Sociedade

Coronavírus: empresário que desdenhou da morte de “5 ou 7 mil” foi madeireiro na Amazônia

Em vídeo, Luiz Durski Junior, da rede Madero, disse que País não pode parar se ‘5, 7 mil pessoas morrerem’

Junior Durski, bolsonarista dono da rede de lanchonetes Madero - Foto: Guilherme Pupo/Madero/Divulgação
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Um vídeo postado nas redes sociais pelo empresário Junior Durski, dono da rede Madero, onde desdenha da morte de “5 mil pessoas, ou 7 mil pessoas que vão morrer” parar o Brasil, provocou revolta. Gravado num lugar seguro e isolado, ele não está exposto. No seu Instagram, também postou vídeo de funcionários aparentemente alegres com supostos equipamentos de proteção e higiene contra o vírus — nada que garante controle da epidemia equivalente ao isolamento social. Para ele: “Não pode parar”.

“Tem que parar com esse lockdown”, diz, e insiste que sua empresa e seus 8 mil empregados podem parar por 6 meses, dizendo que está preocupado com o vendedor de pipoca e não com os seus negócios. Difícil acreditar. “Tem que ser mais realista”, disse, sem se preocupar com familiares das 7 mil pessoas que ele fala que irão morrer.

Foi tão escandaloso que em seguida ele postou outro vídeo pedindo desculpas. “Eu me preocupo com as pessoas que vão morrer”. Mas… Após o “mas” todos imaginam que vem o mesmo argumento de que a economia não pode parar só porque 7 mil pessoas vão morrer por conta da epidemia.

Conheci Junior Durski em 2008, quando ele preparava uma transição profissional: deixar de ser madeireiro para virar chefe de cozinha e dono de rede de restaurantes.

Durski foi um dos sócios da empresa madeireira Marinebox, que comprava madeira dos lugares mais violentos da Amazônia, em Rondônia, Mato Grosso e Pará. Entre os locais de onde vinham as madeiras ilegais estava Colniza, então a cidade mais violenta do país.

Estive em Colniza numa expedição da Funai de contato com os indígenas do povo Piripkura, e publiquei uma série de reportagens aqui na CartaCapital, na National Geographic Brasil,  e uma longa reportagem sobre a violência na região que saiu na revista RollingStone Brasil. Nessa última, havia tido acesso a investigações da polícia civil que mostravam que a Marinebox era uma das principais compradoras de madeira da região, o que alimentava a violência, pistolagem e muitos assassinatos.

A Marinebox, empresa em que Junior Durski era um dos sócios, vendia para a empresa chinesa Shanghai Anxin Flooring Co., que produzia pisos. Segundo investigações, esse comércio ilegal financiava um dos maiores esquemas de corrupção e violência do Brasil. Só pelo porto de Paranaguá, a Marinebox exportava mais de 400 contêineres por mês de madeira.

Uma ação do Ministério Público Federal em defesa dos direitos de um povo indígena isolado, os kawahiwa do Rio Pardo, prendeu diversas pessoas, entre elas sua ex-esposa e seus sócios. Eram fazendeiros da região onde vivem os indígenas e o nome de sua ex-esposa estava como de proprietária de uma das fazendas.

Em 2008 a RollingStone foi procurada por Durski querendo direito de resposta pelas denúncias em minha reportagem sobre Colniza. Escrevi a ele, que tinha um email da marinebox.com.br, que respondeu de forma muito educada e prontamente:

“Estou inteiramente à sua disposição para a entrevista, por favor me ligue no celular, neste mercado de madeira atuei por mais de 25 anos, conheço profundamente e gostaria muito de lhe dar esta entrevista.”

A entrevista aconteceu no Hotel Meliá Jardim Europa, da João Cachoeira, no nobre bairro paulistano Itaim, onde ele estava hospedado, na quarta feira 14 de maio de 2008.

Ele e sua família, às vezes empresas em nome de mulheres, mas com o sobrenome Durski, eram donos de diversas exportadoras de madeira como a AXN, ligada a um empresário chinês da Anxin Flooring Co., e também MGM, SM Madeiras e Laminados, e a Marinebox, que havia sido denunciada pelo envolvimento com a violência em Colniza. Naquele momento, Durski Junior me disse que queria sair do ramo de madeireiro, o qual herdou de seu bisavô, seu avô e seu pai, pois queria um futuro diferente para sua filha.

Homenageou as madeiras da Amazônia que foram assassinadas para fazer sua fortuna com o nome do restaurante e na decoração: Madero.

Abaixo, trechos da entrevista inédita de Junior Durski realizada em 2008:

Felipe Milanez: Qual o nome do senhor?

Junior Durski: Luis Renato Durski Júnior.

FM: Família polonesa, o senhor é imigrante polonês?

JD: Não eu, meu trisavô foi o primeiro imigrante polonês a imigrar oficialmente para o Brasil, mas isso lá por 1890. E meu trisavô quando veio era músico, tocava piano, e tal. Meu bisavô foi um colonizador, primeiro prefeito da minha cidade, Prudentópolis, e já foi madeireiro. Meu bisavô era madeireiro, meu avô era madeireiro, meu pai era madeireiro, e eu consegui parar com o negócio agora.

FM: Quando saiu de Rondônia?

JD: Em 1999, 1998, não sou muito bom de data, eu me mudei de volta para o Sul. Foi um problema particular, eu acabei me separando da esposa. No Norte, você teve lá, sabe como é, e eu sou do Sul, uma família tradicional, fui pro Norte, acabei me casando em Curitiba, com uma prima minha. Acabou que acabou o casamento, exatamente pelo ambiente, pela convivência do tipo de gente do Norte. O norte é uma coisa áspera.

O Norte só tem isso. O Norte é um lugar que é tudo errado. Não é só isso. No Norte não tem nada certo

FM: O Norte é difícil?

JD: O Norte é muito difícil, para quem morou, para quem conhece. E o meu casamento acabou. Terminou. Aquela coisa de traição, convivência, e eu fui embora. Talvez eu não tivesse voltado. Talvez eu ficaria lá para sempre. Não sei.

FM: O senhor já tinha vontade de sair do ramo da madeira. E agora decidiu. Como foi essa decisão, e por quê?

JD: Foi me cansando. Acho que quando uma pessoa não tem mais orgulho daquilo que faz e não tem mais assim, tipo: sabe quando a pessoa chega e te pergunta, o que você faz? Puta merda, eu sou madeireiro, cara. Sabe? Tipo… Eu, eu sei o que é ser madeireiro. Minha família é madeireira. Eu trabalhei com isso. Eu sei que é uma profissão legal, regulamentada. Para você trabalhar tem que ter alvará de localização, alvará de funcionamento, registro tudo certo. Mas hoje, tudo o que foi se colocando, foi se pondo na imprensa e tudo, a impressão que se tem é que quem comercializa madeira é o que? Bandido. Mas tá errado, tem os que são certo, etc.

Mas isso é uma coisa que foi assim, digo, não é uma coisa que eu queria para minha filha. Minha filha tem 19 anos, está no último ano de administração de empresas, fazendo administração de empresas para vir trabalhar comigo. Mas é uma coisa que eu falava: minha filha eu não quero que você trabalhe nesse ramo. Porque isso já foi um ramo que me deu muito orgulho, quando eu fiz faculdade, em 1980. E eu lembro que eu estudei em Itapetininga, no interior de São Paulo. E quando eu ia para lá as pessoas perguntavam: o que você faz. Eu sou madeireiro. Que orgulho, que bonito, e tal, o cara é madeireiro, fazendeiro, essa coisa e tal. Meio de desbravador. Hoje não.

FM: Há muitas formas de ilegalidades, grilagem, planos de manejo que não saem do papel. Mexer com madeira é difícil?

JD: É. É. O Norte só tem isso. O Norte só tem isso. O Norte é um lugar que é tudo errado. Não é só isso. No Norte não tem nada certo. A política não funciona. O Ibama não trabalha. A Sema [Secretaria Estadual do Meio Ambiente], ou a Fema, ou o órgão ambiental não trabalha. O prefeito não trabalha. Nada trabalha. Você vê lá tudo é sujo. O prefeito entra e sai da Prefeitura, pela Justiça, 5 ou 6 seis vezes, como é o caso da Colniza. Entra, cai, tira, bota outro. Ah, meu amigo, deveria ter o mínimo. Mas o Norte não tem. Norte é uma coisa desorganizada completamente. O Pará é um antro. Um antro. Pará é uma coisa assustadora.

FM: O que acontece?

JD: Hoje, no Norte, você compra documento, qualquer, qualquer pessoa que vai lá pode comprar.

Norte é uma coisa desorganizada completamente. O Pará é um antro. Um antro. Pará é uma coisa assustadora

FM: O problema da madeira ilegal é mesmo na origem?

JD: É sempre lá na ponta. Sempre na origem. Quando um camarada tem uma madeireira, e ele compra lá dos índios, ou dos sem terra, compra madeira ilegal, de área do governo, de qualquer cara que não tenha autorização do governo. Ele compra dali, serra a madeira, e compra o documento de alguém. Ai ele esquenta.

FM: De quem ele compra documento? De outra serraria?

JD: Não. Normalmente são o que se chama dos noteiros, que vendem nota.

FM: Noteiro? Isso é uma profissão?

JD: Tem essa profissão de noteiro. Se você for lá para Itaituba, para Belém, é só perguntar: sabe quem é noteiro aí?. “Ah, fulano é noteiro”. Quem é noteiro? O filho da puta que vende nota. Ele é noteiro.

FM: Como é o noteiro?

JD: Eu cheguei em Itaituba, e estou lá em um bar. Até porque no Norte, você não tem muito o que fazer. Chega de noite, vamos jantar, tudo é bar. Senta, e daqui a pouco chega um cara lá. Cheio de ouro, cheio de pulseira, cheio do caralho e tal. Pergunto: o que o cara faz? O cara é noteiro. O quê? O cara é noteiro.

FM: Quanto custa o documento para esquentar madeira?

JD: A ATPF (Autorização de Transporte de Produtos Florestais) valia 5 mil reais. O cara ia no Ibama. Pegava um talão com 200 ATPF, vendia cada uma por 5 mil. Isso dá um milhão de reais. Se descobrirem o cara lá, afastam o cara, fica seis meses afastado, e daqui a pouco ele está trabalhando no Ibama de novo. Um milhão ele ganhou. E era assim que funcionava, e assim que continua funcionando. Quando passou pro DOF (Documento de Origem Florestal), eu disse: agora vai organizar, mas não organizou nada.

FM: Isso acontecia na época em que era tudo na ATPF. No DOF continua igual?

JD: No DOF continua igual. Era a minha esperança que o DOF regularizasse. Eu tenho, por exemplo, dois inquéritos que a Policia Federal instaurou contra a Marinebox no Paraná. A ATPF que haviam me passado era falsa. Processei o fornecedor. Mas como é que eu vou saber que a ATPF era falsa, que ela tinha sido roubada no Ibama, lá no Norte?

FM: Mas como fazem para trapacear o DOF, que é um documento eletrônico?

JD: No caso o do DOF, tem o crédito, que é como ele funciona. Então, credita na conta do cara. Ele faz um plano de manejo, e o Ibama vê quantos metros cúbicos vai liberar para o cara, como crédito. Por exemplo, libera 10 mil. Então faz o seguinte, ele combina com o Ibama, ou com a Sema. Quando você mandar o pedido de manejo, vamos dizer que tem 30 mil metros cúbicos disponíveis, e não só 10 mil. Nós vamos lá no campo, vamos fazer a vistoria no pátio e dizer que tem 30 mil. Liberamos 30 mil, mas só tem 10 mil. Quer dizer, 10 mil que ele vai lá, tira de madeira e vende, e 20 mil que sobrou em documento para vender madeira ilegal.

FM: Um dos acusado de genocídio é o Renato Pinto, como mostrou a reportagem.

JD: Exatamente. Outro era a minha ex-esposa. Foram 70 pessoas.

FM: Sua ex-esposa é acusada de genocídio?

JD: É, e meus dois sócios.

FM: Seus dois sócios também são acusados de genocídio?

JD: É.

FM: Jacarandá e Pau-Brasil, que são proibidos, ainda são comercializados ilegalmente para a indústria de instrumentos musicais?

JD: Sim, vão para a Espanha.

FM: Isso continua?

JD: Sim, continua, continua. Sai da Bahia e do Espírito Santo. Sei que jacarandá da Bahia e do Espírito Santo vão para a Espanha, para a França, tem umas fábricas lá que usam. Eu já vi em depósito na Espanha jacarandá. Disse: “mas isso aí é proibido”. Pois é, mas sai aqui da Bahia.

FM: Como sai? Maquiado como outra madeira?

JD: Sem dúvida. Escrevem outra madeira, e não fazem fiscalização. Os portos não têm essa estrutura, a Receita Federal não tem essa estrutura para fiscalizar tudo, e tal. Ou acertam na hora com o fiscal mesmo.

FM: Quanto custa o metro cúbico de jacarandá no mercado negro?

JD: Eu imagino que o metro de jacarandá deve custar aí uns 4 mil dólares, 3 mil dólares.

FM: A reportagem sobre Colniza motivou o senhor a sair do meio?

JD: Aquela reportagem tua foi a gota d’água, ali eu já tava dizendo, assim eu não quero mais. Dizer que eu financio aquela violência, não, isso não, já é demais. Ai quando eu fui para Itaituba eu voltei e disse, eu não quero mais estar nesse ramo.

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