórios estaduais: as direções acabaram destituídas e filiados históricos, expulsos.  No estado de São Paulo, o novo mandachuva é Otávio Fakhoury, que se apresenta como empresário, mas vive do aluguel de imóveis herdados, e é investigado no STF por supostamente financiar atos antidemocráticos e a máquina bolsonarista de fake news. ­Fakhoury planeja atrair para o diretório paulista a fina flor da chamada “ala ideológica” que perdeu espaço e cargos no governo, entre eles os ex-ministros ­Ricardo Salles, Abraham Weintraub e Ernesto A­raújo. “O objetivo é promovermos as filiações, pensando em um tripé: militância e rua, como faz o Douglas Garcia (líder do PTB na Assembleia Legislativa de São Paulo), empresários e representantes da sociedade, como presidentes de associações comerciais, OAB, ­Rotary, pastores e, por fim, prefeitos e vereadores”, explica Fakhoury, que diz ser a ponte entre o vice-presidente Hamilton Mourão e a “Faria Lima”.

Preso por ameaçar ministros do STF, o ex-deputado abriu as portas do partido aos neointegralistas

Para atrair lideranças do governo Bolsonaro, o PTB está disposto a tudo, até mesmo engrossar as fileiras do partido com representantes do Movimento Integralista. Paulo Fernando Melo da Costa, dirigente da Frente Integralista Brasileira, tornou-se presidente do diretório no Distrito Federal. Antes disso, havia ocupado o cargo de assessor especial de Damares Alves, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. Também se filiaram o presidente da FIB, Moisés José Lima, e Lucas Carvalho, secretário-geral da entidade.

O movimento integralista surgiu em 1932, após o jornalista Plínio Salgado conhecer, durante uma viagem à Europa, o então primeiro-ministro italiano ­Benito Mussolini. O encontro não durou mais que 15 minutos, mas inspirou Salgado a criar o movimento que, no melhor momento de sua história, reuniu cerca de 1 milhão de simpatizantes. Restam quatro frentes principais. A FIB tem 200 integrantes e ficou famosa por causa do atentado de um de seus integrantes, Eduardo Fauzi, à sede da produtora do canal humorístico Porta do Fundos, que gerou para a Netflix um especial de Natal repudiado pelos “cristãos” mais devotos. Depois de lançar coquetéis molotov contra a produtora, Fauzi buscou refúgio na Rússia. Acabou preso e espera extradição. O Movimento Integralista e Linea­rista Brasileiro possui forte viés antissemita e anticomunista e mantém afinidades eletivas com maçons e monarquistas. Há ainda a Ação Integralista Revolucionária e um movimento considerado mais radical criado em Niterói, denominado Associação Cívica e Cultural Arcy Lopes Estrella, ou Accale.

Um dos expoentes da Accale é Breno­ Zarranz, ligado ao clã Bolsonaro. Em 2017, Carlos Jordy, então vereador no Rio de Janeiro e atual vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara, propôs uma “Moção de Aplausos” à editora GRD, do integralista Gumercindo Rocha Dorea, morto neste ano. Na ocasião, devido à idade avançada, Dorea foi representado por Zarranz. O então deputado estadual Flávio Bolsonaro participou da solenidade. Zarranz exibe ainda fotos com Eduardo Bolsonaro. Em uma das imagens, o chapeiro da família segura o livro Professor Não É Educador, um dos títulos da GRD.

O PTB de Jefferson, por sinal, adotou o lema integralista “Deus, Pátria e Família”, incluindo apenas a palavra “Liberdade”. Curiosamente, o Aliança Pelo Brasil, projeto fracassado de Bolsonaro, também adotava o slogan. O próprio presidente demonstra afinidade com a turma. Só nos últimos meses, o lema foi usado ao menos oito vezes no Twitter oficial do ex-capitão. A última postagem deu-se em 17 de julho: “E nós vamos juntos resolver isso. Por nós, nossos filhos e netos. Pelas futuras gerações. Deus, Pátria, Família”, disse, ao compartilhar um vídeo de Lula com Fidel Castro.

Nos últimos anos, o perfil dos militantes do movimento também mudou, agregando mais jovens, menos intelectualizados, e fortalecendo a presença de suas bandeiras nas redes sociais, segundo explica o professor da UFJF Leandro Pereira Gonçalves autor da biografia de Plínio e autor do livro O Fascismo em Camisas Verdes: do Integralismo ao Neointegralismo. Ele destaca uma movimentação maior dos integralistas nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro.

Na avaliação do historiador Odilon Caldeira, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e também autor do livro O Fascismo em Camisas Verdes, este é o melhor momento para o movimento desde o fim da ditadura. “Com o bolsonarismo, eles aumentaram a capacidade de articulação e de interlocução.”

Publicado na edição nº 1173 de CartaCapital, em 2 de setembro de 2021.

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