Justiça

Cotas Raciais e heteroidentificação: abismos de desigualdades e a política judiciária de equidade racial

Está em curso uma mobilização por mais espaço para pessoas negras dentro da magistratura brasileira

I Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros. Foto: Gláucio Dettmar/Agência CNJ
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“A mente, esta ninguém pode escravizar”

– Maria Firmina dos Reis

Em tempos de alusão ao Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, ressignificando o dia 13 de maio e a retórica abolição da escravatura, trazemos reflexões sobre os abismos de desigualdade da sociedade brasileira e a necessidade de implementação de políticas públicas que efetivamente assegurem a equidade racial.

Inicialmente, destacamos a composição da população brasileira, que é integrada em sua maioria por pessoas negras, totalizando 56,4%, sendo 9,2% de pretos e 47,2% de pardos conforme dados divulgados pelo IBGE (PNAD Contínua 2020).

Ademais, conforme a mesma pesquisa, no mercado de trabalho os negros representavam 64,5% dos desocupados e 66,26% dos subutilizados; 65,17% dos trabalhadores domésticos; e em cargos cargos gerenciais apenas 27,6% são ocupados por negros.

Quanto à remuneração, brancos recebem em média R$ 3.056,00, enquanto negros R$ 1.764,00 (42,28% a menos). Procedendo ao recorte de gênero identifica-se o seguinte cenário:

1) Homens brancos: R$ 3.443,00;

2) Mulheres brancas: R$ 2.551,00;

3) Homens negros: R$ 1.915,00 (55% da remuneração de um homem branco e 75% de uma mulher branca);

4) Mulheres negras: R$ 1.532,00 (44,5% da remuneração de um homem branco, 60% de uma mulher branca e 80% de um homem negro).

A análise dos dados em questão comprova de forma categórica a perspectiva do imaginário social quanto ao papel relegado aos negros na sociedade: ocupando geralmente funções secundárias, subalternas, com maior incidência de vínculos informais e com menor remuneração, evidenciando a estrutura racista ainda presente nos dias atuais.

Daí a necessidade de compreensão do fenômeno do racismo com uma prática estrutural e excludente, consistindo numa tecnologia que reproduz e naturaliza essas desigualdades.

No Judiciário, os indicadores refletem as desigualdades raciais da sociedade: conforme dados do Conselho Nacional da Justiça (CNJ), em 2019 os negros representavam 64,1% dos conduzidos para as audiências de custódia; segundo o INFOPEN, em 2019 a população prisional brasileira era composta por 61,7% de negros; segundo o Ministério da Saúde, em 2019, 77% das vítimas de homicídio eram negras.

Infográfico de 2021 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre violência à população negra.

Diante dessa realidade de desigualdades raciais, evidencia-se a necessidade de adoção de ações afirmativas visando concretizar a igualdade material e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, nos moldes preconizados no preâmbulo Constitucional.

Ademais, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana contra o Racismo e a Discriminação Racial, promulgada pelo Decreto nº 10.932, de 10/01/2022, incorporada com status de Emenda Constitucional, que em seus dispositivos consagra a adoção de ações afirmativas com o propósito de promover condições equitativas para a igualdade de oportunidades.

Nesse sentido, observa-se um esforço do CNJ na elaboração de uma política judiciária que promova a equidade racial, merecendo destaque:

1) a Resolução nº 203, de 23/06/2015, que dispõe sobre a reserva aos negros de 20% das vagas nos concursos públicos para cargos efetivos e ingresso na magistratura;

2) Portaria nº 108, de 08/07/2020, que instituiu o Grupo de Trabalho sobre Igualdade Racial, realizando audiência pública em 12/08/2020 e apresentando Relatório com uma série de proposituras visando aperfeiçoar as regras para ingresso nas carreiras do Judiciário;

3) a Resolução nº 336, de 29/09/2020, que dispõe sobre a reserva de 30% das vagas nos programas de estágio;

4) a Resolução nº 382, de 16/03/2021, que estabelece a reserva do percentual mínimo de 20% das serventias extrajudiciais vagas;

5) acolhendo o relatório do GT de Igualdade Racial, foram aprovadas a Resolução nº 423, de 5/10/2021, que incluiu o conteúdo de Direito da Antidiscriminação nos concursos da magistratura, e a Resolução nº 457, de 27/04/2022, determinando que os tribunais instituam, obrigatoriamente, comissões de heteroidentificação nos concursos públicos, de maneira a evitar fraudes, e dispensando a exigência de cláusula de barreira para os candidatos negros na prova objetiva seletiva, desde que obtenham a nota mínima 6,0, exigida dos demais candidatos;

6) em 24/05/2022, o CNJ suspendeu a posse de candidato não negro que concorria nas cotas raciais para o concurso da magistratura do TJRJ. Foi realizado no âmbito do CNJ o procedimento de heteroidentificação, mediante especialistas, confirmando que o candidato não preenchia os requisitos necessários para sua admissão.

Por oportuno, em 2022 o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) lançou o Edital do concurso para ingresso na Magistratura, cujas inscrições se encerraram no dia 26/05/2022, e será o primeiro concurso público para a magistratura no Brasil alinhado às diretrizes da Resolução CNJ nº 457/2022, vez que as alterações implementadas pelo CNJ já haviam sido incorporadas à Resolução TJMA nº 105/2021, acolhendo sugestões apresentadas pelo Comitê de Diversidade, inspiradas no relatório do GT de Igualdade Racial do CNJ.

O TJMA é o 3º Tribunal mais antigo do Brasil (com 208 anos, instalado em 04/11/1813) e 76% da população maranhense autodeclarada negra, conforme dados do IBGE. Será o primeiro concurso para ingresso na magistratura do Maranhão com previsão de vagas para cotas raciais (03 vagas), registrando 1375 candidatos inscritos para concorrerem às vagas reservadas a negros.

Desejamos boa sorte a todos os concurseiros e que ingressem profissionais vocacionados à magistratura maranhense!

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